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sábado, 9 de dezembro de 2023

Murro em ponta de faca: enfrentando o superpoder judicial - Roberto Motta

Revista Oeste

A Suprema Corte é chamada de suprema apenas porque é a Corte mais alta do Poder Judiciário. O adjetivo 'suprema' não significa que ela está acima dos outros Poderes

Deusa Têmis é a deusa da justiça, da lei e da ordem, protetora dos oprimidos | Foto: Shutterstock
É tentador dizer que juízes não podem fazer políticas públicas e que essas políticas só podem ser feitas por representantes eleitos. Mas é preciso resistir a essa tentação porque ela está em conflito com a realidade.

Há fartura de evidências.

No excelente livro As Escolhas que os Juízes Fazem, Jack Knight e Lee Epstein mostram como os magistradosque, nos casos examinados no livro, são os juízes da Suprema Corte norte-americana sempre tentaram, e continuam tentando, transformar suas opiniões em política pública.

Como eles fazem isso?
Convertendo decisões judiciais em jurisprudência, ou seja, em precedentes que determinam a direção a ser seguida por todos os tribunais que analisarem questões semelhantes no futuro.

Esse é um poder muito maior do que o poder que o Congresso Nacional tem de simplesmente aprovar uma lei. 
A formulação de jurisprudência em um nível judicial elevado — um nível supremo — não tem apenas a capacidade de regular a aplicação das leis na sociedade, mas também a possibilidade de “criar” novas leis, que nunca foram escritas ou votadas pelo Congresso.

É um superpoder. Seu único limite é a autocontenção. Não adianta dar murro em ponta de faca. É inútil protestar dizendo que juízes — ou ministros — não podem exercer um poder que eles obviamente têm e exercem.

A estratégia precisa ser outra.

A única maneira de mudar ou reverter políticas públicas criadas através de ativismo judicial (que hoje, no Brasil, é impulsionado majoritariamente pela ideologia de esquerda) é apressar a chegada do dia em que magistrados com uma mentalidade diferente — uma mentalidade conservadora ou liberal, uma mentalidade de direita — serão nomeados para as cortes superiores e irão tomar decisões melhores.

O equilíbrio entre os Três Poderes da República sofre reajustes contínuos. Os Estados Unidos são o melhor exemplo disso. Ao longo de sua história os norte-americanos assistiram a inúmeras disputas entre o Executivo e o Legislativo de um lado, e a Suprema Corte de outro. A tensão entre o recém-eleito presidente Franklin Roosevelt e a Suprema Corte, então conservadora, é um exemplo famoso. Ao longo de seus quatro mandatos, Roosevelt, através de nomeações de juízes progressistas, mudaria totalmente o perfil da Corte.
Outro exemplo foi a recusa do presidente Abraham Lincoln de honrar a decisão da Suprema Corte no caso Dred Scott versus Sandford, em 1857. A Corte tinha afirmado que escravos não eram cidadãos americanos. Lincoln ignorou a decisão e determinou que o governo federal continuasse a emitir passaportes e a tratar todos eles como cidadãos.

Declarações como essas dos pais fundadores dos Estados Unidos demonstram que eles nunca pensaram na Suprema Corte como um órgão que teria a última palavra sobre a Constituição. Em seu discurso de posse, Lincoln questionou a legitimidade da Suprema Corte para tomar decisões que entrassem em conflito com o desejo popular, expresso através de seus representantes eleitos: “[…] o cidadão sincero deve confessar que, se a política do governo sobre questões vitais que afetam todo o povo deve ser irrevogavelmente determinada por decisões da Suprema Corte, no instante em que são tomadas em litígio ordinário entre as partes em ações pessoais, o povo terá deixado de ser seu próprio governante e terá entregado o poder de governar nas mãos desse eminente tribunal.“

Lincoln estava seguindo a mesma linha de pensamento de Thomas Jefferson, um dos pais fundadores dos Estados Unidos e autor da Declaração de Independência. Jefferson disse: “A Constituição não erigiu um tal tribunal único, sabendo que a quaisquer mãos que o confiassem, com as corrupções do tempo e do partido, seus membros se tornariam déspotas. Ela, mais sabiamente, tornou todos os departamentos iguais e cossoberanos dentro de si.

Se a legislatura deixar de aprovar leis para um censo, para pagar os juízes e outros funcionários do governo, para estabelecer um exército, para naturalização conforme prescrito pela Constituição, ou se os parlamentares não se reunirem no Congresso, os juízes não poderão emitir suas decisões para eles; se o presidente deixar de nomear um juiz, de nomear outros oficiais civis e militares, de emitir as comissões necessárias, os juízes não poderão obrigá-lo.”


Declarações como essas dos pais fundadores dos Estados Unidos demonstram que eles nunca pensaram na Suprema Corte como um órgão que teria a última palavra sobre a Constituição. No modelo conceitual de uma república, nenhum dos Três Poderes é superior a outro.

A Suprema Corte é chamada de suprema apenas porque é a corte mais alta do Poder Judiciário. O adjetivo “suprema” não significa que ela está acima dos outros Poderes.  A Suprema Corte pode tomar uma decisão e essa decisão ser posteriormente afetada por uma nova lei ou emenda constitucional aprovada pelo Congresso.

Futuros juízes também podem revisar e até anular decisões tomadas pela Corte no passado. Foi exatamente isso que aconteceu nos Estados Unidos, em 2022, quando a atual Suprema Corte — conservadora — anulou a decisão da própria Suprema Corte — então progressista — tomada em 1973, que declarava a existência de um direito constitucional ao aborto.

A escolha desses futuros juízes é tão importante quanto as escolhas feitas pelo eleitor através do voto.

Leia também “Os apóstolos do apocalipse”
 
 

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

As duas faces de Dias Toffoli

Decisão de Toffoli sobre Lula contradiz votos do passado

 Em 7 de maio de 2018, um mês depois de Lula ser preso pela Lava-Jato, estava em julgamento no Supremo um pedido da defesa para que o ex-presidente fosse solto.
 
