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sexta-feira, 1 de setembro de 2023

O comunismo que "não existe" em Cuba, Venezuela e Coreia do Norte - Paulo Henrique Araujo

 A nova tendência dos agrupamentos marxistas brasileiros é negar a existência do comunismo e as suas ramificações em diversos países.

Segundo estes, a Venezuela não é socialista, Fidel Castro jamais foi comunista, a Coreia do Norte é vítima de desinformação ocidental, a China utiliza o comunismo como um agregador puramente histórico (COMO ASSIM?), a Rússia é um bastião histórico de luta pelas tradições espirituais e do cristianismo.

A verdade estratégica por trás disto é relativamente fácil de identificar: sendo o comunismo-socialismo uma doutrina baseada na sua maior parte na FILOSOFIA marxista que se adaptam as necessidades culturais e temporais de cada nação, criando assim fragmentações diversas e tensões internas no que compõe a totalidade da máquina revolucionária.

Um bom e atual exemplo disto é a dicotomia de superfície que existe entre os "comunistas clássicos" (herdeiros das diretrizes e profundidades das três primeiras internacionais e posteriormente do pacto de Varsóvia), contra os "socialistas frankfurtianos", que utilizam a já famigerada Revolução Sexual, que explodiu em paixão revolucionária no maio de 1968 em Paris (que hoje está sendo lavada e até mesmo auxiliada pelos conservadores que a descobriu como "cultura Woke").

Este processo encontra terreno fértil no Brasil, pois o despertar político eleitoral acabou de completar uma década, mas este foi baseado quase que unicamente pela inconformidade econômica e pela aparente corrupção executada pelas diversas células revolucionárias - Note que, mesmo quando citado os mais diversos problemas e crimes do Foro de São Paulo, somente aqueles de cunho monetário, ou seja, corrupção, são os que geram verdadeira indignação – espalhadas em todos o continente.

Uma sociedade, como a brasileira, que foi vítima da hegemonia marxista nas suas mais diversas vertentes, está pronta para ser subvertida com os gatilhos certos e as simplificações mais basilares, planificando o terreno para a implementação de uma nova hegemonia revolucionária, afinal, ao contrário do que a "direita" crê como um fato absoluto, quando a "esquerda" se divide ela não perde força, mas aumenta o seu raio de atuação nos mais diversos campos de ação, criando diversos satélites que irão difundir e aprofundar suas doutrinas e a fé revolucionária.

Transformar regimes ditatoriais, autocracias e democracias de fachadas, alimentadas em seu âmago pela Filosofia Marxista, em vítimas inocentes obrigadas a adotar este caminho para sobreviver é a "nova onda do verão". Talvez o caro leitor pode pensar neste momento: "Mas isto não chega no povão", ledo engano... pois o papel da classe intelectual, principalmente a revolucionária, é estabelecer as diretrizes do debate, subverter ao máximo os suscetíveis às suas ideais e influenciar o debate público através dos intelectuais orgânicos gramscianos nas redes sociais, canais de YouTube, mídia de médio porte, universidades e afins. Nos últimos dois anos esta estratégia tem dado muito certo e avançado para a destruição por dentro dos movimentos de combate contra-revolucionários, colhendo frutos principalmente no Brasil, Estados Unidos e França, onde viciados em "verdades ocultas da NOM", acreditam nas mais diversas histórias, meias verdades, simplificações e enquadramentos políticos, diplomáticos e históricos.

Não existe caminho fácil, não existe conhecimento profundo adquirido em thread do twitter, não existe formação em vídeo de 15 minutos no YouTube que irá lhe proteger de tais influências. Somente um programa de estudos sérios, abstinência de opinião sobre assuntos que não domina, acompanhados de muita oração é que lhe darão o suporte mínimo para compreender e enfrentar tudo isso.

Idem vele et idem nolle.

Conservadores e liberais

Reproduzido do perfil do autor no Twitter.

 

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Guerra Assimétrica na Ucrânia – O Mau Uso das Forças Blindadas Russas e o Preço das Táticas Obsoletas

DefesaNet

A CHAMADA GUERRA DA UCRÂNIA é uma guerra que apresenta muitos aspectos clássicos europeus, misturados a novas estratégias típicas do século XXI
Datar seu início é um desafio em si, porque não existem documentos públicos oficiais que estabeleçam quando a decisão de tomar território da Ucrânia foi tomada, se é que isso é possível determinar, dada a presença de forças especiais e de russos étnicos no território antes do conhecimento público das hostilidades.
 Como na maioria dos conflitos modernos, determinar o quando, onde justamente o Tempo é uma dimensão vital do conflito, é desafiador.
Ao se decidir impor um governo local submisso à antiga potência imperial, não seria uma forma de guerra, bastante antiga e familiar aos europeus? Ou se deveria considerar o início da ação das Forças Especiais russas na região leste do país?  
Ou a tomada da península da Criméia?
 
Ou mesmo a imposição velada do desarmamento nuclear unilateral, já abrindo caminho para uma futura invasão? 
Desta forma, este breve trabalho não tentará estabelecer data para o início histórico do conflito, que remonta de um passado longínquo que inclui historicamente dominação político-ideológica, genocídio, deslocamento de população e perda de vastas partes de território, somados à toda pletora de técnicas das operações especiais modernas. 
Portanto, quando este trabalho se referir ao “início” do conflito, estará apenas cobrindo os episódios referentes ao período iniciado em 24 de fevereiro de 2022 e se estendendo até a semana anterior de sua publicação. Caso o fato mencionado não esteja contido neste período, será feita uma menção explícita a isto.
 
