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domingo, 20 de novembro de 2022

É pior do que uma carona no jatinho, é a banalização da corrupção - Gazeta do Povo

Vozes - Deltan Dallagnol

Justiça, política e fé

O presidente eleito Lula, ao lado do deputado José Guimarães, cujo chefe de gabinete foi preso com 100 mil dólares escondidos na cueca. -  Foto: EFE/ Sebastiao Moreira [esse Guimarães é irmão do ex-terrorista Zé Genoíno, que vai assumir posto no governo Lula - após a posse e diplomação do mesmo - para perseguir a Igreja Católica. A propósito, o  lacaio do Zé da foto, após ser flagrado com o dinheiro, desapareceu...]

As ações das pessoas expressam mais do que suas palavras. Em geral é mais fácil mentir do que fingir. Ações tendem a ser mais genuínas. Por isso, significam mais. Talvez as ações não falem mais, mas falam melhor do que palavras. É pelos frutos que se conhece a árvore. Nesta semana, Lula pegou uma “carona” para o Egito no jatinho de José Seripieri Filho, o “Júnior da Qualicorp”.   
O fretamento de um vôo similar custaria entre um e três milhões de reais. Lula nem assumiu o cargo e já ganhou um benefício milionário de um empresário amigo. 
E não é qualquer amigo. Júnior foi preso em um desmembramento da operação Lava Jato e depois acusado por corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois. Fez acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República.

No acordo, além de pagar cerca de 200 milhões de reais a título de ressarcimento, Júnior confessou crimes. O conteúdo do acordo, dois anos depois de celebrado, ainda está sob sigilo, mas a Folha de São Paulo reportou um dos episódios relatados. Em geral é mais fácil mentir do que fingir. Ações tendem a ser mais genuínas. Por isso, significam mais. Talvez as ações não falem mais, mas falam melhor do que palavras

O fato seria a nomeação do ex-presidente da empresa de planos de saúde que Júnior fundou, a Qualicorp, para trabalhar na Agência Nacional de Saúde (ANS) no governo de Dilma Roussef. Assim, a Qualicorp teria infiltrado um espião no quartel general que regula e fiscaliza exatamente seu setor. Quando as entidades reguladas capturam as agências reguladoras, quem perde é a sociedade e o interesse público.[é o mesmo caso de um órgão que foi ser auditado pelos militares, próximo das eleições,  e estabeleceu o que os 'auditores' poderiam ver, determinando o que eles podiam analisar. Tendo absoluta certeza que todos já identificaram o tal órgão, mesmo assim, vamos citá-lo = TSE.]
Recentemente, por exemplo, estava em discussão se planos e operadoras de saúde deveriam ou não arcar com o tratamento integral de autistas. A decisão impactaria a vida de centenas de milhares de pessoas, entre autistas e familiares. Usuários clamavam por atendimento integral. As empresas do setor se opunham. A decisão foi favorável aos usuários. Uma ANS cooptada pelas empresas para maximizar o lucro delas poderia facilmente fechar os olhos para os interesses ou direitos dos usuários.

Por que o governo do PT permitiu a infiltração na ANS de alguém com evidente conflito de interesses? 
As doações de Júnior ao PT foram desinteressadas? 
Esse acontecimento pode ser entendido à luz de outros do governo do PT.

No Mensalão, o governo do PT se associou a grandes bancos que buscavam atos governamentais que lhes fossem favoráveis num esquema de corrupção de 100 milhões de reais. No Petrolão, vimos os grandes empreiteiros e o governo do PT de mãos dadas para roubar em bilhões o Brasil. A operação greenfield revelou que muitas empresas escolhidas para ser “campeãs nacionais” foram favorecidas pelo BNDES em troca de propinas para partidos e políticos.

Esse tipo de associação espúria entre parte da classe política e econômica, para perpetuar seus domínios e extrair riqueza da população, é o que estudiosos chamam de capitalismo de compadrio. É o diagnóstico e a receita do subdesenvolvimento brasileiro.

De um lado, políticos angariam polpudas doações para campanhas, mantendo e ampliando seu poder. De outro lado, os grandes empresários alcançam favores governamentais que alavancam seu crescimento em prejuízo da livre concorrência, da inovação e da eficiência operacional. A carona no avião do amigo por si só não é ilegal, mas parece mais do mesmo. Não só em razão do passado de Júnior e dos governos do PT, mas por causa do presente.