AJUDA - Toffoli: ida para a Segunda Turma atenuou constrangimentos

 AJUDA - Toffoli: ida para a Segunda Turma atenuou constrangimentos (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Como votou o ministro Dias Toffoli?

Contra a liberdade de Lula, que o havia indicado para o cargo de ministro do Supremo. 
O que parecia independência na verdade é hoje um voto do qual o ministro precisa explicar.

Nesta quarta, 6 de setembro, pouco mais de cinco anos depois, o ministro afirmou que a prisão de Lula foi um dos maiores erros jurídicos da História – uma “armação”.

“Se utilizou um cover-up de combate à corrupção, com o intuito de levar um líder político às grades, com parcialidade e, em conluio, forjando-se ‘provas’”, afirma Toffoli na decisão que anulou provas produzidas pela Odebrecht.

A questão é o ministro conciliar tudo isso com o seu passado em vários votos e decisões. 
Foi Toffoli quem, ao fim, negou o direito de Lula ir ao velório do irmão Vavá
Se a prisão foi uma armação ou um erro, como explicar uma decisão passada como essa? 
Estava sendo enganado?

Além de “revelar” a existência de uma conspiração de agentes públicos com um projeto de poder, o ministro precisa também pacificar a sua própria jurisprudência.

Blog Matheus Leitão - Revista VEJA

 

domingo, 11 de junho de 2023

STF põe fim ao crime de corrupção no Brasil com ‘descondenação’ - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

Mais interessante que tudo, para os ladrões, é a jurisprudência criada pela Justiça: se roubar era lícito ontem, também tem de ser lícito hoje ou amanhã

O Brasil dos três últimos anos, ou pouco mais que isso, transformou-se decididamente num assombro. 
Poucos países do mundo têm uma vida pública tão corrupta – não porque alguém acha que é assim, mas pelo espetacular acúmulo de provas materiais da corrupção que foi praticada. É como uma fotografia de alta resolução, que mesmo as nações mais experientes e bem equipadas no combate ao roubo do erário teriam dificuldade de obter.
 
Há confissões dos corruptos, ativos e passivos, feitas com a assistência de seus advogados.  
Há delações entre eles, em cima de fatos comprovados. 
Há, mais do que tudo, a devolução voluntária de dinheiro roubado por parte dos acusados. 
É coisa jamais vista antes, em matéria de prova: quem devolveria milhões que não roubou? 
 Mas com tudo isso, e mais ainda, não há no Brasil um único preso por corrupção – salvo em algum caso de bala perdida com um ou outro infeliz da arraia miúda. Ou seja: tecnicamente o Brasil é um país sem nenhum corrupto. Sensacional, não é?
Quem deixou as coisas assim foi o sistema Judiciário brasileiro – nosso STF, seguido naturalmente pelo resto da máquina judicial, eliminou a corrupção no Brasil eliminando as condenações dos corruptos. 
O passo inicial desta nova era foi o veto às prisões de condenados em segunda instância; seu efeito principal foi tirar o presidente Lula da cadeia, onde cumpria pena pela prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. 
A partir daí, derrubaram todas as comportas. 
As ações penais contra Lula foram anuladas, com a estreia da “descondenação” no direito brasileiro.
 
A Operação Lava Jato foi eliminada com uma explosão nuclear; não sobrou, ali, nenhuma forma de vida. 
Um a um, os condenados por corrupção foram sendo absolvidos e soltos da prisão – mesmo réus confessos com 400 anos de cadeia nas costas, como o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. 
Virou uma espécie de princípio jurídico. O sujeito é acusado de corrupção? Então está automaticamente absolvido na Justiça brasileirae caso já tenha sido condenado, a condenação não vale mais.

Ultimamente o Ministério Público se juntou a esse esforço nacional para eliminar os crimes de ladroagem inventou a “desistência” da acusação, novidade pela qual o promotor denuncia o ladrão, mas depois diz ao juiz que não quer denunciar mais. É a “desdenúncia”. 

Mais interessante que tudo, para os ladrões, é a jurisprudência criada pela Justiça: se roubar era lícito ontem, também tem de ser lícito hoje ou amanhã. 
Que juiz ou promotor vai ser louco de levar adiante uma ação penal contra Lula, ou quem tenha a sua bênção? 
Corre o risco de ser preso no ato.

J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S.Paulo


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

A lei penal no Brasil privilegia o criminoso e Moro faz bem em tentar mudá-la - Gazeta do Povo

J. R. Guzzo - VOZES

O senador Sergio Moro, do Paraná, começou bem o seu primeiro mandato – conseguiu, logo na sua ação inicial como parlamentar, os 27 votos necessários para reabrir a discussão sobre o restabelecimento da prisão de criminosos condenados em segunda instância. 
Há, naturalmente, um imenso caminho pela frente, e nenhuma garantia de que o esforço do senador e de seus colegas consiga devolver à população brasileira a proteção contra o crime que lhe foi retirada quando o STF mudou a lei que regulava essa questão.  
Mas é positivo que haja no Senado pelo menos uma tentativa de melhorar minimamente a segurança do cidadão – e, enfim, aprovar alguma lei, pelo menos uma que seja, contra a impunidade descontrolada do crime e dos criminosos no Brasil. 
Há trinta anos, de maneira sistemática, toda a legislação de natureza penal aprovada pelo Congresso vem favorecendo abertamente o crime, incluindo o crime mais violento. O resultado não poderia ser outro. O Brasil é hoje um dos países do mundo onde a população vive sob o pior tipo de opressão por parte dos criminosos.
 