QUANDO DO INÍCIO DESTA FASE ATUAL DO CONFLITO NA REGIÃO, muitos “experts” entenderam como sendo uma oportunidade de se estudar a real capacidade da Rússia de combater uma guerra moderna, nos termos entendidos no Ocidente. 
Ficando subentendido que não existe material primário (ordens do Estado Maior das partes em conflito, análises de Serviços Secretos etc) disponível, uma vez que todas as operações ocorridas são muito recentes e ainda estão sob manto de segredo de estado.
 
(...)
 
A determinação da defensiva ucraniana e sua capacidade de aceitar baixas sem entrar em colapso selam o destino da ofensiva inicial russa. Fogos de longo alcance sobre a área de suprimentos russos paralisam  o conflito, que degenera em ação sobre civis e guerra de propaganda. 
Se as forças russas não se revelaram capazes de apresentar flexibilidade sob pressão, um velho problema desde os tempos da Stavka, que se radicalizou na era soviética, também não foram um completo desastre. Porém, para além de suas tropas de elite, algumas graves deficiências surpreenderam e até o presente momento não tem explicação convincente.
 
A PRIMEIRA SURPRESA NAS FORMAÇÕES BLINDADAS RUSSAS foi a presença maciça dos veteranos T-72, ainda que reequipados e modernizados, liderando as formações russas
Esses carros de combate (CC), projetados nos anos 60 e fabricados até hoje em versões atualizadas, foi pensado como um CC simples e barato, para ser operado por 3 homens em um exército de conscritos. Seu preço inicial oscilava em torno de US$ 500.000, cerca de metade do valor dos modelos básicos ocidentais. 
Foi equipado com blindagem reativa e telêmetro laser. 
Seu canhão de 125 mm é considerado poderoso, mas o sistema de pontaria oferecido aos aliados fora do Pacto de Varsóvia e a munição eram de qualidade muito inferior, o que ficou desconhecido até o fim da URSS. Quando países como Polônia e Alemanha Oriental abriram seus arsenais para técnicos ocidentais, estes tiveram a amarga surpresa de descobrir que a performance da munição e aparelhos de pontaria do Pacto eram muito superiores, por exemplo, aos capturados no Iraque ou antes disso, pelos israelenses durante suas guerras contra vizinhos.De qualquer forma, a Rússia já dispunha do modelo T-90, porém relativamente poucos foram vistos na Ucrânia e o novo CC T-14 Armata, aparenta continuar ainda em desenvolvimento, não operacional. 

Figura 1 – T-14 Armata, o mais novo CC da Rússia. (Foto Eurasia Times)

O EMPREGO DE MATERIAL CONSIDERADO COMO NÃO SENDO DE ÚLTIMA GERAÇÃO não representa em si um problema. 
Israel venceu 3 guerras (48, 67 e 73) lutando contra vizinhos equipados com armas mais modernas e em maior número. 
Os alemães derrotaram franceses e ingleses em 1940 equipados com material terrestre inferior. O que se impõe no campo de batalha é a Doutrina, treinamento e motivação das tropas, associado à logística e a manutenção.

(...)

Figura 2 – Carro de combate T-72 B3, versão mais moderna deste veículo, usado na invasão da Ucrânia. (Foto Agência TASS).

(...) 

a) Deslocamentos em colunas por estradas. Basicamente centenas de CCs foram destruídos em esquinas, entroncamentos, curvas e outros pontos facilmente identificáveis em qualquer carta topográfica
Estes pontos são facilmente batidos por fogos de artilharia e que a opção russa por não se deslocar fora da estrada (atribui-se ao tipo de solo, mas essa explicação parece não se justificar em áreas urbanas) tornou muito fácil a missão da artilharia ucraniana. Embora a narrativa ocidental tenha atribuído as mudanças nos ventos da guerra às armas anticarro, na verdade, foram as duas brigadas de artilharia ucranianas que salvaram o país da derrota e pararam o ataque o russo às portas de Kiev (agora Kyiv) Embora, não se possa reduzir o efeito destas armas como imobilizadoras de colunas, nem como armas de propaganda. 
Mas o fato é que tropas que se deslocam por estradas, rodovias ou caminhos claramente usados pela população em geral, serão facilmente atingidos pelo fogo adversário. Normalmente tropas com baixo nível de treinamento preferem a “segurança” das estradas, onde as viaturas não atolam ou as frações não se perdem no terreno. 
 A contrapartida é a facilidade com que são localizados e caem em emboscadas.

Foto 3 – CC destruído em estrada ucraniana. Notar uma “inocente” placa de trânsito, que na verdade serve como referência para emboscada. (Foto Reuters)

b) Ausência de Infantaria. Um dos paradigmas originais da guerra blindada, desde de sua concepção moderna na 2ª Guerra Mundial, tem sido o combinado Infantaria – Carro. Binômio este que foi expandido em anos recentes para incluir elementos de Engenharia de Combate, de forma a não permitir a paralisia da Força Tarefa. 
Isso não quer dizer que não exista infantaria russa. 
Apenas que não existe proteção de Infantaria aos CCs russos que são atingidos a curtas distâncias por armas anticarro sem que o operador seja molestado pelos GCs desembarcados que deveriam estar varrendo todo o entorno da coluna. Na verdade, muitas vezes, os poucos infantes observados estão sentados no topo de VBTPs que seguem atrás dos CCs em fila indiana. 
Em outros casos os CBTPs se encontravam sem tropas embarcadas, apenas com sua guarnição de operação do carro. 
É possível especular que isso se devesse ao fogo da artilharia ucraniana, o que causaria eventuais baixas pesadas. 
Mas por outro a ausência da infantaria russa expôs a tropa blindada à destruição por mísseis e rojões em proporções exageradas.

