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quarta-feira, 22 de julho de 2020

Um passaporte para a reeleição de Bolsonaro - Valor Econômico

Fernando Exman 


Cenário para aprovação de nova CPMF é desafiador

Está se consolidando um cenário desafiador para o governo discutir com o Congresso a criação de um novo imposto sobre pagamentos. A equipe econômica e os articuladores políticos do Palácio do Planalto terão dificuldades para convencer os parlamentares de que a ideia de reforçar o caixa do governo com uma espécie de nova CPMF, somada a investidas contra o teto de gastos, não tem relação alguma com o projeto do presidente Jair Bolsonaro de se reeleger em 2022. Hoje o diálogo entre os chefes dos Poderes é muito mais fluente do que se via poucas semanas atrás. Há exceções, claro, como a recente desavença entre as Forças Armadas e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em razão da declaração do magistrado sobre a gestão do Ministério da Saúde por militares durante a pandemia. A tentativa da Polícia Federal de entrar no Congresso para vasculhar o gabinete do senador José Serra (PSDB-SP), impedida pelo presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) com o apoio do STF, tampouco contribui para desanuviar ainda mais as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas é evidente que o ambiente institucional serenou. [Notem a contradição = dois pesos, duas medidas:
- quando foi cogitada a possibilidade de um ministro do STF determinar a apreensão do telefone do presidente Jair Bolsonaro, e o general Heleno alertou via nota para o risco de medida tão acintosa, quiseram levar o general para o 'tronco' - o menor adjetivo empregado contra o general foi o de 'golpista.
Agora, imbuído de um espírito conciliador - ausente na maior parte dos ministros do STF, alguns buscando o confronto via provocação  - o ministro Dias Toffoli entendeu conveniente impedir que a Polícia Federal ingressasse no gabinete do senador José Serra e vasculhasse suas dependências.
Medida acertada, não tanto por preservar o senador e sim por sua efetivação representar ofensa a um dos Poderes da União.
A decisão do ministro também alertou o magistrado que havia autorizado as medidas de busca e apreensão, que a apreensão do celular não era adequada para o momento - determinando a suspensão.]

No Congresso, agora o Palácio do Planalto tem uma base de pelo menos 200 integrantes e pode ampliar esse número dependendo do projeto que estiver em discussão. A atual legislatura tem um perfil mais reformista. A falta de credibilidade, contudo, pode ser um obstáculo crescente para o governo conseguir emplacar sua agenda. As relações institucionais são feitas por pessoas e, como em toda interação humana, a desconfiança dificulta a convivência e a realização de um trabalho conjunto. Parte considerável do Congresso não acredita mais totalmente no que é dito por autoridades do Planalto nem por seus representantes no Legislativo. [Em contrapartida, o povo não acredita que os parlamentares estejam do lado dos seus anseios - se estão, se esmeram em que seus atos causem impressão contrária, certeza mesmo.

É conveniente que o presidente Bolsonaro entenda que o a nova CPMF - com qualquer nome - não trará os resultados favoráveis esperados, por ser aplicada em quem paga e em quem recebe, vale o dobro e penaliza os mais pobres = para quem ganha um salário mínimo até os centavos contam e tudo que for comprar terá embutido, no mínimo, 0,4%.
Algo óbvio mas que muitos esquecem = qualquer valor pago, ainda que em percentual que pareça mínimo, tem importância maior para os que ganham menos. 
Quando o perda total majorou o IOF, o diário em centésimos,  pareceu insignificante, só que foi o bastante para tornar desvantajoso usar o cheque especial, mesmo quando o banco concede dez dias sem juros, para não usar a poupança.
Assim, a nova CPMF pode ser o golpe decisivo nos planos de reeleição do presidente - ainda que seja necessária e conveniente ao Brasil e aos brasileiros.
O melhor, ficou para o final: a alíquota poderá ser alterada mediante um simples decreto -modelo do IOF citado.] Acordos são descumpridos. Sinais são trocados entre o discurso e a prática.

A percepção é que o Executivo está cada vez mais dedicado a viabilizar a reeleição de Bolsonaro - uma obsessão do presidente desde os primeiros meses de seu mandato - do que a estabelecer uma agenda comum com o Parlamento. É compreensível, portanto, que os congressistas que não estejam alinhados ao Palácio do Planalto ajam com cada vez mais cautela, antes de encampar as propostas originadas no Executivo. Nessa nova conformação das relações, a intenção de se criar uma nova tributação sobre pagamentos ou transações digitais, uma reedição da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), pode ser uma das principais vítimas.

Bolsonaro, historicamente contrário à CPMF, chegou a demitir um secretário da Receita Federal para evitar que o impopular assunto danificasse sua imagem. Agora tenta reposicionar-se no debate. A argumentação da equipe econômica também está pronta e afiada: a contribuição se faz necessária para reforçar o novo programa de assistência social, o Renda Brasil, e bancar desonerações. Estaria no bojo de uma reforma mais ampla do sistema tributário nacional. No Palácio do Planalto, o que se diz é que a carga tributária não aumentará e que, pelo menos de um ponto de vista, a CPMF seria um imposto relativamente justo: o valor não chegaria a ser um absurdo e paga mais quem faz um maior número de transações financeiras. Em outras palavras, se estão pedindo um sacrifício da população no pós-pandemia, a abnegação maior precisa vir daqueles que possuem mais dinheiro. O governo conta com o respaldo do Centrão e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a qual protagonizou no passado a campanha que ajudou a inviabilizar a prorrogação da CPMF pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas o governo sabe que no Congresso o embate não será fácil. A CPMF ficou estigmatizada. 
A primeira experiência com esse tipo de contribuição foi feita em 1994. 
Dois anos depois, o governo da época retomou a discussão sobre a possibilidade de se direcionar essa arrecadação para a área da saúde. O provisório foi se tornando permanente, até que no fim de 2007 a Câmara dos Deputados aprovou a prorrogação do tributo até 2011, mas o Senado barrou a iniciativa.

