Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador imperial. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador imperial. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Guerra Assimétrica na Ucrânia – O Mau Uso das Forças Blindadas Russas e o Preço das Táticas Obsoletas

DefesaNet

A CHAMADA GUERRA DA UCRÂNIA é uma guerra que apresenta muitos aspectos clássicos europeus, misturados a novas estratégias típicas do século XXI
Datar seu início é um desafio em si, porque não existem documentos públicos oficiais que estabeleçam quando a decisão de tomar território da Ucrânia foi tomada, se é que isso é possível determinar, dada a presença de forças especiais e de russos étnicos no território antes do conhecimento público das hostilidades.
 Como na maioria dos conflitos modernos, determinar o quando, onde justamente o Tempo é uma dimensão vital do conflito, é desafiador.
Ao se decidir impor um governo local submisso à antiga potência imperial, não seria uma forma de guerra, bastante antiga e familiar aos europeus? Ou se deveria considerar o início da ação das Forças Especiais russas na região leste do país?  
Ou a tomada da península da Criméia?
 
Ou mesmo a imposição velada do desarmamento nuclear unilateral, já abrindo caminho para uma futura invasão? 
Desta forma, este breve trabalho não tentará estabelecer data para o início histórico do conflito, que remonta de um passado longínquo que inclui historicamente dominação político-ideológica, genocídio, deslocamento de população e perda de vastas partes de território, somados à toda pletora de técnicas das operações especiais modernas. 
Portanto, quando este trabalho se referir ao “início” do conflito, estará apenas cobrindo os episódios referentes ao período iniciado em 24 de fevereiro de 2022 e se estendendo até a semana anterior de sua publicação. Caso o fato mencionado não esteja contido neste período, será feita uma menção explícita a isto.
 
QUANDO DO INÍCIO DESTA FASE ATUAL DO CONFLITO NA REGIÃO, muitos “experts” entenderam como sendo uma oportunidade de se estudar a real capacidade da Rússia de combater uma guerra moderna, nos termos entendidos no Ocidente. 
Ficando subentendido que não existe material primário (ordens do Estado Maior das partes em conflito, análises de Serviços Secretos etc) disponível, uma vez que todas as operações ocorridas são muito recentes e ainda estão sob manto de segredo de estado.
 
(...)
 
A determinação da defensiva ucraniana e sua capacidade de aceitar baixas sem entrar em colapso selam o destino da ofensiva inicial russa. Fogos de longo alcance sobre a área de suprimentos russos paralisam  o conflito, que degenera em ação sobre civis e guerra de propaganda. 
Se as forças russas não se revelaram capazes de apresentar flexibilidade sob pressão, um velho problema desde os tempos da Stavka, que se radicalizou na era soviética, também não foram um completo desastre. Porém, para além de suas tropas de elite, algumas graves deficiências surpreenderam e até o presente momento não tem explicação convincente.
 
A PRIMEIRA SURPRESA NAS FORMAÇÕES BLINDADAS RUSSAS foi a presença maciça dos veteranos T-72, ainda que reequipados e modernizados, liderando as formações russas
Esses carros de combate (CC), projetados nos anos 60 e fabricados até hoje em versões atualizadas, foi pensado como um CC simples e barato, para ser operado por 3 homens em um exército de conscritos. Seu preço inicial oscilava em torno de US$ 500.000, cerca de metade do valor dos modelos básicos ocidentais. 
Foi equipado com blindagem reativa e telêmetro laser. 
Seu canhão de 125 mm é considerado poderoso, mas o sistema de pontaria oferecido aos aliados fora do Pacto de Varsóvia e a munição eram de qualidade muito inferior, o que ficou desconhecido até o fim da URSS. Quando países como Polônia e Alemanha Oriental abriram seus arsenais para técnicos ocidentais, estes tiveram a amarga surpresa de descobrir que a performance da munição e aparelhos de pontaria do Pacto eram muito superiores, por exemplo, aos capturados no Iraque ou antes disso, pelos israelenses durante suas guerras contra vizinhos.De qualquer forma, a Rússia já dispunha do modelo T-90, porém relativamente poucos foram vistos na Ucrânia e o novo CC T-14 Armata, aparenta continuar ainda em desenvolvimento, não operacional. 

