O fator Lula
Todo mundo pergunta: será que ele vai ser preso? Isso, claro,terminaria de enterrar o PT e todos seus aparelhos
Esqueçam o
impeachment, ao menos por ora. Há uma questão anterior: quais as chances
de a presidente Dilma governar com um mínimo de eficácia? Se ela não
conseguir, não apenas volta a ameaça de impeachment, como surgirão
articulações para algo como uma renúncia mais ou menos forçada — que
ocorre quando o presidente fica inteiramente isolado, sem a menor
capacidade de governar.
Pois essa situação pode estar mais perto
do que muitos pensam, por dois motivos. O primeiro: o governo é ruim e
está muito difícil recuperar eficácia. O segundo é Lula. Se a Lava-Jato
apanhar o ex-presidente, derrete toda a estrutura construída em torno
dele, incluindo Dilma e sua presidência.
É uma especulação, claro, mas... enfim, eis a coisa. No
dia a dia, todo governo funciona no automático. A burocracia mantém os
programas existentes, até consegue tocar algumas obras. Mas não é
disso que se trata. Não estamos em um período normal. A presidente e seu
pessoal precisam apagar o incêndio e, ao mesmo tempo, desenhar e
refazer o edifício. Para a crise imediata, Dilma precisa arranjar
dinheiro para fechar as contas deste ano. É como se estivesse no meio da
tarde ainda sem o dinheiro da janta.
Para isso, a presidente
conta, publicamente, com a CPMF, que precisa ser votada até maio. Fora
do Congresso, ela conta também com a venda de prédios e outros ativos,
coisa que depende da eficácia do governo e, claro, da disposição do
mercado. Na Câmara e no Senado, não existe a maioria de três quintos
exigida para a aprovação da CPMF. E não existirá enquanto o governo não
der provas de que está vivo, atuante e com perspectivas. O que depende, e
muito, do dinheiro da CPMF...
A venda de ativos e leilões de
rodovias, aeroportos e outros serviços é uma privatização meio
avacalhada, feita em um momento ruim. Aliás, como a privatização
patrocinada pela Petrobras. Está torrando patrimônio para tapar o caixa e
tudo com base em decisões exclusivas da diretoria. Mas, enfim, quando
falta dinheiro, parece que vale tudo.
Precisa de competência, porém.
Está
em falta. Na mensagem ao Congresso em 2015, Dilma prometeu leilões de
rodovias e a terceira fase do Minha Casa Minha Vida. Está prometendo de
novo, igualzinho.
Resumo: não vai conseguir debelar o incêndio, as contas públicas continuarão no buraco.
Acabou?
Ainda
não. O país pode estar na pior, o governo meio parado, mas se há um
presidente respeitado e que aponte um caminho crível, as expectativas
melhoram imediatamente. A Argentina de hoje, por exemplo.
No nosso
caso, a presidente Dilma precisa apontar um caminho que leve a três
destinos: uma reforma estrutural das contas públicas; o controle da
inflação; a retomada do crescimento e do emprego. É muita coisa ao
mesmo tempo. E Dilma só tem proposta para o primeiro destino: a reforma
da Previdência. Mesmo assim, trata-se de uma proposta ainda secreta,
não especificada. A presidente e seu ministro da Fazenda apontaram
alguns temas gerais, que contam com forte, e explícita, oposição dentro
do governo, do PT e da base aliada.
Para a inflação, o Banco
Central perdeu a autoridade. Para a retomada do crescimento, tudo que o
governo conseguiu foi juntar uns R$ 80 bilhões para novos créditos. É
pouco dinheiro e, ainda assim, não há tomadores dispostos a pegar os
recursos. Aliás, parte daqueles 80 bilhões está parada faz tempo nos
cofres do FGTS. Resumo: continua o ambiente de recessão e inflação alta.
Em
cima disso, vem o fator Lula. Todo mundo pergunta: será que ele vai ser
preso? Isso, claro, terminaria de enterrar o PT e todos seus aparelhos. Mas
a prisão não é uma condição essencial. Bastaria Lula tornar-se réu na
Lava-Jato, em Curitiba, em um processo consistente, com provas fortes e
de fácil entendimento da população, tipo ganhar um sítio, um apartamento
em troca de favores com dinheiro público.
Mesmo sem isso, à
medida que as investigações e denúncias aparecem, o ex-presidente fica
cada vez mais isolado. Não por acaso, parlamentares do PT e ministros de
Dilma saíram em campanha por Lula nos últimos dias. Sabem que aí está
uma questão de vida ou morte. Suponhamos agora que ocorra tudo
isso: o governo não sai do buraco, a economia patina e Lula é apanhado.
Todo mundo, na política, vai querer se afastar do PT, do ex-presidente
e, pois, de Dilma. Aliás, ela também pode querer se afastar, mas para
ficar de que lado, com quem?
Nesse momento, volta a ameaça do
impeachment e aparece a articulação para se encontrar algum meio de
substituir a presidente. Por quem? Aí já estão querendo especular demais
— mas que aparece alguém, aparece. Tudo considerado, o fator Lula
é o decisivo. É a peça que falta para fechar um quadro de
insustentabilidade do governo Dilma. Para variar, a história está também
aqui com a Lava-Jato.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo