Logo após forçar a saída de Roberto Castello Branco da Petrobras, o presidente Jair Bolsonaro publicou a medida provisória da privatização da Eletrobrás. Agora, quando as credenciais liberais do governo são novamente questionadas graças às manobras para contornar as regras fiscais com mudanças no teto de gastos e um calote nos precatórios, Bolsonaro lança mão de outro balão de ensaio: a privatização da Petrobras. “É muito fácil: aumentou a gasolina, culpa do Bolsonaro. Eu já tenho vontade de privatizar a Petrobras. Vou ver com a equipe econômica o que a gente pode fazer”, afirmou a uma rádio pernambucana no dia 14. Nesta segunda-feira, ele retomou o tema em nova entrevista, a uma emissora do Mato Grosso do Sul: “Quando se fala em privatizar Petrobras... Isso entrou no nosso radar”. Até que ponto há uma possibilidade real de que isso ocorra?
A convicção privatizante, já se sabia desde a campanha eleitoral, estava mais presente na equipe econômica comandada por Paulo Guedes que no próprio Bolsonaro; sua afirmação do dia 14 pareceu motivada menos por algum ideário liberal e mais pelo cansaço por ser culpado por todo aumento nos combustíveis e no gás de cozinha – uma atribuição exagerada, já que vários fatores que estão puxando os preços para cima estão fora do controle da própria Petrobras, quanto mais do presidente da República. Privatizar a Petrobras, por esse ângulo, seria apenas uma forma de deixar de ser responsabilizado pela disparada nos preços. Mas, para que não fique dúvida de que o presidente não vê muito futuro na própria ideia, Bolsonaro também falou em “complicação enorme” na entrevista do dia 25.
Ao menos neste sentido, o presidente não está inventando nada, e “complicação enorme” talvez seja até um eufemismo. Qualquer privatização que chegue ao Congresso já enfrenta enormes resistências da esquerda estatizante e dos fisiológicos que usam a nomeação de apadrinhados para cargos nas estatais como moeda de troca por apoio político, e no caso da Petrobras a gritaria seria ainda maior. Veríamos a ressurreição da campanha “o petróleo é nosso”, que culminou na própria criação da Petrobras, em 1953. Os opositores da privatização fariam de tudo para o Brasil esquecer que o maior escândalo de corrupção da história recente baseou-se justamente no uso das diretorias da Petrobras, loteadas entre o PT e seus aliados, para superfaturar contratos e abastecer cofres partidários.
Isso, no entanto, não é motivo para que não se abra o debate, inclusive no parlamento. Depois da entrevista de Bolsonaro nesta segunda-feira, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, disse à agência noticiosa Reuters que há, sim, estudos para um projeto de lei que retira da União o controle da empresa por meio da venda de parte das ações do governo – a União tem, hoje, 50,5% das ações ordinárias, com direito a voto. Segundo outras informações de bastidores, publicadas pela CNN Brasil, o projeto manteria nas mãos do Planalto o direito de indicar o CEO e uma golden share, ação que lhe daria o direito de vetar decisões.
O formato, assim, se assemelharia ao da privatização da Eletrobrás, embora Bezerra tenha dito à Reuters que gostaria de concluir, antes, a venda dos Correios – que deve ocorrer em um modelo bem diferente, com a venda total da empresa em um leilão. As primeiras reações do mercado deixaram claro que, com a manutenção de certas prerrogativas nas mãos do governo, a privatização ainda seria positiva, mas longe do ideal, por manter a possibilidade de ingerências políticas na administração da companhia. O sucesso que Bezerra diz esperar no caso dos Correios poderia até ser um forte indicador de que o interesse dos investidores será muito maior caso as chances de interferência governamental em uma Petrobras privatizada sejam mínimas.