O governo
recorreu ao Supremo com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental), com pedido de liminar, contra decisões judiciais que, por
incrível que pareça, facultavam a caminhoneiros a licença para bloquear
estradas. Havia varias decisões nesse sentido: em Santa Catarina,
Goiás, São Paulo, Rio Grande do Norte, Pernambuco. Numa decisão
correta, impecável, o ministro Alexandre Moraes decidiu, em medida
cautelar, que as estradas e acostamentos têm de ser liberados ao livre
tráfego. Se os ditos grevistas resistirem, que entrem em ação as
polícias e/ou as Forças Armadas. Adicionalmente, haverá a aplicação de
multas.
A íntegra do documento está aqui
Trata-se
de medida de bom senso. Trata-se de fazer cumprir a Constituição. O
direito de greve e de manifestação, por óbvio, não dá a nenhuma
categoria carta branca para conduzir o país ao colapso — inclusive ao
colapso dos direitos essenciais. Mas, acreditem!, há quem esteja
tentando acusar governo e o Supremo de autoritarismo. Quando é
que um país entra em desordem econômica? Quando se perde a noção de
preços relativos, e, portanto, as relações de troca vão para o diabo. No
Brasil, autoridades, jornalistas, analistas, manifestantes, juízes… Boa
parte dessa gente perdeu a noção de direitos relativos. Quem dispõe da
força, ou julga dela dispor, pretende maximizar a sua reivindicação e
impô-la ao conjunto da sociedade. E, nesse caso, quem vai para o diabo
são as instituições. É impressionante!
Em sua petição, alega a Advocacia Geral da União, em nome da Presidência da República:
Nesse sentido, é preciso
ressaltar o compromisso democrático do arguente com a livre expressão e
com o direito constitucional de livre associação e reunião, princípios
fundamentais da República brasileira. Não obstante, o exercício desses
direitos constitucionais não pode inviabilizar a promoção de outros
direitos fundamentais de igual estatura, como o direito de propriedade, a
livre circulação de pessoas, a dignidade da pessoa humana etc.
As mobilizações mencionadas já ocasionaram e provocarão Insegurança para o trânsito e para a circulação viária nas rodovias, comprometendo a segurança de todos, causando inúmeros prejuízos ao País, limitando o regular trânsito de pessoas, com capacidade de impedir a prestação dos serviços públicos.”
As mobilizações mencionadas já ocasionaram e provocarão Insegurança para o trânsito e para a circulação viária nas rodovias, comprometendo a segurança de todos, causando inúmeros prejuízos ao País, limitando o regular trânsito de pessoas, com capacidade de impedir a prestação dos serviços públicos.”
Em sua decisão, escreve o ministro Alexandre de Moraes:
“O direito de greve
consagrado pela Constituição Federal, em seu artigo 9º, e o direito de
reunião, previsto no artigo 5º, XVI, entretanto, não são absolutos e
ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos
igualmente consagrados pela Carta Magna (relatividade ou convivência dos
direitos fundamentais), pois as democracias modernas, garantindo a seus
cidadãos uma série de direitos fundamentais que os sistemas não
democráticos não consagram, pretendem, como lembra Robert Dahl, a paz e a
prosperidade da Sociedade como um todo e em harmonia.
Dessa maneira, como os demais Direitos Fundamentais, os direitos de reunião e greve são relativos, não podendo ser exercícios, em uma sociedade democrática, de maneira abusiva e atentatória à proteção dos direitos e liberdades dos demais, as exigências da saúde ou moralidade, da ordem pública, a segurança nacional, a segurança pública, da defesa da ordem e prevenção do crime, e o bem-estar da sociedade (…)”
Dessa maneira, como os demais Direitos Fundamentais, os direitos de reunião e greve são relativos, não podendo ser exercícios, em uma sociedade democrática, de maneira abusiva e atentatória à proteção dos direitos e liberdades dos demais, as exigências da saúde ou moralidade, da ordem pública, a segurança nacional, a segurança pública, da defesa da ordem e prevenção do crime, e o bem-estar da sociedade (…)”
Gastaria
de ler uma contestação objetiva ao pedido do governo e aos argumentos do
ministro vinda da pena daqueles que discordam desses postulados, que,
lembra Moraes, são consagrados em todo o mundo democrático. Li, cheio de
espanto, uma “análise” de
Eloísa Machado de Almeida, na Folha, segundo quem “o Supremo virou
avalista das ações repressivas de Temer”. [submeter uma decisão que implica em ação de comando das Forças Armadas - que estão, conforme a Constituição Federal, sob o Comando Supremo do Presidente da República - pode parecer uma ação medrosa do presidente Temer, mas, tem lógica.