Figura 4 – CC russo T-72 destruído na Ucrânia. A presença de blindagem reativa (ERA) teve efeito mínimo na proteção dos carros.

Figura 8 – Leopard 2A4 polonês, um dos possíveis CCs a serem doados aos ucranianos.
(Foto Reddit)

Um aspecto que não pode ser desprezado é o fato de que a profusão de fontes e modelos de material bélico podem atrapalhar o esforço ucraniano, fazendo com que líderes militares contem com material que podem não estar disponível por questões logísticas diversas, como possível falta de material e equipamentos de apoio (vide caso dos Challengers), confusão nas cadeias logísticas no campo, ou simplesmente falta de conhecimento suficiente para mantê-los em funcionamento.

AS CONCLUSÕES PARCIAIS DESTE INÍCIO DE CONFLITO devem ser lidas com muita cautela, posto que ainda estão muito turvas pela névoa da guerra em andamento e são possivelmente contaminadas pela maciça campanha de desinformação realizada pelos dois lados em luta e seus aliados. Ainda assim algumas observações podem ser listadas e posteriormente verificadas, quando do acesso à documentação primária e outras fontes como serviços de inteligência e grupos profissionais de análise de conflitos. Assim sendo temos que:

a) A fase inicial do ataque russo foi executada com relativo sucesso, mas a campanha falhou em atingir seu objetivo, a tomada em 10 dias de Kiev e consequente rendição da Ucrânia. A falta de flexibilidade tática foi desastrosa, expondo as tropas russas a perdas incompatíveis com a capacidade inicial do inimigo.

b) As perdas materiais russas foram exorbitantes, mesmo para uma campanha de grande porte e convencional como esta. A perda de cerca de 1/3 da frota de CCs da Federação Russa torna a possibilidade de novas grandes ofensivas cada vez menor.

c) A artilharia ucraniana foi a grande responsável pelas perdas materiais e humanas russas, em que pese o “glamour” das novas armas anticarro e as baixas substanciais causadas por estas armas. O deslocamento preferencial por estradas  facilitou bastante este fato.

(...)

Eduardo Atem de Carvalho, PhD
Universidade Estadual do Norte Fluminense

Rogerio Atem de Carvalho, DSc
Instituto Federal Fluminense

 Notícia  - DefesaNet - ÍNTEGRA DA MATÉRIA

 


sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Viver perigosamente - Percival Puggina

Minha geração viveu a inteira experiência da Guerra Fria. Conflito Leste-Oeste, Organização do Tratado do Atlântico Norte versus Pacto de Varsóvia, armamento nuclear abarrotando arsenais em quantidade suficiente para destruir o planeta várias vezes, corrida espacial. Minha geração viveu décadas com medo da “bomba”. Por fim, a estrepitosa queda do Muro de Berlim e a extinção da URSS. Ao mesmo tempo em que isso acontecia no lado visível do palco, no bastidor os derrotados se infiltravam tomando o controle dos meios culturais do Ocidente e agindo no sentido de destruir a cultura e os valores que se haviam revelado vencedores. Deu muito certo.

No Brasil não foi diferente
. O processo constituinte de 1987/88 abriu o caminho para os derrotados pelo regime militar chegarem ao poder. Os meios culturais já estavam dominados de tal forma que, enquanto a caneta aparelhava as instituições, os recursos da União financiavam os meios de influência. Como resultado, passou-se a viver perigosamente no Brasil, com um nível de insegurança de nações em guerra. Mas isso não importa aos poderes da República. Só condutas que possam ser identificadas como politicamente incorretas suscitam a fúria das Cortes. Para tudo mais vige o estímulo da impunidade.

Quem tem um STF e um Congresso Nacional com a atual configuração de forças não precisa do Partido Comunista da China para difundir insegurança à população. Conseguimos perfeitamente bem protagonizar nossos próprios medos e custear o conforto de quem lhes dá causa. Não contentes com a carnificina, os assaltos, sequestros, estupros e furtos do quotidiano, nossos ministros do Supremo libertam as forças do mal soltando bandidos perigosos. Para fazer isso com a consciência tranquila e dormirem bem à noite, no dizer vaidoso de Marco Aurélio Mello, concedem-lhes habeas corpus às centenas “sem olhar a capa dos processos”. Perfeito! Adotam o princípio rotariano de fazer o bem sem olhar a quem. Sei, sei. “Impunidade”, este é o nome do jogo, que também se poderia chamar “Como produzir mais vítimas com o mesmo contingente de bandidos”.

Nosso Senado Federal é formado por 81 senadores com a prerrogativa constitucional de pôr fim a esse escárnio, contanto que o queira. No entanto, não se consegue mais de vinte e poucas assinaturas para qualquer ação efetiva de legislar em favor da sociedade e contra o crime. Setenta e cinco por cento dos senadores querem tudo exatamente como está, com todas as garantias e chicanas para criminosos que, não raro, são eles mesmos. Aliás, quando o Congresso Nacional legisla para abrandar o Código Penal e embutir, contra o interesse da população, mais alguma treta no Código de Processo Penal, ele comete o ato moralmente reprovável de legislar em benefício próprio. Não há como não pensar nisso. Aliás, nenhum parlamento de país democrático considera tal prática compatível com a dignidade do poder.

