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sábado, 26 de maio de 2018

Liminar de Moraes cassa decisões alopradas que permitiam rasgar a Carta e autoriza forças de segurança a liberar estradas e acostamentos

O governo recorreu ao Supremo com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), com pedido de liminar, contra decisões judiciais que, por incrível que pareça, facultavam a caminhoneiros a licença para bloquear estradas.  Havia varias decisões nesse sentido:  em Santa Catarina, Goiás, São Paulo, Rio Grande do Norte, Pernambuco.  Numa decisão correta, impecável, o ministro Alexandre Moraes decidiu, em medida cautelar, que as estradas e acostamentos têm de ser liberados ao livre tráfego. Se os ditos grevistas resistirem, que entrem em ação as polícias e/ou as Forças Armadas. Adicionalmente, haverá a aplicação de multas.

A íntegra do documento está aqui
Trata-se de medida de bom senso. Trata-se de fazer cumprir a Constituição. O direito de greve e de manifestação, por óbvio, não dá a nenhuma categoria carta branca para conduzir o país ao colapso — inclusive ao colapso dos direitos essenciais. Mas, acreditem!, há quem esteja tentando acusar governo e o Supremo de autoritarismo. Quando é que um país entra em desordem econômica? Quando se perde a noção de preços relativos, e, portanto, as relações de troca vão para o diabo. No Brasil, autoridades, jornalistas, analistas, manifestantes, juízes… Boa parte dessa gente perdeu a noção de direitos relativos. Quem dispõe da força, ou julga dela dispor, pretende maximizar a sua reivindicação e impô-la ao conjunto da sociedade. E, nesse caso, quem vai para o diabo são as instituições. É impressionante!

Em sua petição, alega a Advocacia Geral da União, em nome da Presidência da República: Nesse sentido, é preciso ressaltar o compromisso democrático do arguente com a livre expressão e com o direito constitucional de livre associação e reunião, princípios fundamentais da República brasileira. Não obstante, o exercício desses direitos constitucionais não pode inviabilizar a promoção de outros direitos fundamentais de igual estatura, como o direito de propriedade, a livre circulação de pessoas, a dignidade da pessoa humana etc.
As mobilizações mencionadas já ocasionaram e provocarão Insegurança para o trânsito e para a circulação viária nas rodovias, comprometendo a segurança de todos, causando inúmeros prejuízos ao País, limitando o regular trânsito de pessoas, com capacidade de impedir a prestação dos serviços públicos
.”

Em sua decisão, escreve o ministro Alexandre de Moraes: “O direito de greve consagrado pela Constituição Federal, em seu artigo 9º, e o direito de reunião, previsto no artigo 5º, XVI, entretanto, não são absolutos e ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (relatividade ou convivência dos direitos fundamentais), pois as democracias modernas, garantindo a seus cidadãos uma série de direitos fundamentais que os sistemas não democráticos não consagram, pretendem, como lembra Robert Dahl, a paz e a prosperidade da Sociedade como um todo e em harmonia.
Dessa maneira, como os demais Direitos Fundamentais, os direitos de reunião e greve são relativos, não podendo ser exercícios, em uma sociedade democrática, de maneira abusiva e atentatória à proteção dos direitos e liberdades dos demais, as exigências da saúde ou moralidade, da ordem pública, a segurança nacional, a segurança pública, da defesa da ordem e prevenção do crime, e o bem-estar da sociedade (…)

Gastaria de ler uma contestação objetiva ao pedido do governo e aos argumentos do ministro vinda da pena daqueles que discordam desses postulados, que, lembra Moraes, são consagrados em todo o mundo democrático. Li, cheio de espanto, uma “análise” de Eloísa Machado de Almeida, na Folha, segundo quem “o Supremo virou avalista das ações repressivas de Temer”. [submeter uma decisão que implica em ação de comando das Forças Armadas - que estão, conforme a Constituição Federal, sob o Comando Supremo do Presidente da República  - pode parecer uma ação medrosa do presidente Temer, mas, tem lógica.
Afinal, um decreto presidencial, executando ato que constitucionalmente é da competência exclusiva do presidente da República -  foi suspenso por decisão de um juiz de primeiro grau e tal decisão foi referendada pela presidente do STF e Temer aceitou passivamente tão arbitrária agressão a sua competência constitucional (cancelamento de nomeação de ministro);
'gato escaldado tem medo de água fria', diz ditado popular, o que motivou Temer a pedir a benção suprema.] Ela é professora da FGV.

A doutora anui com a decisão exótica de juízes que vinham garantindo a ocupação das estradas. Escreve Eloísa: Para parte dos juízes federais em diferentes regiões do país, a paralisação dos caminhoneiros estaria abrangida pelo direito de manifestação e de greve sem abuso, já que estaria permitida passagens de carros, ambulâncias, garantindo o direito de ir e vir dos cidadãos. Apenas a hipótese de bloqueio total de rodovias caracterizaria um abuso. A liminar dada por Alexandre de Moraes suspende todas as decisões contrárias aos interesses do governo relativas ao protesto.”