Lei sobre lei, nessas três décadas, o Congresso vem entregando mais direitos a quem viola o Código Penal. Em cima disso, para piorar tudo ainda mais, o STF e os tribunais superiores tomam, de modo também sistemático, decisões e formam jurisprudência a favor dos criminososde maneira que tornou-se praticamente impossível, no Brasil de hoje, alguém que tenha dinheiro e a possibilidade de contratar um advogado fique preso por qualquer tipo de crime. As “audiências de custódiacolocam em liberdade ladrões, assassinos ou estupradores presos em flagrante
Criminosos de todos os tipos são beneficiados pelas “saidinhas”, aberração que não existe em nenhum país sério do mundo – inclusive, no “Dia dos Pais”, presos que mataram os próprios pais
A ação da polícia é cada vez mais sabotada; seus helicópteros estão proibidos de sobrevoar as favelas do Rio de Janeiro, por exemplo, e ainda outro dia o STF estabeleceu que policiais podem ser responsabilizados por todas as balas disparadas contra bandidos, mesmo quando a perícia é inconclusiva sobre a sua origem. 
Policiais são vigiados por câmeras integradas aos seus uniformes de trabalho. O governo fala, agora, em “desencarceramento”. A lista não acaba mais.
 
A mão que ajuda o homicida é a mesma que ajuda o corrupto. É claro. Toda a legislação pró-crime é escrita por advogados criminalistas, que têm clientes dos dois tipos e pressionam o Congresso para aprovar tudo aquilo que disponibilize mais recursos para a defesa – e, em consequência, para a cobrança de honorários. 
A impunidade serve a todos: se para proteger o ladrão do Erário for preciso defender também o assaltante, o problema é de quem é roubado pelos dois. 
Como levar a sério o sistema de justiça de um país em que o ex-governador Sérgio Cabral, condenado a 400 anos de cadeia por corrupção, esteja solto – embora não tenha sido absolvido de nenhum dos crimes que o levaram a cadeia? [exemplo mais flagrante: tem um que foi condenado a vários anos de cadeia, não foi absolvido, foi apenas descondenado, e atualmente é o presidente da República!!!
O mais desanimador é que a Lei Penal só retroage para beneficiar o criminoso; portanto, caso Moro consiga êxito no seu intento, o endurecimento só se aplicará aos crimes cometidos após a leis serem aprovadas.] O movimento multiuso desfechado nos últimos anos para proteger corruptos e garantir a retomada da corrupção, na verdade, tornou-se a principal força na vida política do Brasil de hoje. 
Sua estrela-guia é a guerra contra a Operação Lava Jato, o maior trabalho de combate à corrupção jamais feito na história nacional. É por isso que o Diretório Nacional do PT chama o senador Sergio Moro de “chefe de quadrilha”.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

J.R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


domingo, 15 de janeiro de 2023

Tachar ataques aos Poderes como terrorismo é perigoso, diz especialista em legislação brasileira - O Estado de S. Paulo

ENTREVISTA COM Guilherme France Pesquisador, autor do livro "As Origens da Lei Antiterrorismo no Brasil"
 
Guilherme France vê riscos no uso do termo por autoridades e defende expressões como golpistas, fascistas e vândalos

O especialista defende o uso de definições como “vândalos, golpistas ou fascistas” para classificar os bolsonaristas que atacaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. E rechaça qualquer reforma da lei. Isso abriria o debate em um Congresso mais conservador e, em grande parte, pró-Jair Bolsonaro, diz.

Os bolsonaristas que invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes podem ser considerados terroristas?
Terrorismo é conceito político e jurídico amplamente contestado por ser passível de apropriações e interpretações diversas ao sabor do momento. Mas a legislação não permite que os atos de domingo sejam considerados terroristas. Juridicamente, não se aplica.
Atos feitos por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro na praça dos Três Poderes, em Brasília, no domingo, 8. Especialista entrevistado pelo 'Estadão' diz que a legislação não permite que os atos sejam considerados terroristas
Atos feitos por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro na praça dos Três Poderes, em Brasília, no domingo, 8. Especialista entrevistado pelo 'Estadão' diz que a legislação não permite que os atos sejam considerados terroristas Foto: André Borges/EFE
Por que não?
A lei antiterrorismo, 13.260/2016, exige que três requisitos estejam necessariamente presentes. O primeiro é a finalidade de provocar terror social generalizado, expondo a perigo integridade de pessoas e patrimônio. Isso aconteceu. O segundo é que os atos tenham atentado contra a vida ou determinadas instalações, o que também houve e pode ficar ainda mais evidente se comprovada a derrubada de torres de transmissão de energia no Paraná e em Rondônia. Mas o terceiro requisito, que os atos sejam motivados por xenofobia ou discriminação de raça, cor, etnia ou religião, não estava presente. A motivação foi político-ideológica.

Os extremistas têm apoiado sua defesa na Lei Antiterror.
O fato de não se enquadrar legalmente como terrorismo não impede, de forma alguma, a responsabilização daqueles indivíduos por ataques ao estado democrático de direito e dano ao patrimônio público, para ficar em só dois crimes de uma lista longa.

O uso do termo por Alexandre de Moraes indica que o STF pode ampliar o entendimento sobre terrorismo?
É difícil prever o que o STF vai fazer. Em outras ocasiões, o tribunal já teve uma interpretação extensiva do direito penal. Então, não seria de todo surpreendente que o Supremo ou outros juízes ampliassem. [em nossa opinião, de leigos, uma interpretação extensiva, não conseguiria tornar presentes os três requisitos impostos pela Lei antiterrorismo. Por mais criativa que fosse tal interpretação,seria facilmente contestada.] 
 
Como vê a possibilidade?