É nesse perigoso contexto que a República Popular da China vem se aproximando do Brasil, cheia de amor para dar. Fora do Partido Comunista da China (PCC), ninguém no mundo confia no Partido Comunista da China. O Brasil, no entanto, esteve a um passo de disponibilizar a vacina chinesa contra o vírus que, oriundo de lá, fez enorme estrago nos sistemas de saúde pública e na economia mundial. Felizmente, o presidente transferiu para a Anvisa a responsabilidade de aprová-la ou não. [cabe registrar que AINDA NÃO EXISTE NENHUMA VACINA].

Por outro lado, a tecnologia 5G está determinando uma disputa entre EUA e China que está sendo comparada pela diplomacia brasileira com episódios comuns ao tempo da Guerra Fria. Multiforme, ela volta, repaginada, em versão sino-americana, com acirrada disputa pela supremacia econômica e tecnológica. Há sempre um lado totalitário assombrando o planeta. Comunismo, globalismo, terrorismo são enfermidades morais que só a democracia consegue sanar.[a verdadeira democracia e não a vigente no Brasil que está assentada no tão decantado 'estado democrático de direito' = usa os meios fornecidos pela democracia, para suprimir direitos fornecidos pela mesma democracia.

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.


domingo, 4 de agosto de 2019

Existe uma campanha internacional contra o Brasil para atacar o governo, diz Mourão - O Globo

Eliane Oliveira

Ser aliado dos EUA extra-Otan não tem nada a ver com ideologia, diz Mourão

Vice-presidente, que alega haver uma campanha internacional contra o Brasil, defende uma visão pragmática em relação aos países vizinhos e com os EUA

Em entrevista ao GLOBO, o vice-presidente Hamilton Mourão defende uma posição pragmática e flexível do Brasil na relação com todos os países, independentemente do sistema político. Ele alega que o governo brasileiro é alvo de uma campanha internacional, supostamente fomentada por grupos que perderam a eleição, no ano passado, para o presidente Jair Bolsonaro . Para o general, que foi adido militar na Venezuela quando o país tinha como presidente Hugo Chávez e, recentemente, escreveu o prefácio do livro "Como destruir um país", de Marcelo Suano, existe uma receita que garante a manutenção do líder chavista Nicolás Maduro no poder: oposição desunida, militares doutrinados, empresários corruptos, medo e repressão. 

Na sua opinião, o que mantém Nicolás Maduro no poder? 
Ao longo de todo esse período do chavismo, a oposição adotou estratégias totalmente erradas. Deixou de participar de eleições e, só nos últimos tempos, passou a ter voz junto à comunidade internacional. A oposição venezuelana está desunida. E aí entra o núcleo desse governo venezuelano, que são as Forças Armadas. As dissidências que têm ocorrido no âmbito são muito pequenas para que haja, efetivamente, um racha lá dentro. Há um processo de doutrinação das Forças Armadas, que começou nas décadas de 1960 a 1970. Chávez foi instrutor de um grande número de cadetes na academia militar, e posteriormente elevou essas pessoas a cargos importantes e as manteve. Por outro lado, temos a questão dos cubanos, que controlam o sistema de inteligência e as milícias. Com isso, exercem uma pressão pelo medo em cima das famílias daqueles militares que poderiam se opor ao governo. E a classe empresarial venezuelana saiu do país. Os poucos que ficaram resolveram aproveitar a corrupção do regime para enriquecer. Esse somatório mantém Maduro no poder, a começar pelo medo e a repressão. É só você ver o relatório da Michelle Bachelet (comissária de direitos humanos da ONU), que mostra que, nos últimos dois anos, em torno de 6.500 pessoas foram mortas pelo regime, fora a quantidade de presos torturados. Existe uma repressão forte ocorrendo lá. 

Há uma clara e pública torcida do presidente Jair Bolsonaro pela vitória de Maurício Macri na eleição da Argentina, em outubro deste ano. 
E se a chapa que tem Cristina Kirchner como candidata a vice vencer, como ficam as relações entre os governos brasileiro e argentino?
A relação tem de ser de Estado para Estado, independentemente do governo de turno. Há objetivos comuns dos dois países, que são ligados à área comercial, como o acordo com a União Europeia e outro que pode ser assinado com os Estados Unidos e beneficiará todo o Mercosul. É óbvio que a reeleição do Macri daria um caráter mais pessoal ao relacionamento, mas esse relacionamento tem de ser mantido. 

Isso também se aplica aos Estados Unidos, na hipótese de Donald Trump não ser reeleito ano que vem? 
Sim. A posição brasileira tem que ser pragmática e flexível. Temos que buscar o melhor para o Brasil, com relações que resultem em ganhos para ambos os lados, e entender para onde o vento está indo em determinado momento para acompanhá-lo.

Os Estados Unidos deram ao Brasil o status de aliado preferencial extra-Otan. O que isso significa? 
O Brasil ficar preso ao fornecimento de armas para os EUA, ou amarrado à estratégia militar americana na região?
Não tem nada a ver. A Organização do Tratado do Atlântico Norte ( Otan ) nasceu para se contrapor ao Pacto de Varsóvia na defesa da Europa, e os EUA apareceram como fiadores dessa defesa. A nossa parte está muito mais ligada à área comercial, de produtos de defesa. Nosso material estará dentro dessa catalogação internacional da Otan e, ao mesmo tempo, teremos acesso a um mercado maior e a condições melhores na compra de armamento. Hoje, temos muitas compras pelo [programa americano] Foreign Military Sales, o FMS. Os americanos têm muito material excedente que serve para nós e são adquiridas pelo Exército, pela Marinha e pela Força Aérea.