Figura 1 – T-14 Armata, o mais novo CC da Rússia. (Foto Eurasia Times)

O EMPREGO DE MATERIAL CONSIDERADO COMO NÃO SENDO DE ÚLTIMA GERAÇÃO não representa em si um problema. 
Israel venceu 3 guerras (48, 67 e 73) lutando contra vizinhos equipados com armas mais modernas e em maior número. 
Os alemães derrotaram franceses e ingleses em 1940 equipados com material terrestre inferior. O que se impõe no campo de batalha é a Doutrina, treinamento e motivação das tropas, associado à logística e a manutenção.

(...)

Figura 2 – Carro de combate T-72 B3, versão mais moderna deste veículo, usado na invasão da Ucrânia. (Foto Agência TASS).

(...) 

a) Deslocamentos em colunas por estradas. Basicamente centenas de CCs foram destruídos em esquinas, entroncamentos, curvas e outros pontos facilmente identificáveis em qualquer carta topográfica
Estes pontos são facilmente batidos por fogos de artilharia e que a opção russa por não se deslocar fora da estrada (atribui-se ao tipo de solo, mas essa explicação parece não se justificar em áreas urbanas) tornou muito fácil a missão da artilharia ucraniana. Embora a narrativa ocidental tenha atribuído as mudanças nos ventos da guerra às armas anticarro, na verdade, foram as duas brigadas de artilharia ucranianas que salvaram o país da derrota e pararam o ataque o russo às portas de Kiev (agora Kyiv) Embora, não se possa reduzir o efeito destas armas como imobilizadoras de colunas, nem como armas de propaganda. 
Mas o fato é que tropas que se deslocam por estradas, rodovias ou caminhos claramente usados pela população em geral, serão facilmente atingidos pelo fogo adversário. Normalmente tropas com baixo nível de treinamento preferem a “segurança” das estradas, onde as viaturas não atolam ou as frações não se perdem no terreno. 
 A contrapartida é a facilidade com que são localizados e caem em emboscadas.

Foto 3 – CC destruído em estrada ucraniana. Notar uma “inocente” placa de trânsito, que na verdade serve como referência para emboscada. (Foto Reuters)

b) Ausência de Infantaria. Um dos paradigmas originais da guerra blindada, desde de sua concepção moderna na 2ª Guerra Mundial, tem sido o combinado Infantaria – Carro. Binômio este que foi expandido em anos recentes para incluir elementos de Engenharia de Combate, de forma a não permitir a paralisia da Força Tarefa. 
Isso não quer dizer que não exista infantaria russa. 
Apenas que não existe proteção de Infantaria aos CCs russos que são atingidos a curtas distâncias por armas anticarro sem que o operador seja molestado pelos GCs desembarcados que deveriam estar varrendo todo o entorno da coluna. Na verdade, muitas vezes, os poucos infantes observados estão sentados no topo de VBTPs que seguem atrás dos CCs em fila indiana. 
Em outros casos os CBTPs se encontravam sem tropas embarcadas, apenas com sua guarnição de operação do carro. 
É possível especular que isso se devesse ao fogo da artilharia ucraniana, o que causaria eventuais baixas pesadas. 
Mas por outro a ausência da infantaria russa expôs a tropa blindada à destruição por mísseis e rojões em proporções exageradas.

Figura 4 – CC russo T-72 destruído na Ucrânia. A presença de blindagem reativa (ERA) teve efeito mínimo na proteção dos carros.

Figura 8 – Leopard 2A4 polonês, um dos possíveis CCs a serem doados aos ucranianos.
(Foto Reddit)

Um aspecto que não pode ser desprezado é o fato de que a profusão de fontes e modelos de material bélico podem atrapalhar o esforço ucraniano, fazendo com que líderes militares contem com material que podem não estar disponível por questões logísticas diversas, como possível falta de material e equipamentos de apoio (vide caso dos Challengers), confusão nas cadeias logísticas no campo, ou simplesmente falta de conhecimento suficiente para mantê-los em funcionamento.