Após anunciado o resultado das eleições, Lula discursou ao lado do deputado petista José Guimarães, cujo chefe de gabinete foi preso em 2005 com 100 mil dólares escondidos na cueca. Guimarães foi acusado, mas foi livrado em 2021 pela prescrição de seu caso. No passado, Lula dizia que não sabia. Ele alegou que não sabia, por exemplo, que seus ministros, companheiros e aliados estavam envolvidos em crimes. Pelo menos 27 deles foram presos. Contudo, não pode alegar que desconhece o passado dos nomes de sua equipe de transição.

Uma rápida pesquisa na internet mostra que 19 nomes da equipe, dentre os 71 da lista divulgada em 10 de novembro, foram delatados, investigados, acusados ou até condenados. Mais de um quarto.
Programas de integridade recomendam que relacionamentos sejam suspensos ou encerrados com indivíduos e empresas investigados por corrupção. É uma medida de cautela recomendada até para proteger a reputação contra a vergonha e censura pública.

Contudo, isso não é preocupação para Lula. Na sua equipe estão nomes como de Gleisi Hoffmann, investigada por corrupção, lavagem de dinheiro e falsidade num inquérito parado há quatro anos no STF. A suspeita é de que teria recebido mais de 800 mil reais em propinas por contratos entre o Ministério do Planejamento e a empresa Consist.

Está no rol também Guido Mantega, acusado pelo Ministério Público em investigação decorrente do caso JBS que revelou benefícios indevidos concedidos pelo BNDES de até 8 bilhões. Tornou-se réu por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e crimes contra o sistema financeiro.
André Ceciliano, petista que integra o time de Lula, foi alvo da operação Tris in Idem. Foi apontado pelo Ministério Público na investigação como protagonista” de esquema de desvios de recursos da saúde liderado pelo ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel.

Há muitos outros nomes que estiveram [e alguns continuam] enrolados na Justiça como Renan Calheiros, Jader Barbalho e Paulo Bernardo, para ficar dentre os mais conhecidos. Afinal, se até o presidente e seu vice podem ser pessoas processadas ou até ter sido condenadas por crimes, por que os membros de sua equipe não poderiam?

Não se trata de julgar aqui pessoas cuja responsabilidade deve ser definida pela Justiça, mas de compreender a mensagem que tudo isso passa. É a mesma mensagem que o PT transmitiu ao passar a mão na cabeça de condenados em escândalos de corrupção como José Dirceu e José Genoino.  A mensagem é de que a corrupção passou a ser aceita como normal. Nesse sentido, o PT normalizou a corrupção, embora isso também seja verdadeiro num sentido mais forte: a corrupção se tornou uma norma de conduta em certos contextos como a Petrobras.

O que é normal não merece punição criminal. A banalização da corrupção política é a semente da sua impunidade, promovida pelo Congresso e garantida pela cúpula do Judiciário. 
 As ações de Lula dizem ainda mais ao discursar ao lado de Guimarães, formar sua equipe de transição e viajar de carona no jatinho do empresário amigo. Essas ações gritam: a corrupção não é motivo de vergonha.

A diferença é que, como presidente, a mensagem de Lula influencia milhões e é vista por todo planeta. Se roubar não é motivo para vergonha, o que seria? No Brasil, o mau exemplo vem de cima.

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Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

Deltan Dallagnol, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

James Bond enfrenta seu pior inimigo - Revista Oeste

 Dagomir Marquezi

Depois de derrotar Dr. No, Blofeld, Scaramanga, Goldfinger e outros vilões, o agente 007 tenta sobreviver às patrulhas do politicamente correto 

 O maior e mais duradouro mito da cultura pop nasceu na manhã do dia 15 de janeiro de 1952. O jornalista (e ex-oficial de Inteligência da Marinha britânica) Ian Fleming, de 43 anos, observava tenso o oceano à sua frente. O dia de seu casamento com Anne Geraldine Charteris se aproximava. E ela estava grávida de seu primeiro filho.
 