(...)
A pouca idade do deputado Eduardo Bolsonaro, além de ser filho do presidente da República, não o descredencia a assumir a embaixada do Brasil em Washington? 
Ele está dentro das condições que a nossa legislação prevê para as pessoas que não são da carreira diplomática. Uma elas é a idade mínima de 35 anos. Esta é uma escolha pessoal do presidente da República, que julga que a presença do filho como embaixador nos EUA , pelas ligações que possui com a família do atual presidente, irão facilitar o relacionamento entre os dois países. 

(...)
Recentemente, houve um problema com dois navios iranianos, que só conseguiram ser abastecidos pela Petrobras e voltar ao Irã graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal. 
E a estatal brasileira ainda corre o risco de sofrer sanções. O senhor considera o Irã um parceiro comercial importante para o Brasil? 
Nós temos um fluxo comercial com o Irã que está muito centrado na venda de alimentos, como milho e proteína animal, que são produtos que não estão dentro das sanções dos americanos. A questão principal que houve em relação aos navios era a importação de ureia, que usamos para defensivos agrícolas, mas que também pode ser utilizada na fabricação de explosivos. Nós vamos continuar negociando com o Irã dentro desse pacote que já temos. Nosso fluxo comercial está na faixa de U$ 4 bilhões a US$ 5 bilhões por ano. Não é um baita fluxo, mas é um número interessante. 

O Brasil tem recebido críticas no exterior por causa de sua postura em relação ao meio ambiente, direitos humanos e outros fatores. O que dizer sobre isso?
Existe uma campanha internacional contra o Brasil, fomentada daqui de dentro mesmo por aqueles que perderam a eleição e que usam suas conexões, principalmente nos países europeus, para atacar o governo do presidente Jair Bolsonaro. A questão do desmatamento temos que combater, não tenha a mínima dúvida, e sabemos que o problema está concentrado no Sudeste do Pará, onde a penetração de rodovias atrai todo tipo de aventureiro, garimpeiro, grileiro e é uma área de conflito. Tanto que as próprias Forças Armadas já estiveram operando lá várias vezes para apoiar as ações do Ibama.

(...)

O senhor acredita no aquecimento global? 
Não tenho dúvida que a temperatura da Terra mudou. O que eu coloco sempre em discussão, e falo isso em todos os lugares aonde vou, é se isso veio para ficar ou é mais uma das sazonalidades que a vida na Terra já enfrentou. Agora, o Brasil não é o culpado do aquecimento global. Muito pelo contrário. Nossa matriz energética é 85%, 86% de energia limpa e renovável, enquanto o resto do mundo tem apenas 25%. Então, o resto do mundo queima petróleo, queima carvão para se aquecer, para produzir, e quer botar a culpa em cima do Brasil? Não pode ser assim. [essa foi no centro do alvo;
os países desenvolvidos destruíram suas florestas, acabaram com o meio ambiente e agora querem conter o desenvolvimento do Brasil, impedindo que o Brasil expanda suas fronteiras destinadas à expansão da agropecuária - com  desmatamento em níveis admissíveis. 
Agora milhares e milhares de hectares demarcados como reservas indígenas,  que sequer são utilizadas para qualquer finalidade útil, aqueles países aceitam.
Confira aqui:Hoje, o maior latifundiário do País é o índio’, diz Nabhan.
 
O Brasil assumiu uma postura mais conservadora em fóruns internacionais, no que diz respeito a temas como gênero e aborto. Isso não contribui para as críticas?
Trata-se de uma agenda de costumes. Direitos humanos é para tudo. Por exemplo, o programa Mais Médicos não respeitava os direitos daqueles que estavam trabalhando aqui. A partir do momento em que a pessoa não podia trazer sua família para cá, ou tinha que mandar parte do salário dela para o país de origem, isso era contra os direitos humanos. Essa agenda de costumes que vem sendo discutida na modernidade é uma questão da sociedade, que vai se adaptando aos novos momentos. É preciso entender que tem coisas que valem como discussão para determinadas áreas do nosso país, que têm uma visão cultural mais distinta e mais cosmopolita, enquanto há outras áreas do Brasil, que é o Brasil rural, o Brasil mais profundo, que não estão interessadas nessa discussão. 

[questões de gênero e liberação do aborto devem ter a discussão proibida.
O aborto é crime, que precisa ter as penas aumentadas - falar em direitos humanos e ao mesmo tempo ser favorável ao aborto é algo escatológico.
Quanto a discussão sobre gênero não tem sentido, visto gênero ser algo imútavel.
Eventuais práticas diferentes, devem ser realizadas de forma reservada, a visão das mesmas não pode ser imposta à sociedade. É frase antiga, mas, sempre válida: o direito de um termina onde começa o do outro. ]

Entrevista - O Globo 

 

quinta-feira, 28 de março de 2019

O golpe de 64: censura, tortura e morte

Havia comunistas no seu governo ou no seu entorno, mas Jango estava longe de ser comunista



Coluna publicada em O Globo - 28 de março de 2019
Partidos e grupos comunistas, mais seus associados, discutiam qual a maneira de derrubar o capitalismo burguês e implantar a ditadura do proletariado: pela luta armada ou pelo caminho reformista? Isso era em 1964, e a ampla maioria da esquerda era reformista – pelas chamadas reformas de base, processo que começava com a agrária e incluía um amplo cardápio de estatizações.