AS CONCLUSÕES PARCIAIS DESTE INÍCIO DE CONFLITO devem ser lidas com muita cautela, posto que ainda estão muito turvas pela névoa da guerra em andamento e são possivelmente contaminadas pela maciça campanha de desinformação realizada pelos dois lados em luta e seus aliados. Ainda assim algumas observações podem ser listadas e posteriormente verificadas, quando do acesso à documentação primária e outras fontes como serviços de inteligência e grupos profissionais de análise de conflitos. Assim sendo temos que:

a) A fase inicial do ataque russo foi executada com relativo sucesso, mas a campanha falhou em atingir seu objetivo, a tomada em 10 dias de Kiev e consequente rendição da Ucrânia. A falta de flexibilidade tática foi desastrosa, expondo as tropas russas a perdas incompatíveis com a capacidade inicial do inimigo.

b) As perdas materiais russas foram exorbitantes, mesmo para uma campanha de grande porte e convencional como esta. A perda de cerca de 1/3 da frota de CCs da Federação Russa torna a possibilidade de novas grandes ofensivas cada vez menor.

c) A artilharia ucraniana foi a grande responsável pelas perdas materiais e humanas russas, em que pese o “glamour” das novas armas anticarro e as baixas substanciais causadas por estas armas. O deslocamento preferencial por estradas  facilitou bastante este fato.

(...)

Eduardo Atem de Carvalho, PhD
Universidade Estadual do Norte Fluminense

Rogerio Atem de Carvalho, DSc
Instituto Federal Fluminense

 Notícia  - DefesaNet - ÍNTEGRA DA MATÉRIA

 


domingo, 8 de outubro de 2017

STF moderador, ou imperial?


Se ele for considerado acima dos outros Poderes, teremos 11 mandarins onipotentes

[decisões tomadas por alguns ministros do STF, já tornam a Suprema Corte um 'poder imperial' - torná-lo MODERADOR, será reduzir o PODER ABSOLUTO que hoje alguns ministros julgam possuir.

A persistir essa situação absurda, logo teremos um PODER MODERADOR, superior aos três inscritos atualmente na Constituição, e cuja função primeira será MODERAR o Supremo.]

Nas guerrilhas praticadas pelos Poderes nacionais, analistas indicam o Supremo Tribunal Federal (STF) como força moderadora a ser usada em proveito do Estado. Em debate na televisão e em artigo aqui publicado, o dr. Carlos Velloso invocou aquele alvo do Supremo (Uma decisão surpreendente). Aceito as razões do prudente especialista, mas noto algo que não pode ser demoradamente discutido, pois a mídia é focada no hic et nunc. Trata-se do caráter atribuído à forma moderadora da Suprema Corte, iniciativa cuja origem vem de Benjamin Constant. Aquele liberal assistiu ao abuso do Poder Legislativo durante a Revolução Francesa – o que levou à ditadura jacobina – e seguiu o arbítrio do Poder Executivo, sob Napoleão. Para evitar hegemonias desastrosas no Estado, o teórico francês imaginou um sistema de freios que designou como Poder Moderador.

O referido poder deveria agir em defesa das instituições estatais, cuja garantia se encontra na guarda da Constituição. Os estudiosos conhecem as vertentes opostas no século 20 sobre o tema, Hans Kelsen e a tese de uma Corte constitucional como zeladora da Carta Magna e Carl Schmitt, que atribui tal múnus ao presidente do Reich. Existe algo em comum nas proposições: a moderação marcaria um Poder neutro, não superior ou inferior aos demais. A fonte comum da doutrina também se localiza em Benjamin Constant. O rei seria capaz de moderar os Poderes por representar uma potência neutra. No Curso de Política Constitucional (1818-1820) o monarca garante o equilíbrio e a independência dos setores, em caso de choques. “Os poderes políticos”, diz ele, “tal como os conhecemos até hoje, o Executivo, o Legislativo e Judiciário, são três molas que devem cooperar, cada uma em sua parte, para o movimento geral; mas quando aquelas molas desajustadas se cruzam, se entrechocam e se entravam, é preciso uma força que as coloque em seu lugar. Tal força não pode residir numa das molas, pois serviria para destruir as outras; é preciso que ela seja externa, neutra, de algum modo, para que sua operação seja preservadora e reparadora, sem ser hostil. O rei está no meio dos três Poderes, autoridade neutra e intermediária, sem nenhum interesse em desmontar o equilíbrio e tendo, ao contrário, todo o interesse em mantê-lo.” Notemos o sabor mecânico do trecho, inspirado no relógio posto por Hobbes, no Leviatã, para o controle geral do Estado.