Roger Moore, Sean Connery, Daniel Craig e Pierce Brosnan
            Roger Moore, Sean Connery, Daniel Craig e Pierce Brosnan

Do terraço de sua casa de verão na Jamaica (que ele batizou como GoldenEye), Fleming acendeu o primeiro dos 70 cigarros que fumava a cada dia. Desceu a escada para sua pequena praia particular, calçou os pés de pato, colocou a máscara e mergulhou nas águas quentes do Mar do Caribe. Na volta, ele encontrou a noiva no jardim. Anne pintava uma de suas aquarelas marinhas e percebeu a tensão no olhar do futuro marido. “Ian, você está uma pilha de nervos. Por que você não tenta se acalmar escrevendo alguma coisa?”

Fleming foi até sua escrivaninha num canto do quarto de dormir. Colocou uma folha de papel em sua máquina de escrever dourada. E decidiu parar de adiar seu velho plano de criar “a novela de espionagem para acabar com todas as novelas de espionagem”. Acendeu outro cigarro. A “qualquer coisa” que Anne pediu que escrevesse começou assim:

O cheiro, a fumaça e o suor de um cassino são nauseantes às três da madrugada. Nessa hora o desgaste produzido pelo alto jogo — uma mistura de ambição e tensão nervosa — se torna insuportável e os sentidos despertam e se revoltam contra isso. James Bond de repente percebeu que estava cansado.

Nascia Casino Royale, o romance que apresentava um espião ainda imaturo, mas já com a licença para matar número 007. Com essas frases, Ian Fleming daria início a uma saga que vai completar 70 anos em 2022. A cada ano fugiria do inverno britânico para o sol de GoldenEye, onde escreveria mais um livro da série.

Ian Fleming em sua escrivaninha de GoldenEye | Foto: Arquivo pessoal

A popularidade dos livros de James Bond foi crescendo aos poucos. Virou um fenômeno em 1961, quando o popularíssimo ex-presidente John Kennedy foi convidado pela revista Life para listar seus dez livros favoritos. Em nono lugar estava From Russia With Love (conhecido no Brasil como Moscou Contra 007). Com a ajuda do presidente americano, os livros de Ian Fleming viraram best-seller internacional. E o mito daria um novo grande salto de grandeza no ano seguinte, com o lançamento do primeiro filme da série — Dr. No (aqui, O Satânico Dr. No), com um jovem e pouco conhecido ator escocês chamado Sean Connery.

James Bond ficou tão grande que passou a viver três vidas paralelas: uma na literatura, outra nos quadrinhos e (a mais grandiosa) no cinema. Entre romances e coletâneas de contos, Fleming escreveu 14 livros até ser abatido por um enfarte em 1964. Nos anos 1980, o britânico John Gardner se tornou o novo autor oficial das aventuras de 007, e escreveu dois livros a mais que Fleming. Em 1997, foi substituído pelo americano Raymond Benson até 2002.

Gardner e Benson modernizaram o personagem e o adaptaram aos novos tempos. Mas não entusiasmaram. A partir de 2008, os detentores dos direitos de Bond passaram a entregar a autoria dos livros a alguns dos mais bem-sucedidos escritores dos EUA e do Reino Unido, um de cada vez. A maioria desses autores optou por retratar Bond no seu início de carreira. No último romance, Forever and a Day (de Anthony Horowitz), somos levados a imaginar um jovem James Bond antes mesmo de receber sua licença para matar. O próximo romance, também escrito por Horowitz e ainda sem título, já tem data de lançamento: maio de 2022.

A segunda vida de Bond aconteceu em tiras de quadrinhos, lançadas a partir de 1958. A versão original, desenhada por John McLusky, era bem convencional. Em 1966, McLusky foi substituído pelo chinês (refugiado na Austrália) Yaroslav Horak, que levou as tiras ao estado de arte, com seu estilo único, chapado e sem meios-tons.

A doutora Christmas Jones (Denise Richards) exibe seus trajes de cientista em The World Is Not Enough | Foto: Divulgação

Algumas cenas chegaram a ser francamente ofensivas. Como as duas nas quais atrizes têm seus braços torcidos em cenas de tortura explícita (em Dr. No e Octopussy). Ou quando Jill St. John passa Diamonds Are Forever praticamente inteiro num sumário biquíni branco sem muita razão dramática para isso. Ou ainda quando Bond (ainda Sean Connery) sutilmente se propõe a “curar” Pussy Galore (Honor Blackman) de seu lesbianismo em Goldfinger (1964). O Bond de Daniel Craig respeitou as mulheres que encontrou e até se casou. Simbolicamente pagou pelos pecados dos Bonds anteriores levando uma surra nos genitais logo em seu primeiro filme.

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