O presidente João Goulart, do PTB getulista, no cargo desde a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, estava claramente no campo da esquerda. Havia comunistas no seu governo ou no seu entorno, mas Jango estava longe de ser ele mesmo comunista. O mesmo se poderia dizer de ilustres membros de seus gabinetes, durante o curto período parlamentarista, como os primeiros-ministros Tancredo Neves e Santiago Dantas.  No máximo, seriam social democratas ou trabalhistas ou socialistas no sentido que a palavra tem hoje nos Estados Unidos – um pessoal preocupado com distribuição de renda e proteção social. Nacionalistas, também.

Como o grupo comunista era claramente minoritário nessa aliança, o sucesso de Jango levaria o Brasil a uma economia mais estatizada, com o aumento de gastos públicos em todos os setores, dos sociais à infraestrutura. Mais ou menos como aconteceu no governo ditatorial do general Ernesto Geisel, um nacionalista e estatizante da primeira linha. E como aconteceu com o governo Lula. Para o leitor verificar como isso de ideologia e política econômica estava bem confuso.

Acontece que em 1964, o mundo estava em plena guerra-fria, dividido entre os Estados Unidos e a União Soviética (vejam, por favor, a coluna da semana passada, aqui mesmo ou em sardenberg.com.br).
As plataformas reformistas aqui, no Chile, na Argentina, em toda parte procuravam se aproximar não propriamente da URSS, mas de um bloco que se declarava independente, o do Terceiro Mundo, que, entretanto, pendia para a esquerda. Ou seja, adversário dos EUA.

Nessa disputa, os EUA patrocinavam ditaduras direitistas para, com o se dizia, evitar a ditadura comunista.  Pela minha história pessoal (17 anos em 1964) e pelo que estudei, não havia a menor possibilidade de uma vitória comunista, nem pela via reformista, nem pela luta armada. Qual a chance de uma guerrilha no Araguaia ou no Vale do Ribeira? Ser massacrada, como aconteceu.  Mas foi nesse quadro que parte da elite brasileira, representada por partidos e associações civis, bateu às portas dos quartéis. Os militares atenderam rapidamente, pois a doutrina que aprendiam era simplesmente Ocidente versus o Pacto de Varsóvia (a frente militar da URSS).

Sim, o Congresso brasileiro chancelou a derrubada de Jango em abril de 1964 e depois elegeu presidente o então chefe do Estado Maior das Forças Armadas, marechal Castelo Branco. Só que o Congresso estava diante da alternativa: ou isso ou o fechamento. Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe. Achavam que seria um interregno necessário para garantir as eleições presidenciais de 1965, nas quais haveria o embate entre Juscelino Kubitschek (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador, liberal, democrata).  Todos esses democratas se decepcionaram e foram abandonando o governo militar na medida em que este radicalizava e se transformava em verdadeira ditadura. Carlos Lacerda, apoiador do golpe, terminou cassado e se unindo a JK, também cassado, numa frente pela democracia.

Sim, o Congresso funcionou o tempo todo, mas foi fechado nos breves momentos em que ousou discordar do regime. O Congresso elegeu os presidentes, mas depois que os nomes eram selecionados entre os generais de quatro estrelas. Partidos políticos foram proibidos, a imprensa foi censurada, opositores – fossem democratas ou comunistas – foram presos, torturados, mortos. A ditadura caiu em 1985, quando se formava uma onda mundial pró-democracia, apoiada até pelos EUA. O presidente Jimmy Carter e sua mulher Rosalyn pisaram nos calos da ditadura brasileira. Rosalyn chegou a se reunir com padres que haviam sido torturados.

E quando a política econômica finalmente fracassou, com recessão, dívida externa explosiva e inflação, a ditadura caiu. Os militares se retiraram, liderados por colegas de bom senso, num processo conduzido por políticos habilidosos.

Não há nada para comemorar em 31 de março. 

[comentário 1: Há muito a comemorar; não fosse o Movimento Revolucionário de 31 de março de 64, o CONTRAGOLPE de 64, a realização da REDENTORA, o Brasil hoje seria uma Coreia do Norte, uma Cuba ou Venezuela.

Houve radicalização do Governo Militar mas provocada pela ação de terroristas, assassinos frios e covardes, que começaram a matar inocentes;

a Guerrilha do Araguaia, antes de ser sufocada matou muitos civis inocentes (um dos moradores da região, um mateiro, foi cortado vivo em pedaços, devido a suspeita dos porcos guerrilheiros de que ele estava servindo de guia aos militares);

a guerrilha no Vale do Ribeira provocou a morte de muitos inocentes, incluindo o assassinato covarde, a coronhadas, do tenente Mendes, PM-SP - os 'corajosos' guerrilheiros temiam que se o assassinassem da tiros, o barulho chamaria atenção e tropas viriam -  que tinha se entregado para ser refém buscando auxílio médico para seus comandados.

Mais detalhes sobre as 'bondades' dos terroristas, que hoje posam de vítimas, acesse Post com vídeos com entrevista de um deles  - ironicamente chamado de 'clemente' e com o sobrenome PAZ - detalhando alguns dos assassinatos que cometeu = entrevista concedida a Geneton Moraes, da GLOBO NEWS; 
Clique aqui, para saber mais sobre a forma de agir dos mentores das 'vítimas' do Brasil.]

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

 


quinta-feira, 21 de março de 2019

O Brasil é nosso

Alinhamentos à parte,  o Brasil é nosso - nossos problemas estão bem aqui dentro

 
Antigamente era mais fácil. Tinha, de um lado, Estados Unidos, de outro, União Soviética. E assim seguia: capitalismo x comunismo; OTAN x Pacto de Varsóvia; Ocidente livre x Cortina de Ferro; democracia x ditadura.

