A
condenação criminal dos quatro réus acusados pela morte de mais de
duzentas pessoas no incêndio da boate Kiss ,de Santa Maria/RS, há
cerca de nove anos atrás, sem dúvida merece algumas considerações
"extraordinárias" que fogem da simples ótica do Código Penal Brasleiro;
O
"dolo eventual" que o juri popular "inventou", acolhendo a tese da
promotoria pública para condenar os réus pelo lamentável episódio
ocorrido, em Santa Maria, dá no mesmo que iniciar uma "jurisprudência"
segundo a qual sempre deverá ser encontrado um responsável, por dolo, ou
dolo eventual,quando alguém decidir "andar na chuva e se
molhar",sofrendo algum dano físico ou material por essa atitude
livremente deliberada.
Portanto, a partir dessa decisão estúpida do referido juri, por enquanto
referendada pelos tribunais, não mais valerá o "act of Good", o caso
fortuito, nem a força maior, quando alguém resolver ir e se molhar na
chuva, ficando doente, ou morrendo, sem que haja a correspondente responsabilização criminal,e eventualmente civil,de um terceiro,ou de um
"alguém qualquer"..
Essas violentas mortes de
Santa Maria impactaram de forma muito profunda a emoção da
sociedade, tão mais fortemente na intensidade do relacionamento mais
direto, pessoal ou familiar, com alguma das vítimas do horroroso
incêndio.
Por outro lado foi uma hipocrisia
"cósmica" da sociedade,representada pelas pessoas do corpo de
jurados, condenar alguém por "culpas" que nenhuma, nenhuma mesmo, pessoa
deixa de ter nas suas rotinas diárias, mas que de, maneira geral não
tiveram o "azar" de causar danos a ninguém.Os réus não colocaram os frequentadores "à força" na casa noturna.Todos foram "expontâneamente"
"na chuva dispostos a se molhar"!!!
Essas
eventuais ausências das miudezas formais e meramente burocráticas que
inventaram para justificar a condenação dos réus, por "dolo
eventual", só poderiam ser explicadas em virtude da "sede-de-sangue" e
mesmo "vingança" injustificada da sociedade,reapresentada pelos jurados.na busca de um culpado a qualquer custo, mesmo que inexistente.
Tão
culpados quanto os quatro réus que foram condenados, são as próprias
vítimas, ou os seus responsáveis/representantes legais, que certamente
tinham plena consciência de que "quem vai na chuva pode se molhar". Resumidamente;
a culpa, o dolo, ou o dolo eventual pelas mortes das vítimas da boate
Kiss, de Santa Maria, é, ao mesmo tempo de TODOS e de NINGUÉM.
[Sugerimos Ler: o brilhante comentário do ilustre articulista, torna essencial a leitura "...em espasmos de exibicionismo ilegal,
oportunista e sem o menor risco quando se trata de punir os donos e
cantores de uma boate que pegou fogo, e são pobres diabos sem poder
nenhum. Na hora de punir ladrão poderoso anulam as penas até de réus
confessos, e autores de delações premiadas. ", contida no artigo Vale a pena viver do crime no Brasil - É permitido roubar - O Estado de S. Paulo.
A frase é consequência direta de uma decisão do ministro Fux, presidente do STF e que atropelou o STJ.]
É
a própria comunidade municipal, estadual, ou mesmo nacional, que escolhe
os seus representantes políticos, que são os maiores responsáveis pela
administração pública, os que devem colocar a mão no peito e ter a
humildade de reconhecer a "mea culpa" (também), ao invés da "comodidade" de
responsabilizar criminalmente os quatro "bodes expiatórios" do
incêndio da boate Kiss...
Sérgio Alves de Oliveira - Advogado e Sociólogo