Seria problemático. Sobretudo porque, à época, a exclusão da motivação político-ideológica foi decisão alcançada por parlamentares e considerada vitória dos movimentos sociais. Desvirtuar a lei pode gerar jurisprudência que, à frente, pode ser usada contra esses movimentos.O fato de não se enquadrar legalmente como terrorismo não impede, de forma alguma, a responsabilização daqueles indivíduos por ataques ao estado democrático de direito e dano ao patrimônio público

Como avalia uma revisão pelo próprio Congresso?
Absolutamente temerária. Qualquer proposta de reforma da lei antiterrorismo tem de levar em consideração a atual composição do Congresso conservadora e punitivista. Não custa lembrar que o bolsonarismo foi vitorioso no Legislativo.

Autoridades deveriam parar de usar o termo terrorismo?
Essa mistura dos vieses político e jurídico do termo é perigosa. Existem outras terminologias que podem ser usadas para manifestar repúdio: golpistas, fascistas, vândalos, antidemocráticos.

Política - O Estado de S. Paulo


sábado, 1 de outubro de 2022

A nova ordem jurídica, por dom Luís Barroso I - Gazeta do Povo

Vozes - Jean Marques Regina

Caso Renato Freitas [vereador que comandou invasão, profanação, a uma Igreja Católica.]

23 de setembro de 2022: a data em que foi assinada a decisão monocrática, em sede liminar, devolvendo o mandato parlamentar do vereador Renato Freitas (PT), cassado por seus pares em Curitiba. Assina Luís Roberto Barroso, o relator. 
Podia ser mais uma decisão no STF, de tantas que são assinadas e publicadas diariamente. Mas esta decisão é diferente.

Em 5 de fevereiro de 2022, enquanto ocorria uma missa na igreja católica Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, Freitas liderou um movimento popular às portas e, depois do fim da celebração, dentro da nave do templo. Motivo: protestar contra dois homicídios de grande comoção nacional, nos quais foram vítimas o congolês Moïse Mugenyi, espancado até a morte em quiosque de praia, e Durval Teófilo Filho, morto por seu vizinho ao ser supostamente “confundido com assaltante”. A causa do protesto é justa e importante. Na coleção dos maiores erros da humanidade está o racismo, e devemos sempre lutar contra ele.[importante destacar: os autores do espancamento do congolês eram afrodescendentes e o mesma condição ocorreu no caso do cidadão, afrodescendente, que foi confundido com assaltante por seu vizinho = também afrodescendente, fato que ocorreu em área perigosa e com péssimas condições de iluminação.]

O vereador, porém, escolheu a porta e o interior de uma igreja para seu protesto. Segundo o ministro Barroso, a Igreja do Rosário foi escolhida justamente por ter sido construída para acolher e abrigar a fé da população negra escravizada, que não podia frequentar as outras igrejas da cidade.
Para devolver o mandato a Renato Freitas, Barroso mudou seu entendimento sobre a aplicação da Súmula Vinculante 46


Tal conduta foi denunciada na Câmara Municipal, resultando em sua cassação por quebra de decoro parlamentar, visto que seu ato causou grande comoção negativa entre religiosos da comunidade curitibana e do Brasil inteiro, enquadrando-se nos dispositivos legais previstos no Código de Ética e Regimento Interno da Câmara. O Decreto Federal 201/67, que trata dos crimes de responsabilidade do prefeito, denomina a conduta como “infração político-administrativa”, conforme seu artigo 4.º, X.

Insatisfeito, o cassado entrou na Justiça e teve seu pedido liminar de reintegração à Câmara negado pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Ato seguinte, ingressou com a Reclamação Constitucional 55987/PR, que resultou na impensável decisão ora comentada.

É um lugar comum que as decisões judiciais são feitas de precedentes. Os norte-americanos os chamam de leading case; os brasileiros, de “jurisprudência”. A partir daí, as demais decisões são quase um “copia e cola” para as razões de provimento ou improvimento, observadas as peculiaridades de cada caso, quando necessário. Não poderia ser diferente. Milhares de casos de um país continental desaguam no STF, que tem competência para julgar quase tudo que acontece no Brasil, visto que, na visão do recorrente, sempre existe uma afronta constitucional sobre a qual o Supremo tem de se manifestar. Assim acontece nas Reclamações Constitucionais. Mas que tipo de recurso é esse?

 
Veja Também:O que acontece com os invasores de igreja? Depende de todos

Invasão no templo, capítulo 2: crime e castigo

A religião é um perigo para a democracia?


O STF, além da jurisprudência, possui o sistema de súmula vinculante, criado pela Emenda Constitucional 45, que, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, permite ao STF aprovar súmula que terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, nos termos do artigo 103-A da Constituição. Assim, o § 3.º do mesmo artigo prevê: “Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”. Sempre que uma decisão judicial violar diretamente uma súmula vinculante do STF, a parte lesada poderá ingressar diretamente no Supremo para cassar tal decisão. Foi isso que o vereador Renato Freitas tentou e conseguiu, em sede liminar.

Aqui pedimos licença ao leitor para usar um pouco do terrível “juridiquês”. O problema é que o STF desenvolveu o conceito de “aderência estrita” para admitir o ingresso de uma Reclamação Constitucional. “Aderência estrita” significa que o ato impugnado, objeto da Reclamação, deve ser exatamente igual à súmula vinculante paradigma. No caso, a Súmula Vinculante 46 diz que “a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União”. Isto é, apenas as hipóteses referentes aos crimes de responsabilidade são de competência privativa da União; nas demais não, os municípios podem legislar.