Mas havia um desvio, digamos assim, neste último quesito. Considerando-se, no Ocidente, claro, que o comunismo era o inimigo principal, admitia-se que as Forças Armadas assumissem o governo, com ditaduras, para eliminar o inimigo vermelho. E  assim, os Estados Unidos, sob diversos governos, patrocinaram golpes e revoluções pelo mundo afora para, como se dizia, defender o Ocidente livre da sanha comunista. Do lado do Pacto de Varsóvia, que não tinha nenhuma preocupação com isso de democracia e liberdade – o caminho era a ditadura do proletariado – tratava-se de patrocinar golpes e revoluções para derrubar o capitalismo burguês.
Tudo ruiu nos anos 80. Para surpresa de muitos, inclusive dos estrategistas dos dois lados, o mundo caminhou na direção da democracia e da economia de mercado. Ditaduras dois lados deram lugar a regimes democráticos, o comunismo soviético praticamente sumiu.

Parecia que as coisas ficariam mais simples, um mundo mais homogêneo. Durou pouco essa percepção.
Ficou mais complicado. Há um cenário bipolar, com Estados Unidos de um lado e China, de outro. Os EUA procurando manter sua hegemonia e a China se movimentando como a potência emergente. Mas há também um cenário multipolar, no campo da economia e do mercado. No tempo da Guerra Fria, comércio e investimentos ocorriam dentro de cada bloco. O Brasil, por exemplo, de vez em quando conseguia vender café na União Soviética, via Finlândia.

Hoje, pós-globalização, a China tornou-se o principal parceiro do Brasil, lugar que cabia antes aos Estados Unidos. E a própria China tornou-se a maior vendedora no mercado de consumo americano. Na verdade, a China está no mundo todo, comprando, vendendo e investindo.  Por outro lado, todas as grandes as grandes empresas ocidentais, incluindo especialmente as americanas, têm negócios na China, ou produzindo lá (a Apple não faz um celular sequer nos EUA) ou vendendo lá. Isso é bom para o Brasil. Não há mais necessidade de filiar-se a esta ou aquela liderança. Nem se deve. Os Estados Unidos são nosso segundo parceiro comercial e há muito espaço para ampliar os negócios. Mas também os EUA concorrem com o Brasil no mercado chinês de soja, por exemplo. Na verdade, Brasil e EUA concorrem em boa parte do mercado mundial de alimentos.

A China, até aqui pelo menos, não exige que seus fregueses adotem seu regime, que é uma exclusiva combinação de economia de mercado (mais de 60% do PIB do país, e a parte mais dinâmica) com controle do Estado e ditadura do partido único. O governo chinês, cada vez mais confiante, sustenta que seu regime é o mais adequado para o crescimento econômico, sendo isso mais importante que liberdades e direitos individuais. O Estado e o Partido sabem mais.  Mas a China não deixa por isso de fazer negócios com típicas democracias de economia de mercado, como essas (quase todas) que estão na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). E a maior parte delas não quer se envolver na guerra comercial entre Trump e Xi Jin Ping.

Ou seja, escolher entre uma economia de mercado mais aberta ou com mais presença do Estado é um problema nosso, dos brasileiros. Abrir (ou não) a economia é uma decisão exclusivamente nossa. Não pode ser para agradar este ou aquele, mas saber se ajuda ou atrapalha nosso desenvolvimento. Optar por uma ampla democracia também é problema nosso. E mais: não tem ninguém nos ameaçando com nada.  Tudo isso para dizer que alinhamentos automáticos são um enorme equívoco no mundo de hoje. Nossos problemas estão bem aqui dentro e o primeiro deles é arrumar as finanças públicas. E depois, acho, facilitar a vida dos que fazer negócios honestamente no país. E, depois de tudo, tem uma coisa que todo mundo sabe, inclusive os chineses, embora não digam: o capitalismo, o empreendedor privado, é melhor caminho para gerar riquezas.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista


 

sábado, 6 de junho de 2015

É impeachment, sim!

Não houve na história da República governo que merecesse tanto ser posto porta afora pelas instituições quanto esse alegadamente reeleito no dia 26 de outubro do ano passado. Percorreu de A a Z o dicionário das coisas que um governo não deve fazer, e mandou para longe das próprias vistas os limites morais a que se subordinam as pessoas e as instituições que merecem respeito.

A lista é longa e mostra que estamos sob um governo absolutamente capaz. De qualquer coisa. A corrupção foi transformada em política de Estado graças à consistente e já fartamente comprovada formação de quadrilhas. Quando os números do assalto à Petrobras chegaram às manchetes mundiais houve um estupor porque nunca se vira caso de corrupção com tantos dígitos. E eram apenas os primeiros esguichos do que viria com a operação Lava Jato que desvendaria a extensão do esquema a um vasto conjunto de obras públicas. Há poucos dias, o governo precisou usar toda sua força de coerção para aprovar uma lei dizendo que crime de irresponsabilidade fiscal já cometido deixava de ser crime perante os estatutos jurídicos do país. E pouco mais tarde, novamente operou o balcão dos negócios para que fossem retiradas assinaturas em CPIs que investigariam financiamentos do BNDES.

Em países sérios, presidentes não podem mentir. No governo brasileiro, a mentira é sempre a forma de comunicação. A verdade jamais emerge numa entrevista. Ela só aparece mediante rigorosa investigação jornalística ou policial. O governo atrai os piores elementos dos partidos da base e os piores parceiros nacionais e internacionais com os quais faz negócios que traem o interesse brasileiro.

