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quarta-feira, 8 de julho de 2020

''O passado e o futuro'' - Coluna Alexandre Garcia

"Quanto mais parecido com Nostradamus é o futurólogo, mais atenção passa a merecer da mídia que sente necessidade de mudar de assunto, porque ninguém mais aguenta tanta notícia igual"

Em tempos de incertezas sanitárias e políticas, tem sido muito comum a convicção de que “sei que estou certo e os outros estão errados”. Mas seria bom que se pensasse que também os outros têm certeza de que estão certos e que eu estou errado. Ou seja, podem ser relativas as verdades de cada um de nós. O sol nasceu hoje é uma verdade. Mas o sol nascerá amanhã, já é uma verdade relativa.

Faço essa meditação de quarentena, porque noto que além do surto do coronavírus, somos pacientes de um surto de atividade de bolas de cristal. O confinamento que nos deixa distantes das conversas com os amigos, das palavras que nos chegam aos ouvidos no elevador, nos balcões das lojas, no ônibus, é um solilóquio que nos deixa ouvindo apenas as nossas frases e as das redes sociais que frequentamos –– e os verbos das frases nunca estiveram tanto no tempo futuro. O presente já nos exauriu e saltamos em fuga para o futuro, onde já nos contaram que haverá um “novo normal”.

Os profetas já revelaram como será o nosso novo trabalho, como degustaremos o novo jantar, quais serão as novas diversões. Imagino se as pessoas que escrevem artigos sérios sobre isso, ou concedem sérias e longas entrevistas sobre o novo normal, se estão realmente falando sério ou se estão se divertindo com a nossa ingenuidade. Já previram que chegará logo uma vacina e até quem vai ganhar a próxima eleição presidencial americana.

Quanto mais parecido com Nostradamus é o futurólogo, mais atenção passa a merecer da mídia que sente necessidade de mudar de assunto, porque ninguém mais aguenta tanta notícia igual. Mas o futuro real que nos espera é o tempo presente dos desempregados, das empresas fechadas, das contas públicas arrombadas, das novas corrupções viróticas. Um futuro com acusadoras perguntas sobre o passado: se tudo isso salvou vidas ou foi inútil. No ano passado, a média diária de mortes, segundo dados do Registro Civil, foi de 3.367; neste ano, com crescimento da população e a covid-19, pouco foi aumentada: 3.609 mortes por dia.

Vamos ter um futuro de julgamentos sobre o que passou
sobre o que poderia ter sido feito e não foi; 
e sobre o que se fez e que não deveria ter sido feito. 
Na França, famílias já estão entrando na Justiça para responsabilizar autoridades que teriam omitido tratamento na fase inicial da doença. Mesmo sem bola de cristal, é possível prever que esses últimos meses serão muito discutidos nos próximos. 
Resta saber se teremos aprendido alguma coisa para o futuro.

Alexandre Garcia, jornalista - Coluna no Correio Braziliense


quinta-feira, 21 de maio de 2020

Cloroquina nele! - Merval Pereira


O Globo

Sem estudos conclusivos

Nos anos 1970 chegou ao Brasil uma figura polêmica internacional, o futurólogo Herman Kahn, físico, matemático, escritor e estrategista militar, que trabalhou no projeto da Bomba H e foi consultor de diversos governos dos Estados Unidos. Considerado um gênio, dirigiu o Hudson Institute e foi da RAND Corporation. Obeso, seu peso de 150 quilos só era menor do que seu QI 200.

Foi o criador da tese da “destruição mútua assegurada”, MAD, que garantia que um ataque da União Soviética geraria uma reação da mesma proporção, base da estratégia dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Pois Herman Kahn chegou ao Brasil para expor um projeto chamado “Grandes Lagos”, percebido como um primeiro passo para a internacionalização da Amazônia tanto pela esquerda brasileira quanto pelos militares. Uma barragem no Baixo Amazonas transformaria a bacia amazônica em um lago gigante que desenvolveria o comércio com outros países, facilitando o transporte de minérios e outras commodities.

