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sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Haja covardia- Augusto Nunes

Revista Oeste

Certas manifestações de pusilanimidade exigem mais coragem do que atos de bravura em combate

Alexandre de Moraes | Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O Roda Viva com Orestes Quércia seguia seu curso sem zonas de turbulência visíveis quando, aos 5 minutos do segundo bloco, um dos jornalistas da bancada de entrevistadores escavou mais vincos no rosto, engrossou a voz de tenor e, mirando o alvo no centro da arena simulada, avisou:

— Governador, me permita fazer-lhe uma provocação.

Tensão no estúdio. Murmúrios na plateia de convidados. 
Tempos antes, no mesmo cenário, Quércia se enfurecera com uma pergunta que insinuava seu envolvimento em casos de corrupção, erguera-se da cadeira, trocara insultos com o jornalista Rui Xavier, e por muito pouco o bate-boca não havia desandado em cenas de pugilato. Teríamos agora um segundo bloco ou um segundo round, desta vez envolvendo um ex-assessor de imprensa do Palácio dos Bandeirantes e o antigo chefe?


— Qual é a pergunta? — pediu pressa o apresentador Jorge Escosteguy.

Também incluído na bancada, vi de camarote a edificação do monumento ao surrealismo composto de 24 palavras, duas vírgulas e um ponto de interrogação: — Como é que o senhor se sente ao saber que, segundo todas as pesquisas, é considerado o melhor governador da história de São Paulo?

Quércia precisou de alguns segundos para recuperar a voz bloqueada pelo espanto. Para reprimir a gargalhada, concentrei-me no bilhete manuscrito que foi recebido por meu amigo Escosteguy enquanto o governador ainda replicava a provocação: “Jorge, está provado: certas manifestações de covardia exigem mais coragem que demonstrações de bravura em combate, daquelas que rendem medalhas e condecorações.“

 

Pois o jornalista que alegrou aquele Roda Viva transmitido nos anos 1980 não iria além do posto de estafeta caso estivesse alistado no exército de soldados da imprensa que há mais de quatro anos vem reiterando diariamente que não há limites para a audácia que nasce da pusilanimidade. Haja covardia. 
Daqui a muitos anos, confrontados com as primeiras páginas dos jornais que sucumbiram ao estrabismo dos poltrões, historiadores interessados no resgate da terceira década do século 21 encontrarão um país em plena normalidade institucional. O Brasil do consórcio da imprensa não tem nada de estranho. 
 
Sim, houve uma epidemia de bolsonarismo, ramificação ultradireitista do fascismo. 
Mas esses inimigos da democracia foram derrotados por uma frente liderada pela Corte Suprema e pela Justiça Eleitoral, ambas comandadas pelo superministro Alexandre de Moraes. 
A ira que lhe despertam atos antidemocráticos, fake news, gabinetes do ódio e outros crimes hediondos é tamanha que nosso general de toga não hesita em revogar mesmo cláusulas pétreas da Constituição para garantir a saúde do Estado de Direito. 
 
Jornalistas que sempre souberam reconhecer a face horrível da censura, fossem quais fossem o codinome e o disfarce do momento, agora acham inadiável a “regulamentação” da internet.  
Advogados engolem sem engasgos inquéritos secretos, que dinamitam o princípio do contraditório, o direito de ampla defesa e o devido processo legal. 
O Ministério Público primeiro fingiu ignorar que cumpre à instituição a abertura de inquéritos, salvo em casos excepcionalíssimos. 
Depois, passou a assistir com passividade bovina à desmoralização sistemática do sistema acusatório brasileiro. 
Nesta semana, os comandantes das entidades agredidas com particular virulência pelo ativismo judicial resolveram juntar-se ostensivamente à marcha da insensatez, para torná-la mais veloz e mais brutal.

O acordo exige que os que nada fizeram de errado assumam a autoria de pecados inexistentes para saírem da mira dos modernos capitães do mato

Previsivelmente, o consórcio da imprensa escondeu a vilania que anexou 17 de agosto ao balaio cada vez mais volumoso dos dias da infâmia. Encampando uma sugestão da Ordem dos Advogados do Brasil, a Procuradoria-Geral da República propôs ao STF a celebração de “acordos de não persecução penal” com 1.156 brasileiros presos em 9 de janeiro deste ano, um dia depois das manifestações em Brasília que incluíram a invasão das sedes dos Três Poderes. 

No documento encaminhado ao onipresente Moraes, o subprocurador Carlos Frederico Santos reconhece que as investigações promovidas de lá para cá não colheram uma única e escassa prova de que algum integrante dessa multidão teve “participação pessoal e direta nesses ataques”.

Se é assim, o que esperam os carcereiros compulsivos para libertar imediatamente essa vastidão de réus sem culpa, sem miudezas protelatórias, se possível com um pedido de desculpas?  
Esperam que confessem ter cometido o crime que não cometeram. Sim, é isso mesmo: o acordo exige que os que nada fizeram de errado assumam a autoria de pecados inexistentes para saírem da mira dos modernos capitães do mato. 
Nada menos que isso. É preciso que um inocente se declare criminoso para ficar livre da “persecução penal”.  
Podem chamá-la de “perseguição” que ela atende, quase sempre em forma de tornozeleira. 
Caberá a Moraes autorizar ou não essa tentativa de eternizar o medo paralisante.
 
Como sempre, há alguma lógica por trás do que parece apenas loucura. Punir inocentes com longas temporadas na cadeia é um tipo de abuso judicial que raramente escapa de corretivos. 
Prisões claramente imorais, ilegais e inconstitucionais costumam resultar em indenizações de bom tamanho, pagas pelo Estado brasileiro com o dinheiro dos impostos. 
Qualquer que seja o valor estabelecido, nenhuma quantia poderá pagar um dia numa cela, uma semana de imersão na incerteza solitária, um mês sem o oxigênio da liberdade. 
É um tempo perdido para sempre, é uma parte da vida que não se recupera. Mas quem provocou tais perdas irreparáveis não se livra de danos. 
Os jornalistas que fingem enxergar um magistrado durão em combate pela democracia sabem que têm a um palmo do nariz um autoritário sem cura. 
Quem é incapaz de ver os defeitos que tem não é — jamais será — um juiz de verdade. 
É apenas mais um braço provisório do arbítrio. Acaba invariavelmente algemado pelos fatos.


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 Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste