Foi o presidente da Casa, Renan Calheiros, quem primeiro classificou
assim. O julgamento do impeachment ocorreu em um “hospício” na sua visão
nada edulcorada do ambiente que comanda. O bate-boca de senadores,
questões de ordem e empurrões, de lá e de cá, decerto mandaram para as
calendas ritos e princípios. O Congresso dos últimos tempos virou um
azougue. De saída na Câmara dos Deputados o show de fanfarras corou de
vergonha até os mais desavisados. Se esperava que nada parecido voltasse
a acontecer, mas eis que o Senado tratou de dar a sua estridente
contribuição, fazendo jus à fama.
É de se perguntar como a reconciliação
política, necessária e prometida, pode se dar nesse ambiente? Quem viu
ali os gritos de guerra e espetaculosas mensagens elaboradas com zelo
para as câmeras de TV e cinema não pode mesmo acreditar nem mais um
milímetro na capacidade da instituição contribuir para a reconstrução
nacional, fazendo andar pautas vitais. A não ser que daqui por diante
mude tudo. O ex-governador e senador, Roberto Requião, deu o tom da
beligerância: “Estão preparados para a guerra civil? Não?
Entrincheirem-se então, pois o conflito será inevitável”.
Não se
consegue enxergar o equilíbrio pretendido a autoridades em
circunstâncias como essa. Os mais sensatos tentam, no entanto, colocar
algum deságio nas ameaças. Tudo não passaria de jogo de cena, dizem.
Diante dos holofotes o barulho da resistência. Nos bastidores, o sorriso
e tapinha nas costas de velhos camaradas de arranjos e conchavos.
Renan, o líder do rebanho, por exemplo, rasgou o verbo contra a senadora
petista Gleisi Hoffman para depois, na mesma noite, ao fim da sessão,
dividir com ela algumas garrafas de vinho durante o jantar, alegando que
no Senado “as pessoas se xingam e se agridem de forma mais civilizada”.
Políticos de carteirinha são mesmo pessoas diferenciadas. Talvez pelos
seus caminhos tortos possam até resgatar alguma esperança dos eleitores,
caso recobrem o juízo e ajudem o Brasil a entrar no trilho.
Mas o que dizer do derradeiro e calamitoso ato tomado por esses senhores
que decidiram não cassar os direitos políticos da presidente deposta,
Dilma Rousseff? Entenda-se o tamanho da barafunda em que se meteram: no
entender da esmagadora maioria dos juristas, a deposição de cargo
público e a inabilitação para exercê-lo logo adiante são itens
inseparáveis no capítulo constitucional. Os parlamentares resolveram o
contrário. O precedente rasga a Carta Magna e, mais grave, foi tomado de
supetão como novidade na lei, acertado ali de última hora, sem maiores
debates. O que é isso? Só mesmo uma política Macunaíma como a nossa para
comportar tamanha excrescência.
A situação ficou tão surreal que caso a
agora ex-presidente concorra a cargo eletivo ou de nomeação poderá,
dado que foi condenada por crime de responsabilidade, ser enquadrada na
Lei da Ficha Limpa. O que irá prevalecer? E mais uma dúvida se
apresenta: a regra improvisada, fruto como de hábito do “toma lá, dá cá”
e de interesses pessoais, vale para todo mundo ou só para alguns? A
jurisprudência caiu como uma luva nos planos de senadores e deputados
encrencados com processos, vários deles alvos inclusive da Lava-Jato.
Consagrou-se no episódio outra demonstração do corporativismo escrachado
desses senhores. A partir daqui eles terão em mãos a porta de entrada
para o retorno rápido aos postos dos quais porventura e malfeitos venham
a ser defenestrados.
Cassados irão às urnas atrás de aval para um novo
mandato e voltarão por dominar, na maioria dos casos, o voto de cabresto
em seus currais eleitorais. A não inelegibilidade desponta como um
salvo-conduto com o qual eles seguirão nas práticas deletérias. À luz
dos fatos, o princípio do exílio político virou pó e quem estiver
prestes a cair nas garras da justiça poderá se aboletar num posto
público, a convite de correligionários, para ganhar fórum privilegiado e
assim escapar de investigações em primeira instância, tal qual tentou
armar a ex-mandatária Dilma com o seu padrinho político, Lula,
nomeando-o para o ministério em um intento fracassado devido à força da
lei que prevalecia à época. De uma maneira ou de outra, o Congresso
incorporou a marca de uma casa de tolerância onde tudo é permitido, nada
é condenado, aos deputados e senadores – desde que haja entendimento
entre eles para tanto. Nos dias de votação do impeachment se viu ali
(salva honrosas exceções) personagens mais atentos em salvar a própria
pele do que ligados aos anseios da Nação. Esses procuraram, de quebra,
garantir (por que não?) algum naco de fama. Afinal vivem, como bem
pontuou Renan, em um hospício.
Fonte: Editorial - Isto É
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domingo, 4 de setembro de 2016
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