Afinal, um decreto presidencial, executando ato que constitucionalmente é da competência exclusiva do presidente da República - foi suspenso por decisão de um juiz de primeiro grau e tal decisão foi referendada pela presidente do STF e Temer aceitou passivamente tão arbitrária agressão a sua competência constitucional (cancelamento de nomeação de ministro);
'gato escaldado tem medo de água fria', diz ditado popular, o que motivou Temer a pedir a benção suprema.] Ela é professora da FGV.
A doutora anui com a decisão exótica de juízes que vinham garantindo a ocupação das estradas. Escreve Eloísa:
“Para parte dos juízes
federais em diferentes regiões do país, a paralisação dos caminhoneiros
estaria abrangida pelo direito de manifestação e de greve sem abuso, já
que estaria permitida passagens de carros, ambulâncias, garantindo o
direito de ir e vir dos cidadãos. Apenas a hipótese de bloqueio total de
rodovias caracterizaria um abuso. A liminar dada por Alexandre de
Moraes suspende todas as decisões contrárias aos interesses do governo
relativas ao protesto.”
Entendi. A
partir de agora, temos a chamada “Emenda Eloísa à Constituição da
República Federativa do Brasil”. Essa emenda acrescenta ao Artigo 5º da
Constituição, que é cláusula pétrea, [o famigerado artigo dos DIREITOS sem a contrapartida dos DEVERES] a definição do que é “direito de ir
e vir” e do que “não é abuso numa greve”. Sempre que o trânsito de
pessoas, carros e ambulâncias estiver garantido, o direito de ir vir
resta exercido — e, então, não há abuso do movimento paredista.
Assim, os caminhoneiros
não abusam quando causam o colapso do abastecimento de alimentos;
não abusam quando causam o colapso no abastecimento de remédios;
não acusam quando causam o colapso no abastecimento de combustíveis;
não abusam quando causam o colapso na segurança pública;
não abusam quando causam o colapso nos hospitais, impedidos de fazer cirurgias por falta de oxigênio;
não abusam quando causam o colapso no ensino, já que as crianças não chegam às escolas, que, por sua vez, acabarão fechadas…
Ou a
doutora está brincando ou, no ímpeto de maldizer, um risco que os
“analistas” sempre correm, não atentou para a bobagem que está a
proclamar.
Ora, o
direito de ir e vir não se exaure na possibilidade de um carro
particular, ônibus de passageiro ou ambulância varar um bloqueio. E o
combustível que garante a mobilidade nas cidades, professora? E os
ônibus impedidos de circular por falta de óleo diesel? E os carros que
não furarão bloqueio nenhum por falta de combustível, que acabará
faltando às ambulâncias?
Seria
exercício Massinha I do Direito Constitucional, de que a professora é
especialista, demonstrar que o caminhão que obstrui a estrada cassa a
totalidade do Artigo 5º da Constituição em nome do suposto direito de
greve e mobilização.
Ainda que
escreva pelos próximos 50 anos, dificilmente a professora produzirá
outro equívoco tão monumental. Ela ainda manda ver:
No julgamento sobre a Marcha
da Maconha, que interdita a avenida Paulista, o Supremo reconheceu a
“legitimidade, sob perspectiva estritamente constitucional, de
assembleias, reuniões, marchas, passeatas ou encontros coletivos
realizados em espaços públicos (ou privados)”. A greve possui uma
disciplina legal mais rigorosa, mas tampouco há um julgamento sobre a
abusividade da paralisação.