É o que está escrito e o STF tem entendido assim. Todos os casos envolvendo municípios em que os prefeitos são julgados por crimes de responsabilidade devem seguir o rito do Decreto 201/67, ou seja, da lei federal. Os casos de infração político-administrativa, que não são crimes, podem ser regulados de forma diferente pelo município. Encontramos diversos precedentes nesse sentido, inclusive muitos da caneta do próprio ministro Barroso: é o caso das Reclamações 42.923/MG (de 4 de setembro de 2020), 43.183/RJ (de 14 de setembro de 2020), 47.189/PR (de 15 de maio de 2021), 39.776/GO (de 25 de março de 2020), 42.728/SP (de 18 de agosto de 2020), 42.489/SP (de 1.º de setembro de 2020) e 42.471 (de 4 de setembro de 2020). E o próprio ministro Barroso cita precedentes de seus colegas no mesmo sentido na Reclamação 47.189/PR: “14. Nesse sentido, são os seguintes precedentes do STF: Rcl 38.746, Rel. Min. Alexandre de Moraes; Rcl 31.759, Relª.. Minª. Cármen Lúcia; Rcl 29.264, Rel. Min. Marco Aurélio; Rcl 27.896, Rcl Min. Alexandre de Moraes”. Enfim, as referências são muitas e haveria ainda mais delas a citar.

    Em razão de um “contexto de especial relevância constitucional” é possível separar um processo dos demais e julgá-lo de forma diferente? Certamente que não

Sorteamos aqui uma dessas decisões para colacionar o pensamento do ministro Barroso sobre “aderência estrita” em casos envolvendo a cassação de vereadores por infração político-administrativa: “O conhecimento da reclamação também exige estrita aderência entre o ato impugnado e o paradigma supostamente violado”. E continua: “A situação dos autos, no entanto, refere-se a processo de cassação por denúncia de prática de ato vexatório ou indigno capaz de comprometer a dignidade do Poder Legislativo municipal, infração prevista no art. 89, VI do Regimento Interno da Câmara Municipal de São Miguel do Iguaçu”, para, ao fim, concluir: “Essa hipótese não está abrangida pelo paradigma invocado na presente reclamação, que se limita a afastar a competência dos estados e municípios para editar atos normativos, tanto de direito substantivo ou adjetivo, relacionados a crimes de responsabilidade (...) Diante do exposto, com fundamento no art. 21, § 1.º, do RI/STF, nego seguimento à reclamação, ficando prejudicado o pedido liminar”.

Quem assina é Luís Roberto Barroso, que cita, também nessa decisão, diversos precedentes. Ou seja, se a cassação se deu por infração político-administrativa, não há afronta à Súmula Vinculante 46; logo, o caso não interessa ao STF. Mas para devolver o mandato a Renato Freitas o ministro mudou seu entendimento e, agora, para ele crimes de responsabilidade e infrações político-administrativas dão na mesma; afinal, segundo suas palavras, “o processo legal no processo de cassação do vereador está inserido num contexto de especial relevância constitucional, já que tal processo foi instaurado em razão da participação de parlamentar negro em protesto contra o racismo nas dependências da Igreja”.

Então, em razão de um “contexto de especial relevância constitucional” é possível separar um processo dos demais e julgá-lo de forma diferente? Andou muito bem o Grupo de Estudos Constitucional e Legislativos do IBDR em seu parecer, ao dizer que “a Constituição Brasileira proíbe a criação de tribunais de exceção, ou seja, instituições ou técnicas de julgamento (embora sequer assim possa ser nomeada a postura do relator) que apreciem fatos de forma distinta da prevista na normatização pátria”.

O ministro Barroso, para mudar suas dezenas de precedentes e de seus pares, afirma que o caso deve ser julgado sob uma “perspectiva especial”, ao arrepio da própria Constituição que jurou defender e guardar, e que, no artigo 5.º, XXXVII, diz que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

Mas não paramos por aqui. E pedimos perdão ao leitor pelas citações longas, no entanto necessárias para expor o argumento. O ministro entra no mérito do caso e crava: “Por isso, a despeito de haver decisões desta Corte contrárias à aplicação da Súmula Vinculante 46 em casos de perda de mandato por prática de infração político-administrativa, a cassação do vereador em questão ultrapassa a discussão quanto aos limites éticos de sua conduta, envolvendo debate sobre o grau de proteção conferido ao exercício do direito à liberdade de expressão por parlamentar negro voltado justamente à defesa da igualdade racial e da superação da violência e da discriminação que sistematicamente afligem a população negra no Brasil”.

Isto é, se você for um parlamentar negro e estiver defendendo a igualdade racial e a superação da violência, pode praticar atos que são vedados pela Constituição. Ser parlamentar, ser negro e defender a igualdade racial está acima da Constituição brasileira
Diz o artigo 19, I da Constituição (destaques nossos) que: “É vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. A Constituição proíbe terminantemente que o funcionamento dos cultos seja embaraçado e, no artigo 5.º, VI, assegura que os cultos são invioláveis: “VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.


    Se você for um parlamentar negro e estiver defendendo a igualdade racial e a superação da violência, pode praticar atos que são vedados pela Constituição. Ser parlamentar, ser negro e defender a igualdade racial está acima da Constituição brasileira

Entretanto,
a Constituição do nobre ministro Barroso, ao que nos parece, é diferente da Constituição Federal. Nela, há um parágrafo adicional no artigo 5.º e outro no artigo 19, que diz mais ou menos o seguinte: “A garantia constitucional da inviolabilidade de culto religioso e a vedação de embaraço não se aplica ao ativista identitário negro com mandato parlamentar, em sua luta de promoção à igualdade racial”.

Como se não bastasse, Barroso também criou uma inimputabilidade nova no Código Penal brasileiro. O CP tipifica, por exemplo, o crime de homicídio no artigo 121; de furto, no artigo 155; de depredação de patrimônio (dano), no artigo 163; e também tipifica o crime contra o sentimento religioso, da seguinte forma: “artigo 208 – Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”.  
Quando alguém quebra uma vidraça ou mata alguém, fica fácil identificarmos que o primeiro cometeu o crime de dano, previsto no artigo 163 do Código Penal, e o segundo cometeu o crime de homicídio, pelo artigo 121. Da mesma forma, quando alguém perturba um culto religioso a ponto de ele ter de ser encerrado e, de quebra, invade o templo religioso para protestar, parece fácil identificar que estamos diante da prática do crime contra o sentimento religioso: “impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso”. Pelo menos em tese, claro.

