Janio de Freitas
Para Bolsonaro, todo o fogo é bem-vindo
Jair Bolsonaro já não é aquele que assumiu. Os medos e fugas que levaram
a dar Paulo Guedes como o todo-poderoso, carta branca a Sergio Moro, ao
general Augusto Heleno a primeira e a última palavras, e tantas outras
fraquezas, não existem mais. O rosto, em acelerado envelhecimento, assume uma firmeza de mandante, o
olhar endurecido, nada mais daquela figura de deslocado em um mundo
desconhecido. Designar o próprio filho, de capacitação improvada, para falar e agir
pelo país no centro de decisão global é uma atitude que simboliza, por
si só, tudo o que é o Bolsonaro agora possuído por sensações de poder,
de hierarquia única e de vontades impositivas. [quem analisa a capacidade dos indicados para o cargo de embaixador é o Senado da República - se há razões para duvidar da Câmara Alta, que sejam apontadas.]
Entramos na zona do perigo. Quando esse Bolsonaro diz que a imprensa, por criticá-lo, está cometendo
suicídio, fala da imprensa, mas sobretudo fala de si, da sua sensação
de poder incontrastável. E de uma vontade já manifestada por diferentes
maneiras. Está claro que Bolsonaro tem intenções bem definidas quanto à liberdade
de imprensa, assim como antes indicou e já restringe a criação cultural.
[o que Bolsonaro proibiu, de criação cultural só tinha a classificação, já que no mais eram excrementos culturais.] O risco causa na imprensa mais intimidação do que reação. E com a falta
de contraditório contribui para maiores ímpetos da hostilidade à
liberdade de expressão.
Prepara-se no Planalto um indulto de policiais presos por crimes de
morte e por envolvimento em atividades ilegais. [o decreto de indulto elencará uma série de condições que os possíveis indultados deverão atender; assim, não há espaço para favorecimento individual.
Ou será que o fato de ser policial e ter abatido um bandido, o torna um criminoso indigno de ser beneficiado por um indulto? Indulto só para bandido, especialmente se recomendado por uma dessas ONGs de direitos dos manos?] Com participação
explícita ou velada, muitos desses policiais são integrantes de
milícias.
Em referência ao indulto desses "presos injustamente", Bolsonaro
chamou-os de "colegas". Seja qual for a via do coleguismo, o indulto
extemporâneo conjuga-se com as relações pessoais, familiares e
financeiras dos Bolsonaros com aquela próspera atividade e suas
cercanias. No mínimo, o indulto trará a consolidação de disposições
milicianas para o que der e vier. O fogaréu amazônico lançou a ira da opinião mundial contra Bolsonaro e,
por tabela, o desprezo pelo país passivo diante de sua tragédia. Mas,
para Bolsonaro, todo o fogo é bem-vindo. O governo, por meio do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cortou
30% da verba orçamentária para prevenção e combate a queimadas em
florestas. O resultado dessas políticas antiambientais, antiamazônicas e
anti-indígenas está visível não só nas chamas e na fumaça.
Para um exemplo: na fogueira que hoje é o estado de Rondônia, em 2018 as
grandes queimadas decresceram 39%, somando 2.456. Da posse de Bolsonaro
até a semana passada, aumentaram 164%, chegando a 6.484, conforme
acompanhamento do respeitável Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Aí está clara a culpa de Jair Bolsonaro, por indução verbal e
facilitação administrativa, pela ação incendiária que atinge, inclusive,
reservas naturais e reservas indígenas. [relatório do Banco Mundial contesta este número - ou se trata do fogo que não queima?]
Bolsonaro já se dissera favorável à abertura da Amazônia para empresas
norte-americanas de exploração mineral. Especificou bem: não empresas
brasileiras, muito menos em geral, mas "americanas". As queimadas, portanto, abrem-lhe a oportunidade de avançar no seu
plano. Primeiro, manifestando o desejo de acordo com os Estados Unidos, e
não com europeus, para ação na Amazônia. Para logo continuar, aliás,
repetindo-se: "Reservas indígenas são prejudiciais ao progresso".[qual a necessidade de uma reserva indígena, com centenas ou mesmo milhares de hectares para nalgumas dezenas de índios;
a Região Norte tem reservas de minerais de grande valor e que precisam ser exploradas pela União.]
Era a trilha sonora para o embarque de Eduardo Bolsonaro e do
tradutor-ministro Ernesto Araújo rumo a Trump. Para uma conversinha fora
da agenda presidencial por urgência da necessidade ou, antes, da
oportunidade.
O Bolsonaro que encaminha a entrega da Amazônia, não quer matadores e
milicianos presos "injustamente", avisa do "suicídio" da imprensa,
indispõe o Brasil pelo mundo afora, não se mostra temeroso de objeção
das chamadas instituições democráticas. De fato, por sua atitude de
espectadoras desinteressadas, não têm por que o preocupar. São coerentes
com a classe socioeconômica que as povoa. E os militares, responsáveis, por ordem da Constituição, pela legalidade nacional e pela soberania? Ora, a Constituição. [os militares estão sempre prontos a intervir, por ordem do Comandante Supremo das Forças Armadas - o presidente da República - ou, se necessário, ´por iniciativa própria, cumprindo o mandamento constitucional.]
Jânio de Freitas, jornalista - Folha de S. Paulo