Com o
devido respeito, estamos no terreno da pura besteira. Em nenhum momento a
liminar concedida pelo ministro Alexandre de Moraes contesta o direito à
manifestação em espaços públicos. A liminar atende a uma situação de
fato: o colapso causado pelos bloqueios, o que cerceia outros direitos.
Talvez a professora Eloisa não saiba, mas eu lhe conto: se a paralisação
continuar por mais algum tempo, o Rio fica sem água potável porque
substâncias que garantem a sua potabilidade são transportadas de
caminhão de São Paulo. O que o caos provocado pelos abusos dos
caminhoneiros tem a ver com a marcha da turma que esta a fim de fumar um
baseado? Feita a dita cuja, tudo volta ao normal — com a possível
exceção dos maconheiros, sei lá eu…
Se, no
terreno do direito, tal posição é indefensável, no da política,
ultrapassa-se a linha do escândalo. Até porque o governo já havia
negociado com os líderes grevistas, e um acordo foi celebrado. E estava
sendo descumprido, numa greve que tem todas as características de um
locaute, o que é proibido por lei, certo, Eloísa?
Quanto ao
uso das Forças Armadas, dizer o quê? Desde que se dê nos estritos marcos
constitucionais e legais, trata-se apenas, e mais uma vez, de fazer
valer a tal Carta Magna, sobre a qual os caminhões tentaram passar. É
claro que eu sei que a professora sabe, mas ela decidiu não lembrar em
seu texto o que diz o Artigo 142:
“As Forças Armadas,
constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são
instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na
hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da
República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Decidiu o ministro, literalmente:
(a) AUTORIZO que sejam
tomadas as medidas necessárias e suficientes, a critério das autoridades
responsáveis do Poder Executivo Federal e dos Poderes Executivos
Estaduais, ao resguardo da ordem no entorno e, principalmente, à
segurança dos pedestres, motoristas, passageiros e dos próprios
participantes do movimento que porventura venham a se posicionar em
locais inapropriados nas rodovias do país;
(b)
DEFIRO a aplicação das multas pleiteadas, a partir da concessão da
presente decisão, e em relação ao item (iv.b) da petição inicial,
estabeleço responsabilidade solidária entre os manifestantes/condutores
dos veículos e seu proprietários, sejam pessoas físicas ou jurídicas.
(c)
SUSPENDO os efeitos das decisões judiciais que, ao obstarem os pleitos
possessórios formulados pela União, impedem a livre circulação de
veículos automotores nas rodovias federais e estaduais ocupadas em todo o
território nacional, inclusive nos respectivos acostamentos;
(d)
SUSPENDO os efeitos das decisões judiciais que impedem a imediata
reintegração de posse das rodovias federais e estaduais ocupadas em todo
o território nacional, inclusive nos respectivos acostamentos.
Decisão impecável.
Só para
especificar: no item b, o ministro diz deferir a aplicação das multas
pleiteadas no pedido do governo. Lembro o que está na inicial:
“R$ 100.00,00 (cem mil reais)
por hora às entidades responsáveis por atos que culminem na indevida
ocupação e interdição das vias públicas, inclusive acostamentos, por
descumprimento das ordens judiciais deferidas nesta Arguição;
R$
10.000,00 (dez mil reais) por dia por atos que culminem na indevida
ocupação e interdição das vias públicas em questão, inclusive
acostamentos, a ser cobrada de cada a ser cobrada de cada manifestante
que se recuse a retirar o veículo que esteja obstruindo a via pública ou
proprietário do veículo que esteja obstruindo a via pública, por
descumprimento das ordens judiciais deferidas nesta Arguição.”
Bem,
sempre é possível argumentar que se deve entregar as empresas de
transporte de cargas — a verdadeira mão que balança o berço desse
bebê-diabo — o controle do país, da Constituição e da civilização. Voto contra. Digo “sim” à liminar de Moraes e, pois, ao correto pedido encaminhado pelo governo.