A revolta foi tamanha que uma foto sua saindo da piscina do Copacabana Palace, com aquele corpanzil, foi usada para um grande outdoor com as palavras: “Ciclamato nele!”. Foi um outdoor criado pelo publicitário Marcus Pereira. O jornal O Pasquim, à época, fez muitas críticas ao futurólogo americano. Naquele momento, pesquisas indicavam que o adoçante com ciclamato fazia mal à saúde. Hoje, Bolsonaro mereceria um meme com a frase: “Cloroquina nele!”. O protocolo para o uso da cloroquina desde os primeiros sinais da Covid-19, assinado pelo ministro interino da Saúde General Eduardo Pazuello sem a validação de médicos, [o protocolo apenas AUTORIZA o uso da cloroquina - o óbvio: AUTORIZAR  ≠ DETERMINAR;
O MÉDICO é quem prescreve a cloroquina - a decisão final é dele, médico, com a concordância do paciente ou, no seu impedimento, de familiares, mediante a assinatura de um termo de concordância e que apresenta todas os efeitos colaterais do medicamento.

Seria bem mais fácil para acabar com essa confusão de pode não pode, que os CRMs e/ou CFM proibisse os médicos de prescrever ou os autorizasse a tanto.]  pode ser considerado uma ameaça à saúde pública, e certamente será questionado nos tribunais, sobretudo no Supremo Tribunal Federal que, aliás, ontem começou a tomar posição sobre tema análogo, a Medida Provisória que busca isentar de culpa o agente público que cometer erros durante o período da pandemia. [qualquer intervenção do Poder Judiciário, no Brasil - que está sob o 'estado democrático de direito' - impedindo que um órgão governamental, no caso o Ministério da Saúde, AUTORIZE ou NÃO o uso de um medicamente específico,  por não possuir conhecimento científico e técnico será, salvo engano, um abuso de poder por parte do Poder Judiciário - estará agindo igual a quem comete um crime para impedir um criminoso que tenta cometer o mesmo crime.

Conforme mandamento constitucional os ministros do STF devem possuir notório saber jurídico, condição que com certeza absoluta não inclui conhecimentos técnicos e científicos pertinentes à medicina.

O STF deve ser menos vaidoso e seguir a máxima: 'cada um no seu quadrado', remetendo o assunto para o CFM decidir e se a decisão daquele Conselho for contestada judicialmente, caberá ao STM, ouvindo o CFM decidir - de preferência pelo plenário, evitando decisão monocrática, opção que permite às vaidades transbordarem.]  


Ao assinar o Termo de Ciência e Consentimento para uso da cloroquina no tratamento da Covid-19, o paciente confirma que sabe que o medicamento pode agravar sua condição clínica. Está lá escrito: Compreendi, portanto, que não existe garantia de resultados positivos, e que o medicamento proposto pode inclusive agravar minha condição clínica, pois não há estudos demonstrando benefícios clínicos.”
Se não há estudos conclusivos, e se o remédio, usado no combate da Covid-19, pode causar até morte, por que ampliar seu uso no serviço publico de saúde?. 
E como exigir de um paciente, ou de seu parente ou responsável, que não assuma esse risco quando está à beira da morte? [apesar de não confirmarem, um deles chegou a se exasperar na negativa, há  indícios de que os médicos Roberto Kalil e David Uip, ambos foram portadores da Covid-19, e se curaram em tempo recorde, com o uso da cloroquina.
Dúvidas na medicina sempre existirão, justificando ser dito que  "nada na medicina é definitivo', tornando o conclusivo sempre sujeito a novas conclusões.] 

Ontem, no inicio do julgamento da constitucionalidade da polêmica Medida Provisória que é vista como uma tentativa de livrar autoridades, sejam da área administrativa ou da saúde, em caso de fraudes em licitações como já ocorrem hoje, ou de erro médico na administração de remédios como a cloroquina, o relator do caso no STF, ministro Luís Roberto Barroso, deu o caminho que parece será seguido pela maioria.
Defendeu a punição para agentes públicos cujas decisões não sigam critérios científicos, ou não observem os princípios da precaução e da prevenção, tanto em relação à vida e à saúde da população quanto às decisões econômicas, como Barroso deixou claro ao ser questionado pelo ministro Ricardo Lewandowski.

O relator sugeriu, especialmente no que se refere à definição de “erros grosseiros”, os seguintes acréscimos à Medida Provisória, sem invalidá-la “1. Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado, por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção. 2. A autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades médicas e sanitárias, internacional e nacionalmente reconhecidas; e (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos”.  
A questão da cloroquina está bem encaminhada no Supremo Tribunal Federal, seguindo jurisprudência ditada por decisão da ministra Rosa Weber relativa ao uso do amianto.
Merval Pereira, jornalista - O Globo