Mas não nos esqueçamos de que existe a inimputabilidade instituída pelo ministro Barroso. É o parágrafo 2.º do Código Penal Barrosiano: “É isento de qualquer pena o agente que for ativista identitário negro, com mandato parlamentar e estiver lutando em defesa da igualdade racial”.

    A Constituição e o Código Penal do nobre ministro Barroso, ao que nos parece, são diferentes da Constituição Federal e do Código Penal brasileiro

Esses dois trechos são invenção nossa, claro, para que os leitores entendam o risco para a democracia e para o Estado Democrático de Direito: um ministro do Supremo, na canetada, cria ao seu bel-prazer, de acordo com suas ideologias e visões de mundo, exceções à Constituição Brasileira e hipótese nova de inimputabilidade no Código Penal
Isto é impensável em um Estado de Direito em que todos estão submetidos à lei, inclusive os ministros do Supremo.  
Quando se trata de matéria penal, a situação é ainda mais grave: a Constituição prevê expressamente que compete à União legislar sobre matéria penal (artigo 22, I), inclusive sendo vedada a elaboração de medidas provisórias que versem sobre matéria penal (artigo 62, I). Em uma tacada, Barroso:


1. Atropela
precedentes da corte, inclusive de sua própria lavra;
2. Faz malabarismos jurídicos para admitir Reclamação Constitucional cujo objeto não possui aderência estrita com a Súmula Vinculante 46;
3. Cria um tribunal de exceção;
4. Legitima violações à liberdade religiosa, desde que a causa seja justa;
5. Cria exceção constitucional à vedação de embaraço de culto;
6. Cria isenção de pena (inimputabilidade) para o tipo penal do artigo 208 do Código Penal;
7. Induz ao pensamento que, para defender causas como a igualdade racial, até crimes podem ser cometidos;
8. Rompe com o Estado de Direito. [nem Kim Jong-un tem tal furor contra as leis = nos parece um absurdo ódio contra o estabelecido pela Carta Magna e que costuma ser seguido em países que vivem sob o 'estado democrático de direito'.]

    O presidente que for eleito neste mês de outubro indicará dois ministros ao Supremo; Barroso foi indicado por Dilma Rousseff, do PT

Poderíamos enumerar mais aberrações, como o fato de a decisão ir muito além dos limites estipulados pela própria inicial da Reclamação, como muito bem disse o GECL do IBDR em seu parecer, no que denominamos de decisão “ultra petita”, mas paramos por aqui. Fica a sensação de vivermos um clima como o da Revolução Francesa, quando quem não concordava com a causa da liberdade, igualdade e fraternidade perdia a cabeça na Bastilha.

Amanhã, 2 de outubro, teremos eleições gerais. Não podemos esquecer que o presidente eleito indicará dois ministros ao Supremo, e que Barroso foi indicado por Dilma Rousseff, do PT. 
Talvez o leitor tenha muitas reservas a Bolsonaro, mas votar no PT pode resultar em mais ministros como Barroso.  
Vejam o exemplo do ex-juiz federal Sergio Moro: mesmo com todos os problemas de seu desembarque do governo federal, ele deixou claro, na reta final de sua campanha, que não há como votar no PT.

Pense nisso, leitor; ainda dá tempo.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos

Jean Marques Regina, colunista -  VOZES - Gazeta do Povo


terça-feira, 27 de setembro de 2022

Constituição federal brasileira: Carta Magna ou tapete de entrada? - Samir Keedi

Todos nós vivemos sabendo, ou acreditando, que uma Constituição era a Lei maior de um país
Aquela pela qual se guiam todas as demais Leis. 
E, claro, guiando governantes, governados, instituições, etc., para que um país seja governável e considerado civilizado.

Quando se olha para a Constituição dos Estados Unidos da América, cuja independência ocorreu em 1776, se vê que ainda é a única feita por eles. Sofreu algumas alterações, mas, poucas, e permanece única.

O Reino Unido nem tem uma constituição escrita. A sua Constituição é um conjunto de leis e princípios sob o qual o Reino é governado. 
Não é constituído de um único documento constitucional, como é normal. É, muitas vezes, dito que o país tem uma constituição "não escrita"
A maior parte da constituição britânica existe na forma escrita de leis, jurisprudência, tratados e convenções.

E assim devem ou deveriam ser em todos os países. Mas, infelizmente, não é o que tem ocorrido no Brasil, que já teve várias Constituições. Sempre ao bel-prazer de governantes e congresso de plantão. Sempre sujeita a interesses individuais, quando deveria ser sobre interesses gerais, coletivos.

Pode-se dizer que aqui troca-se de Constituição como de camisa. Ou de governante. "Não gostei, vou trocar".

Já tivemos sete Constituições, começando com a de 1824. Depois, seguiram-se as de 1891, de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Esta de 1988 está em morte lenta, ou já morreu.

No Império tivemos apenas uma, a de 1824. Depois, aos borbotões. A de 1891 foi uma troca justificável, já que houve mudança de sistema de governo, saindo do Império para República. Uma mudança lamentável, agravada também pela forma como se deu, pela tradição brasileira de fake news desde sempre.

Só no século XX tivemos cinco Constituições, sendo que de 1934 a 1946 tivemos três em 12 anos. Provavelmente um recorde mundial. Mais um recorde negativo, no qual somos pródigos.

E, agora, embora não convocada, nem tampouco anunciada ou discutida uma Assembleia Nacional Constituinte, já temos uma nova Constituição desde pelo menos 2016, a oitava. Que vem sendo criada aos poucos.

Todos agora se perguntarão, como assim, que Constituição é essa, quem a criou que ninguém conhece, a não ser este escritor? Infelizmente todos conhecem, aceitaram, estão vivendo por ela, sem praticamente haver qualquer reclamação ou ação.  
A não ser simples reclamação de poucos dos 213 milhões de brasileiros. E, estranhamente, de poucos juristas, o que é, para dizer o mínimo, bem estranho.
 