O governo Lula ponderava que o fim da CPMF acarretaria numa perda de arrecadação de aproximadamente R$ 40 bilhões em 2008, mas o argumento não sensibilizou o Senado. Apesar de ter sido criada sob a alegação de que seria usada para financiar a saúde, seus recursos sempre foram destinados para outras áreas. A derrota virou uma questão de honra para Lula. O ex-presidente fez de tudo para derrotar nas eleições seguintes os algozes da proposta de prorrogação da CPMF, os quais, por sua vez, passaram a dizer que a votação da manutenção do imposto seria um teste do governo para depois tentar emplacar uma PEC para permitir um terceiro mandato do petista.

Mesmo que essa correlação não tivesse base na realidade, é inegável que a aprovação da prorrogação da CPMF daria um grande fôlego para o governo imprimir sua marca no restante do mandato de Lula às vésperas das eleições seguintes. Beneficiaria tanto Lula quanto seus aliados.Conjectura semelhante pode ser feita agora, com uma grande diferença: o governo atual teria que burlar ou alterar as regras que regem o teto de gastos, a grande âncora fiscal, para poder aumentar despesas ou investimentos. O problema de Bolsonaro é que sinais nesse sentido já estão sendo captados tanto por parlamentares quanto por economistas.

Os opositores de uma nova CPMF insistem que essa contribuição sobre pagamentos é regressiva e punirá os mais pobres. Inevitavelmente, a esquerda tentará retomar a discussão da tributação de grandes fortunas, sob o argumento de que esta sim seria a forma mais justa de reforçar os cofres públicos. No pano de fundo das discussões, no entanto, permanecerão as suspeitas sobre os reais objetivos do governo. A confiança é um produto em escassez na Praça dos Três Poderes.

Fernando Exman, jornalista - Valor Econômico



sexta-feira, 1 de maio de 2020

O abacaxi para descascar - Alon Feuerwerker

FSB Comunicação

Há algo errado num país onde a taxa de mortalidade política dos presidentes eleitos é de estonteantes 50%. Mais de dez vezes a da Covid-19 (e ainda tem a subnotificação). Jair Bolsonaro é o quinto presidente saído da urna desde a volta das eleições diretas para o Palácio do Planalto em 1989, e agora começa a sofrer, como a maioria, o cerco e a tentativa de aniquilamento. Vamos ver como ele se sai. Não que os substitutos estejam imunizados contra o problema. Viram alvo instantaneamente quando sentam na cadeira. O vice de Fernando Collor, Itamar Franco, só escapou da liquidação quando finalmente aceitou ser um presidente decorativo e nomeou Fernando Henrique Cardoso para a Fazenda. Ou primeiro-ministro. Saciou ali a sede de poder dos que sempre querem muito mandar mas só de vez em quando têm os votos para tal.

Para cruzar a correnteza, Michel Temer precisou usar todo o repertório de ás da hoje estigmatizada velha política. Foi ajudado por um fato singular, que Dilma Rousseff não conseguiu manobrar para ela própria: como estava quase todo mundo meio encrencado com a Lava Jato, estabeleceu-se no mundo político um certo espírito de corpo e Temer foi usado de boi de piranha. Para dar tempo de pelos menos um punhado de bois atravessarem.

Qual é então o problema? Algum deve mesmo haver, porque definitivamente os índices brasileiros de perecimento político presidencial não são normais. Uns dirão que o povo não sabe votar bem. Hipótese não verificável. Outros, que o presidencialismo é um sistema bichado. Contra isso, observem-se as dificuldades mundo afora para formar e manter governos estáveis em parlamentarismos onde o bipartidismo colapsou.

O xis da questão é outro. O sistema aqui está organizado para impedir que o presidente da República escolhido pelo povo consiga governar com quem o elegeu. Isso seria possível apenas se o presidente trouxesse com ele, da mesma urna, uma maioria parlamentar. As regras brasileiras forçam exatamente o contrário: desde a Constituinte, nunca um presidente eleito levou à Câmara dos Deputados e ao Senado maiorias orgânicas.

Notem, caro leitor e cara leitora, que quando a opinião pública encasqueta com um governo essa ingovernabilidade potencial é apresentada como algo bom, e o governante que tenta formar base parlamentar é acusado de “comprar votos”. Já quando o governo é, digamos, bem visto, lamenta-se a fragmentação e surgem os apelos pelo aperfeiçoamento da articulação política. E a distribuição de cargos e verbas adquire verniz algo republicano.

Jair Bolsonaro está em xeque principalmente porque 

1) resolveu surfar na conversa de que haveria uma nova política e subestimou a necessidade de sustentação parlamentar e 
2) trouxe para dentro do governo em posições de poder potenciais opositores da reeleição dele em 2022. Ingenuidade. Quer (precisa) corrigir a rota agora em condições mais desfavoráveis, no meio de uma pandemia e com a economia ameaçada de ir a pique.

Um abacaxi não trivial de descascar.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político