Seguindo a política do partido governante, sem audiência ao Congresso e à nação ali representada, deslanchou um programa de integração continental denominado “Pátria Grande”, confessadamente comunista, visando integrar moedas e identidades nacionais com os mais desastrados de nossos vizinhos. Dentro desse projeto, o Brasil participa da instalação de uma Escola de Defesa que outra coisa não é que uma versão bananeira do Pacto de Varsóvia. Se essas tratativas forem criteriosamente investigadas, não andaremos longe de um crime de alta traição. Pense num mal para o país e saiba: há um setor do governo ou de seu partido tratando disso.

É irrelevante ao tema deste artigo mencionar a falta de qualquer mérito nesse governo, porque no Brasil, governar mal é um direito de todos. Mas, convenhamos, não é à toa que o petismo é contra a meritocracia. Basta contemplar seu governo. Ele jogou o país numa enorme crise sem que houvesse qualquer outro motivo que não fosse a monumental incompetência nas áreas essenciais da administração.

Cobrar das instituições que deliberem sobre impeachment é uma imposição moral. Se elas o recusarem, que assumam as consequências. Simples como isso. O que não se pode fazer é um discurso de reprovação ao que foi feito no país e dizer que “não é caso de impeachment”. Santo Deus! O que mais é preciso? Por quanto mal ainda devemos esperar? Não nos constrange tal omissão? A presidente e seus líderes já não podem aparecer na rua pois são vaiados pelo povo, entregue aos azares que desabam sobre seu cotidiano. E as instituições, no conforto dos gabinetes, contemplam seus esféricos umbigos. É assim que queremos ficar? Dizer que “não é caso de impeachment” é fornecer ao governo um fraudulento atestado de boa conduta. Essa é apenas uma das duas opiniões possíveis. E é a mais prejudicial ao interesse público, à moral nacional e ao respeito que devemos ter por nós mesmos.

Brasil, o filho pródigo caiu em si?

Quando decidi renovar meu velho blog, dando a ele o formato atual em www.puggina.org, escolhi duas frases para aparecerem intermitentemente na “testa” do site: “O bom liberal sabe que há princípios e valores que se deve conservar” e “O bom conservador deve ser um defensor das liberdades”. Creio nisso e me vejo, como católico, identificado com as duas vertentes. A liberdade é um dom esplêndido, que Deus respeita como atributo de suas criaturas muito mais do que elas mesmas costumam respeitar. E as responsabilidades que obviamente advêm da liberdade recaem sobre os indivíduos, sobre as pessoas concretas e não sobre grupos sociais, coletivos ou sistemas como alguns querem fazer crer.

É aí que entram os valores que balizam as condutas individuais e, por extensão, a ordem social e os códigos. É socialmente importante saber conservar o que deve ser conservado e mudar o que deve ser mudado. O bom conservador rejeita a revolução, a ruptura da ordem, a substituição da política pela violência, reconhece o valor da tradição e aprecia a liberdade como espaço para realização digna dos indivíduos e dos povos. Não é por outro motivo que o movimento revolucionário e os que com ele colaboram atacam vigorosamente uns e outros. Liberais e conservadores são identificados, corretamente, como os adversários a serem vencidos. Essa batalha se trava no mundo da cultura. Gramsci descobriu isso e fez escola. Seus discípulos brasileiros, ditos intelectuais orgânicos, em poucas décadas tomaram o sistema de ensino das mãos dos educadores cristãos, inclusive na maior parte das instituições confessionais.

Nos anos setenta, incorporaram-se a essa tarefa inúmeros novelistas, diretores e produtores de programas de televisão em canal aberto. Tratei deles em meu artigo anterior “Acabou! Acabou! ”
 
 Enquanto o comunismo era propagandeado como expressão sublime da bondade humana (!), coube àqueles profissionais a tarefa de destruir os valores da sociedade, em ação de lago espectro. Assim, foram zombando do bem, exaltando o mal, pregando a libertinagem e depreciando tudo que merecesse respeito. Foi um longo e bem sucedido processo de destruição moral do qual a corrupção que hoje reprovamos é mero subproduto. A população de patifes, canalhas e sociopatas aumentou em proporções vertiginosas.

Houve um relaxamento até mesmo entre as consciências bem formadas. Gravíssima a omissão de quantos a isso deveriam resistir, nas famílias, nas escolas, nas igrejas e nas instituições! Devemos reconhecer, então: há muito mais culpados entre os omissos do que entre os efetivos agentes do processo de destruição dos valores. As liberdades recuaram simultaneamente porque esse era o objetivo final do projeto de dominação cultural: estabelecer a hegemonia política, com o Estado avançando sobre as autonomias dos indivíduos, das famílias e da sociedade e das liberdades econômicas. Foi assim que assistimos, durante décadas, sucessivas derrotas dos conservadores e dos liberais, tão numerosos quanto acomodados.

Felizmente, a cada dia que passa, cresce o número de brasileiros conscientes das causas da desgraça que acometeu a sociedade brasileira. São as pesquisas que o indicam com clareza. Foi tamanha a lambança, tão generalizada a degradação moral, tão impertinentes os abusos do Estado, a cascavel, enfim, tanto agitou seu chocalho que acabou despertando as consciências de sua letargia. A nação dá claros sinais de estar refletindo sobre o que fez de si mesma.

Por: Percival Puggina,  arquiteto, empresário e escritor
www.puggina.org