Foi e está sendo criada pelo STF - Supremo Tribunal Federal, que com o impeachment da Presidente em 2016, começou a reescrever a de 1988. Começou fatiando-a, mantendo os direitos políticos que a Carta Magna, claramente, sem nenhuma possibilidade de interpretação diferente, manda cassar. 
Diferentemente do que ocorreu em 1992, em que o Presidente da época teve seus direitos políticos cassados por oito anos, como determinava a nossa ex-carta magna de 1988. [só que o povo mineiro, em sua sabedoria, cassou a decisão do STF - não elegeu a ex-presidente 
cuja candidatura aquela Corte impôs = não cassando os direitos políticos da escarrada.]

E, desde então, em que o STF se transformou no único poder no Brasil, legislando, executando e, até, nas horas vagas, "judiciando", já temos outra Constituição. E, em certos aspectos, lembrando a do Reino Unido, que não é escrita. Mas, esta, sem valor. [muitas decisões são tomadas na base da "interpretação criativa" o texto constitucional continua o mesmo, só que a interpretação o reescreve virtualmente.]

O STF está legislando a seu bel-prazer, reescrevendo, até por um único "juiz", nem sendo pelo colegiado. Ora um, ora outro. E, pior, que nem são juízes, pois sabemos que dos 11 ministros, apenas um realmente é juiz, tendo sido aprovado em concurso. Os demais, apenas advogados.

E, tudo isso, com o beneplácito do Congresso, que abdicou de seus deveres, amedrontado, em que agora, o que parece importar são apenas os cargo e salário.  
Concordando até com censura e prisões de seus pares, sem respeito pela livre expressão garantida pela Constituição anterior, a de 1988, que a maioria ainda acredita estar em vigor.
 
E esses privilegiados e ungidos, como acreditam, estão céleres, executando, determinando o que a figura maior do país, o Presidente da República, deve fazer ou não fazer. 
E, em prerrogativas exclusivas do presidente, como nomeações, política econômica, redução de impostos, execução da infraestrutura, viagens, reuniões, etc. etc. etc. 
E, também, da mesma forma, com o beneplácito do Congresso, juristas, povo brasileiro, etc. É bem verdade que o Presidente tem culpa. 
Não reagiu, deixou que o STF começasse a mandar, sem se impor, sendo ele a figura maior do País.
 
Assim, quem pode discordar de que há pelo menos seis anos está sendo reescrita esta nova Constituição? 
E apenas por uma ou poucas pessoas, que nem são representativas no país. Não foram eleitas, e cuja missão é única, constitucional, como foi desde 1824 até a Constituição de 1988, agonizando desde 2016. Apenas interpretar e julgar à Constituição.
 
Constituição já foi pisoteada de tudo quanto é maneira, inclusive com meios de comunicação oficiais e pessoais calados.  
Ou seja, a antiga constituição de 1988 e o que resta dela, foi e está sendo tratada como tapete de entrada, em que nela se limpa os pés.

Será que o Brasil acordará algum dia, ou continuará em seu sono profundo iniciado em 1492, ou 1822, ou 1989?

*         O autor é jornalista (editor do blogdosamirkeedi.com.br) e empresário (Ske Consultoria Ltda), titular da cadeira 4 da APH-Academia Paulista de História


sexta-feira, 22 de abril de 2022

'STF não pode ir contra a própria jurisprudência', diz Ives Gandra sobre perdão a Silveira

Jurista lembra que, em 2019, Supremo validou indulto a condenados da Lava Jato, inclusive com o voto de Moraes

A "graça constitucional", benefício concedido ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) nesta quinta-feira (21) pelo presidente Jair Bolsonaro, não pode ser anulada pelo STF, de acordo com o jurista e advogado Ives Gandra Martins. A medida perdoa as penas aplicadas ao parlamentar pelo Supremo Tribunal Federal.
 
[Brasileiros! Ives Gandra falou, a água parou; chato é lembrar que ele não está na Suprema Corte por teimosia do capitão, que insistiu no 'terrivelmente evangélico'. Estivesse, ontem, 21 abril 2022, entre os ministros do STF, ele teria ministrado uma aula aos outros supremos ministros.]

Gandra afirma que em 2019, quando julgou um decreto editado em 2017 pelo ex-presidente Michel Temer que perdoava penas de pessoas condenadas no âmbito da Operação Lava Jato, o Supremo reconheceu a constitucionalidade do ato do chefe do Executivo. Dessa forma, se tiver que analisar a situação de Silveira, Martins diz que o STF não pode tomar uma decisão que seja contrária a algo que já estabeleceu anteriormente.

No exemplo citado pelo jurista, o Supremo analisou uma ação que pedia a suspensão do decreto de Temer que permitiu indulto natalino a condenados por crimes contra a administração pública, como corrupção. Por 7 votos a 4, o STF julgou constitucional o ato presidencial, por entender que o Supremo não pode interferir em uma decisão exclusiva do presidente da República.

"Evidentemente, o decreto de Bolsonaro não agradou ao Supremo. Mas, juridicamente, não acho que seja muito fácil tentar derrubar ou pretender anular, com base na jurisprudência do próprio Supremo. O STF não pode ir contra a própria jurisprudência", disse Gandra, ao R7.

Qual a avaliação do senhor sobre a "graça" concedida por Bolsonaro?

A decisão foi corretíssima. A Constituição diz, no artigo 84, que compete privativamente ao presidente da República conceder indulto e comutar penas
Como a Constituição não impõe limites, ele não pode ter, portanto, restrições por parte de uma lei infraconstitucional. 
O presidente usou uma faculdade que a Constituição lhe dá e, agora, vai ser muito difícil para o Supremo tomar uma posição. O perdão não é permitido em casos de terrorismo, mas isso não existe no caso em questão. O "falar" não é um ato terrorista. Terrorismo é pegar armas, matar. Tenho impressão de que era competência do presidente conceder o perdão, e ele assim o fez.