Entendi. A partir de agora, temos a chamada “Emenda Eloísa à Constituição da República Federativa do Brasil”. Essa emenda acrescenta ao Artigo 5º da Constituição, que é cláusula pétrea, [o famigerado artigo dos DIREITOS sem a contrapartida dos DEVERES] a definição do que é “direito de ir e vir” e do que “não é abuso numa greve”. Sempre que o trânsito de pessoas, carros e ambulâncias estiver garantido, o direito de ir vir resta exercido — e, então, não há abuso do movimento paredista.
Assim, os caminhoneiros não abusam quando causam o colapso do abastecimento de alimentos; não abusam quando causam o colapso no abastecimento de remédios; não acusam quando causam o colapso no abastecimento de combustíveis; não abusam quando causam o colapso na segurança pública; não abusam quando causam o colapso nos hospitais, impedidos de fazer cirurgias por falta de oxigênio; não abusam quando causam o colapso no ensino, já que as crianças não chegam às escolas, que, por sua vez, acabarão fechadas…
Ou a doutora está brincando ou, no ímpeto de maldizer, um risco que os “analistas” sempre correm, não atentou para a bobagem que está a proclamar.
Ora, o direito de ir e vir não se exaure na possibilidade de um carro particular, ônibus de passageiro ou ambulância varar um bloqueio. E o combustível que garante a mobilidade nas cidades, professora? E os ônibus impedidos de circular por falta de óleo diesel? E os carros que não furarão bloqueio nenhum por falta de combustível, que acabará faltando às ambulâncias?

Seria exercício Massinha I do Direito Constitucional, de que a professora é especialista, demonstrar que o caminhão que obstrui a estrada cassa a totalidade do Artigo 5º da Constituição em nome do suposto direito de greve e mobilização.
Ainda que escreva pelos próximos 50 anos, dificilmente a professora produzirá outro equívoco tão monumental. Ela ainda manda ver: No julgamento sobre a Marcha da Maconha, que interdita a avenida Paulista, o Supremo reconheceu a “legitimidade, sob perspectiva estritamente constitucional, de assembleias, reuniões, marchas, passeatas ou encontros coletivos realizados em espaços públicos (ou privados)”. A greve possui uma disciplina legal mais rigorosa, mas tampouco há um julgamento sobre a abusividade da paralisação.

Com o devido respeito, estamos no terreno da pura besteira. Em nenhum momento a liminar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes contesta o direito à manifestação em espaços públicos. A liminar atende a uma situação de fato: o colapso causado pelos bloqueios, o que cerceia outros direitos. Talvez a professora Eloisa não saiba, mas eu lhe conto: se a paralisação continuar por mais algum tempo, o Rio fica sem água potável porque substâncias que garantem a sua potabilidade são transportadas de caminhão de São Paulo. O que o caos provocado pelos abusos dos caminhoneiros tem a ver com a marcha da turma que esta a fim de fumar um baseado? Feita a dita cuja, tudo volta ao normal — com a possível exceção dos maconheiros, sei lá eu…

Se, no terreno do direito, tal posição é indefensável, no da política, ultrapassa-se a linha do escândalo. Até porque o governo já havia negociado com os líderes grevistas, e um acordo foi celebrado. E estava sendo descumprido, numa greve que tem todas as características de um locaute, o que é proibido por lei, certo, Eloísa?
Quanto ao uso das Forças Armadas, dizer o quê? Desde que se dê nos estritos marcos constitucionais e legais, trata-se apenas, e mais uma vez, de fazer valer a tal Carta Magna, sobre a qual os caminhões tentaram passar. É claro que eu sei que a professora sabe, mas ela decidiu não lembrar em seu texto o que diz o Artigo 142: As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Decidiu o ministro, literalmente: (a) AUTORIZO que sejam tomadas as medidas necessárias e suficientes, a critério das autoridades responsáveis do Poder Executivo Federal e dos Poderes Executivos Estaduais, ao resguardo da ordem no entorno e, principalmente, à segurança dos pedestres, motoristas, passageiros e dos próprios participantes do movimento que porventura venham a se posicionar em locais inapropriados nas rodovias do país;
(b) DEFIRO a aplicação das multas pleiteadas, a partir da concessão da presente decisão, e em relação ao item (iv.b) da petição inicial, estabeleço responsabilidade solidária entre os manifestantes/condutores dos veículos e seu proprietários, sejam pessoas físicas ou jurídicas.
(c) SUSPENDO os efeitos das decisões judiciais que, ao obstarem os pleitos possessórios formulados pela União, impedem a livre circulação de veículos automotores nas rodovias federais e estaduais ocupadas em todo o território nacional, inclusive nos respectivos acostamentos;
(d) SUSPENDO os efeitos das decisões judiciais que impedem a imediata reintegração de posse das rodovias federais e estaduais ocupadas em todo o território nacional, inclusive nos respectivos acostamentos.
Decisão impecável.
Só para especificar: no item b, o ministro diz deferir a aplicação das multas pleiteadas no pedido do governo. Lembro o que está na inicial: “R$ 100.00,00 (cem mil reais) por hora às entidades responsáveis por atos que culminem na indevida ocupação e interdição das vias públicas, inclusive acostamentos, por descumprimento das ordens judiciais deferidas nesta Arguição;
R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia por atos que culminem na indevida ocupação e interdição das vias públicas em questão, inclusive acostamentos, a ser cobrada de cada a ser cobrada de cada manifestante que se recuse a retirar o veículo que esteja obstruindo a via pública ou proprietário do veículo que esteja obstruindo a via pública, por descumprimento das ordens judiciais deferidas nesta Arguição.”

Bem, sempre é possível argumentar que se deve entregar as empresas de transporte de cargas — a verdadeira mão que balança o berço desse bebê-diabo — o controle do país, da Constituição e da civilização. Voto contra. Digo “sim” à liminar de Moraes e, pois, ao correto pedido encaminhado pelo governo.

Blog do Reinaldo Azevedo

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