O Império brasileiro traiu a proposta do teórico francês. Na gênese do nosso Estado o conflito dos Poderes foi “resolvido” e, ao mesmo tempo, afastadas as ameaças da soberania popular, afirmada nas Revoluções Inglesa, Norte-americana, Francesa: o Poder Moderador cumpriu esse papel. Segundo o nada liberal Guizot, “toda atribuição de soberania de direito a uma força humana qualquer é radicalmente falsa e perigosa. Donde a necessidade da limitação de todos os Poderes, quaisquer que sejam seus nomes e formas; daí a radical ilegitimidade de todo poder absoluto, qualquer que seja a sua origem, conquista, herança ou eleição”. Segue Guizot: “Abri o livro em que o sr. Benjamin Constant tão engenhosamente representou a realeza como Poder neutro, moderador, elevado acima dos acidentes, das lutas sociais, e que só age nas grandes crises. Esta não seria, por assim dizer, a atitude do soberano de direito no governo? É preciso que haja na ideia algo próprio a mover os espíritos, pois ela passou com uma rapidez singular dos livros para os fatos. Um soberano dela fez, na Constituição do Brasil, a base de seu trono; a realeza é representada como Poder Moderador elevado acima dos Poderes ativos, com espectador e juiz”.

Foi lançada por Guizot a palavra perigosa, “acima”, vocábulo inexistente no argumento liberal. Vejamos a Constituição de 1824. Dom Pedro, “por graça de Deus”, exerce o Poder Moderador, “chave de toda organização política” e delegado privativamente ao príncipe, cuja pessoa é inviolável e sagrada, não sujeita a responsabilidade alguma. Nada é dito sobre a neutralidade daquele Poder. Os pontos seguintes definem seu âmbito de ação sobre todo o mecanismo estatal. De modo dissimulado renasce o absolutismo da monarquia, incluindo aí a irresponsabilidade, negação da accountability democrática instaurada nas Revoluções Inglesa, Norte-americana, Francesa. Bem ao contrário do ideado pelo jurista francês, o lado moderador é posto acima dos demais Poderes, não sendo definido como neutro.

Muito se idealizou o tal mando ao longo da história política nacional. Mesmo figuras venerandas, como o cardeal Arns, um democrata sem jaça, em instantes de perigo evocou o papel do Exército como Poder Moderador. Em entrevista coletiva, na posse do bispo de Barretos, presente o general Gustavo Moraes Rego Reis, disse o prelado: “Os militares devem ter uma saída honrosa. O Exército deve ser a salvaguarda da Constituição. Deve ser o Poder Moderador do Brasil. Nós todos temos um respeito enorme por aqueles que oferecem sua vida por nós. Mas também achamos que é hora da democracia, a hora da volta ao Estado de Direito”. O ideário evocado pelo grande antístite em 1974 regulava muitas mentes, da militar à universitária, como na exposição do brasilianista Alfred Stepan.

Ao atribuir ao Supremo a função de Poder Moderador, muito deve ser posto na balança, tendo em vista a gênese de nosso Estado. Existem coisas que, por não terem sido conhecidas, ressurgem hoje ou amanhã. Se o STF for considerado “moderador” acima dos outros Poderes, temos o retorno, sob outro nome, da desastrosa prática imperial. Em vez de um monarca, teremos 11 mandarins onipotentes. Se as Forças Armadas assumem o papel de “moderar” o País, elas sofrem divisões que novamente as enfraquecerão, interna e extra corporis. Mas para pensar é preciso lento estudo, cautelosa reflexão, elementos que faltam hoje na mídia, nas universidades, nos partidos e nas igrejas. Da pressa vem o fechamento das portas políticas, as fáceis soluções da força física ou demagógica, da ditadura em lugar da política.
Por: Roberto Romano, publicado em O Estado de S. Paulo