O senhor acredita que o Supremo vai julgar o decreto inconstitucional?

Evidentemente o decreto de Bolsonaro não agradou ao Supremo. Mas, juridicamente, não acho que seja muito fácil tentar derrubar ou pretender anular, com base na jurisprudência do próprio Supremo. 
O STF não pode ir contra a própria jurisprudência. Primeiro, porque o presidente tem direito, a qualquer momento, a conceder indultos. E, também, porque, na época em que o Supremo analisou o decreto do ex-presidente Michel Temer, o plenário decidiu manter o ato presidencial. Quando o decreto foi editado, em 2017, Alexandre de Moraes (relator do julgamento contra Silveira) era ministro da Justiça de Temer e deve ter orientado o presidente no sentido de conceder o indulto
Quando do julgamento, em 2019, Moraes já era ministro do STF e manteve a mesma posição. É em cima dessa decisão, inclusive, que o presidente Jair Bolsonaro baseia o seu decreto. 

O processo de Silveira ainda não transitou em julgado, pois ainda cabe a apresentação de recursos. Isso não atrapalha a aplicação do decreto?

De forma alguma. O presidente Bolsonaro fez questão de citar no decreto dele a decisão do STF (sobre o decreto de Temer). Quando Temer concedeu o benefício, os processos de alguns condenados que estavam na Lava Jato ainda não tinham transitado em julgado. Os casos estavam em andamento naquela ocasião. 

O perdão do presidente vale inclusive para a pena que deixa o deputado inelegível por oito anos?

Sim. Na decisão do Supremo sobre o decreto de Temer, o próprio Alexandre de Moraes disse que não necessariamente somente a pena maior tem que ser indultada. Segundo ele, poderiam ser indultadas todas as penas que são menores. O que é mais grave? Ele não poder ser deputado ou ficar preso oito anos?  
Se ele está livre da prisão, diz o Alexandre naquela votação, que as penas menores têm que também ser afastadas. Em direito, há uma frase muito simples que todo advogado sabe: quem pode o mais pode o menos. Foi o que disse o Alexandre naquele outro julgamento, que todas as penas menores seriam afastadas. No caso de Silveira, quem pode o mais, que é ficar livre da prisão de oito anos, pode o menos, que é continuar sendo elegível.
 
R 7 - Entrevista

sexta-feira, 11 de março de 2022

Imprevisibilidade se tornou a principal característica da jurisprudência do STF - Gazeta do Povo

 J. R. Guzzo

Num país em que o STF se transformou há muitos anos num centro de atividade política, a Justiça superior decaiu para uma situação exatamente oposta à que deveria ter: é  imprevisível

Em sociedades democráticas bem-sucedidas, nas quais existem verdadeiros tribunais superiores de justiça – e não repartições públicas que obedecem a ordens de ditaduras, ou grupos de ação política e outras degenerações patológicas – funciona com bastante precisão um mecanismo chamado “jurisprudência”.

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Trata-se, em linguagem comum, do histórico das decisões tomadas ao longo do tempo pelos magistrados – o conjunto de suas sentenças, manifestações e despachos, cuja linha tende a se repetir caso após caso, no passado e no presente. A jurisprudência é um instrumento essencial para a prestação da justiça. 
É o meio mais poderoso, mais acessível e mais compreensível para todos – advogados, clientes, governos e a população em geralterem uma informação fundamental em qualquer democracia: como a justiça está aplicando a lei neste ou naquele assunto.  
É isso que fornece aquela que talvez seja a marca mais importante de uma justiça responsável, decente e lógica – a previsibilidade.

Isso não existe no Brasil de hoje. Num país em que o Supremo Tribunal Federal se transformou há muitos anos num centro de atividade política, onde o que vale são os desejos, as posições ideológicas e os interesses pessoais dos ministros, a justiça superior decaiu para uma situação exatamente oposta à que deveria ter: sua característica principal, hoje, é ser imprevisível.

É um recuo para um estágio primitivo das sociedades, onde o cidadão não conta com a proteção sistemática da lei. O que funciona, unicamente, é a vontade de quem tem o poder de mandar na justiça naquele momento o faraó, o ditador ou, no atual caso brasileiro, o ministro do Supremo. Justiça que depende das vontades pessoais dos juízes não é justiça. É essa coisa que temos hoje por aqui.

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O novo TSE e a serenidade perdida

Não se trata de um ponto de vista; é a conclusão dos fatos objetivos, à disposição de todos e do conhecimento geral. Há exemplos diários. Fato: o ministro Edson Fachin afirmou publicamente, num despacho ao presidente Luiz Fux, que o trabalho da justiça no combate à corrupção “tem sido pautado pela legalidade constitucional”. Fato: três meses depois, em março de 2021, tomou a prodigiosa decisão de anular todas as ações penais contra o ex-presidente Lula por um detalhe burocrático miserável – CEP errado, no seu entender. 
Ou seja: tudo estava perfeitamente legal num dia, segundo o ministro, mas de repente virou ilegal, segundo o mesmo ministro. Prever o que, desse jeito?
 
Fato: dias atrás o ministro Gilmar Mendes disse, também em público, que a Operação Lava Jato tinha obtido confissões por meio de “tortura” – o que transforma os criminosos em vítimas e a autoridade judiciária em autora de crime previsto no Código Penal Brasileiro. 
Fato: o ministro Gilmar Mendes, em 2015, declarou que a Lava Jato era um modelo de virtude, e que o PT dos governos Lula e Dilma estava executando um processo para se perpetuar no poder através do roubo de dinheiro público; calculou, até, em quantos bilhões eles tinham metido a mão até aquele momento.
 
Esse é o tipo de “jurisprudência” que se pratica no Brasil de 2022. 

J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES