Dizem
os estudiosos da língua portuguesa e historiadores que, nos tempos do
Império, quando o Brasil estava em conflito com a Inglaterra em razão do
tráfico transatlântico de escravos africanos (a Inglaterra era
abolicionista, enquanto o Brasil era escravagista), as autoridades
brasileiras fingiam ceder às pressões dos ingleses para acabar com a
venda de escravos, tomando medidas de “mentirinha” para dizer que
combatiam a escravidão, apenas “para inglês ver”.
Agora,
vemos a história se repetir. Na última quarta-feira (01), o presidente
Lula anunciou a aplicação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em portos e
aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo, com previsão de término em
maio de 2024.
A decisão de Lula vem na esteira de uma escalada
gigantesca de violência e de criminalidade no país que seu ministro da
Lacração, também conhecido como ministro da Justiça, Flávio Dino, parece
incapaz de resolver.
O cúmulo da violência foram as
imagens assustadoras de mais de 30 ônibus sendo queimados no Rio de
Janeiro após uma briga generalizada entre milicianos e traficantes que
disputam território na Zona Oeste do Rio, que se seguiu à morte de um
dos chefes da milícia, o “Faustão”, deixando a cidade em caos. Alguns
dias antes, o Brasil assistiu horrorizado a milicianos executarem um
grupo de médicos na Barra da Tijuca.
O que é a GLO? É
uma operação militar de competência exclusiva do presidente da
República, que, por meio de decreto, convoca as Forças Armadas nos casos
em que há um esgotamento das forças de segurança pública tradicionais,
como as polícias civis e militares e as guardas municipais. É uma medida
excepcional e que deve ser implementada em graves situações de
perturbação da ordem, para que as Forças Armadas auxiliem a volta da
normalidade.
Dos vários problemas da GLO de Lula, o principal deles é justamente o
fato de que a medida é absolutamente ineficaz para atingir o objetivo
anunciado pelo lacrador Dino
De acordo
com a nossa legislação, a GLO só pode ser decretada de forma episódica,
em área previamente estabelecida e por tempo limitado, para
desenvolvimento de ações preventivas e repressivas de combate à
criminalidade. A GLO de Lula ficou restrita apenas aos portos e
aeroportos de São Paulo e do Rio de Janeiro, e a justificativa do
governo, dada pelo ministro Flávio Dino, foi de que era preciso
“asfixiar” a logística financeira e operacional das facções e
organizações criminosas.
Dos vários problemas da GLO
de Lula, o principal deles é justamente o fato de que a medida é
absolutamente ineficaz para atingir o objetivo anunciado pelo lacrador
Dino, já que as atividades principais das milícias e do narcotráfico não
ocorrem, em regra, nos portos e aeroportos, mas sim nas comunidades
dominadas pelo crime, onde tanto o tráfico quanto a milícia fazem as
vezes de Estado - um Estado paralelo - e subjugam e oprimem a população
do local.
O próprio Estado do Rio de Janeiro não
pediu ajuda ao governo federal por uma dificuldade em combater o crime
nos portos e aeroportos, mas sim por causa da incapacidade das forças de
segurança de conter o tráfico de drogas nas comunidades e os ataques
violentos das milícias por toda a cidade do Rio. O Estado de São Paulo,
governado por Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP), sequer pediu ajuda
ao governo federal, mas também foi incluído no pacote.
Um
segundo problema da GLO é de que é contraproducente, pode fomentar o
crime organizado que busca coibir: ao decretar a medida apenas em portos
e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo, o governo apenas obriga
as grandes facções criminosas a levarem suas atividades delituosas para
os portos e aeroportos de outros Estados, levando o crime para novos
lugares, o que obriga o tráfico a criar novas estruturas criminosas,
agora em outros Estados, o que apenas vai dar mais capilaridade ao
crime.
Logicamente, nenhum grande líder de facção,
milícia ou organização criminosa continuará a traficar armas, drogas e
movimentar dinheiro nos portos e aeroportos com forte presença das
Forças Armadas, agora que é público onde estarão - os criminosos apenas
evitarão esses locais e farão tudo isso em outros Estados.
Só isso é o
bastante para perceber que a GLO de Lula, além de ineficaz, é burra,
pois dissemina o mal que objetiva combater.
Além de a
GLO de Lula ser ineficaz e contraproducente, há sinais de viés
político-eleitoral. De fato, o governo não explicou por que decretou a
GLO apenas nos portos e aeroportos de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas
não da Bahia, por exemplo, que hoje é o estado mais violento do Brasil
e, por coincidência (ou não), é governado pelo PT há 20 anos.
A Bahia
tem o pior índice do país em número de assassinatos, com mais de 6.659
homicídios em 2022.
As quatro cidades mais violentas do país estão todas
na Bahia: Jequié, Santo Amaro, Santo Antônio de Jesus, Simões Filho e
Camaçari.
Por que Lula não decretou GLO também na Bahia, governada pelo
companheiro Jerônimo Rodrigues?
Em São Paulo, onde
Lula decretou GLO, a taxa de homicídios é uma das menores do país: são
8,4 mortes por 100 mil habitantes, enquanto que na Bahia a taxa é de 50
homicídios por 100 mil habitantes, índice comparável a países com altas
taxas de violência, como a Venezuela e a Jamaica.
É coincidência o fato
de Lula ter decretado GLO apenas nos dois maiores Estados do país,
liderados por governadores de direita e que representam potenciais
ameaças para a reeleição de Lula em 2026?
Além
da GLO de Lula ser ineficaz, contraproducente e enviesada, ela está em
rota de colisão com o próprio fato de o governo Lula não ter qualquer
intenção de adotar medidas estruturais, com base em evidências e em
experiências internacionais, que realmente ajudariam a enfrentar de
forma sistêmica a criminalidade organizada, como uma ampla reforma nas
leis penais e processuais penais do país, que hoje garantem a impunidade
dos criminosos.
O governo Lula também não enfrenta, e nem tem intenção
de enfrentar, a leniência do Poder Judiciário com o crime.
Não
está na prioridade de Lula, por exemplo, a aprovação da prisão em
segunda instância, que colocaria na cadeia não só os milicianos,
traficantes, ladrões e homicidas das facções criminosas como também os
grandes criminosos de colarinho branco - dentre eles, figurões políticos
do Congresso Nacional e empresários que vivem não de inovação e de
competitividade, mas do pagamento universal de suborno como estratégia
vencedora de negócios.
De nada adianta, ainda, decretar uma GLO se os
eventuais criminosos que forem presos pelas Forças Armadas tiverem as
provas de seus crimes anuladas, seus inquéritos e processos trancados,
suas condenações apagadas e os bens apreendidos com eles devolvidos pelo
Poder Judiciário, que tem tido uma postura generalizada de
leniência com o crime organizado, seguindo a cartilha petista de que os
bandidos são vítimas da sociedade e de que as polícias são opressoras. O
PT sempre foi adepto da bandidolatria e do coitadismo penal como
política de segurança pública, e quem sofre as consequências disso somos
todos nós.
Como disse, a história no Brasil se
repete, só que, dessa vez, o governo Lula está tomando medidas de
“mentirinha” para combater o crime, fingindo que trabalha enquanto a
imprensa finge que não vê, e quem está sendo feito de trouxa, palhaço e
de iludido não são os ingleses, mas os brasileiros honestos,
trabalhadores e de bem que sofrem diariamente com a violência e o crime.
No teatro de Lula, a GLO serve apenas para brasileiro ver.
Conteúdo editado por
:Jônatas Dias LimaDeltan Dallagnol, colunista - Gazeta do Povo - VOZES