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terça-feira, 29 de agosto de 2023

Ideologia, sim! - Sílvio Lopes

               

                Verificamos hoje que nós, que defendemos valores da cristandade afinados com o espírito que nos anima enquanto criaturas de Deus, relaxamos ao ignorar, sobre nosso pensar e agir, o peso, a influência e a sedução das ideologias marxistas de combate e destruição dos seres humanos, ameaça e propósito do mal desde o começo do mundo.

O " matar, roubar e destruir" constitui, sim, e antes de tudo, poderoso arsenal de  armas diabólicas lançadas contra a criação divina, exatamente nós, eu, você. Desde a Revolução Francesa, por Antoine de Tracy, filósofo à época, o termo ideologia passou a cunhar a chamada teoria liberal ampla do indivíduo, da sociedade e da política. No seu livro "Fundamentos da Ideologia", foram praticamente lançadas as bases da libertação dos homens do ferrolho da escravidão física e intelectual.

O marxismo, de sua parte, defendeu a submissão deste, lançando-o no cadafalso da escravidão e absorção intelectual de um Estado opressor e inclemente,  sob a promessa (cínica e hipócrita) de libertá-lo das correntes do capitalismo "desumano e cruel".

Ideologia importa, sim, discutir e, se necessário - como hoje se percebe, clara e objetivamente - combater com firmeza e destemor. 
Por longo tempo evitamos sequer nos referir ao termo, como se isso o condenasse ao ostracismo e desinteresse. 
A ideologia move o mundo e pavimenta a estrada por onde milhões passaram ou estão prestes a caminhar, conscientes ou não do que irão encontrar na estação de chegada. 
Os exemplos aí estão, muitos deles próximos, outros distantes de nós. Todos, contudo, apontam e  sintetizam  para uma realidade de extrema miséria humana em todos os sentidos e dimensões de nossas vidas a que  nos conduz a ideologia de esquerda.
 
Queremos isso prá nós? Se nada fizermos, se continuarmos a desprezar o poder do mal sobre nossas vidas, nosso futuro, logo deixaremos de partilhar a sala de espera para mergulhar, inapelavelmente, nas profundezas do inferno.  
E aí nada mais irá importar senão o choro e o ranger de dentes. 
Com tristeza, constato que já vivemos, sim, esse transcendental momento em nossas vidas. 
Muitos ignoram, outros desacreditam e até há os que contestam. Seja qual for sua posição, todos nós seremos atingidos pelas consequências de nossa ação. Ou omissão. Pense nisso!

Liberais e Conservadores - O autor, Sílvio Lopes, é jornalista, economista, professor e palestrante.


terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Randolfe e Moraes, feitos um para o outro - Percival Puggina

 

O inevitável senador pelo Amapá postulou e o intemperante ministro do STF por Michel Temer concedeu ordem para desmontar à força o acampamento a frente do Comando Militar em Brasília. “Ordem dada, missão cumprida”. É assim que no Brasil destes anos imoderados se faz política no Brasil. Sem modos e sem povo.

“Deus cria, o diabo espalha e eles por si se juntam”, constata o ditado popular. A História está cheia desses exemplos, como os de Mao Zedong e Zhou Enlai, Hitler e Goebbels. Às vezes se juntam e se separam como os três monstros da Revolução Francesa – Robespierre, Danton e Marat – ou Lênin e Trotsky.

Aqui no Brasil temos o recente caso da dupla Alexandre de Moraes e Randolfe Rodrigues.  
Um ministro do Supremo e um senador pelo Amapá que se tornou famoso em virtude do ritmo alucinante que, sozinho, consegue imprimir aos tribunais superiores da República. Ele é o cara que faz girar a roleta. E ganha sempre.  
Moraes e Randolfe parecem almas gêmeas, nascidas uma para a outra.
 
O senador alegou que o acampamento estava tumultuando a vida da capital do país e era necessário “puni-los exemplarmente”.  
É óbvio que os acontecimentos posteriores à prisão do cacique têm que ser investigados e as autores identificados e submetidos à lei. 
Se a investigação for feita como deve, certamente evidenciará que houve infiltração.  
Seja porque a conduta dos malfeitores é totalmente atípica em relação aos manifestantes acampados, seja porque, ao contrário, do que pensam o senador e o ministro, ela caracteriza um tipo bem conhecido de militância.

A Vice-Procuradora-Geral da República, Lindôra Araújo, em contestação à decisão, escreveu:

"O Ministério Público Federal requer, em caráter de urgência, o exercício do juízo de retratação pelo eminente Ministro Relator, reconsiderando-se a decisão agravada, com a consequente negativa de seguimento ao pedido incidental formulado por agente político e o desentranhamento dos autos deste inquérito, com arquivamento das petições, sob os fundamentos de falta de legitimidade ad causam, ausência de conexão, violação do sistema acusatório e ocorrência de “bis in idem", Lindôra Araújo, vice-procuradora-geral da República.

A Vice-Procuradora afirma uma verdade que a dupla não se empenhou em buscar. A Justiça não pode funcionar desse jeito, na base do “ordem dada, missão cumprida” (“falta de legitimidade”), violando constantemente o sistema acusatório da competência da PGR, nem agir onde já existe inquérito funcionando “(bis in idem”). [aos poucos o senador 'estridente' vai aprendendo que um supremo ministro pode muito mas não pode tudo - pode mandar prender um cidadão que expresse um pensamento que  desagrade ao ministro, mas mandar a polícia entrar em ÁREA MILITAR temos certeza que ainda está fora do alcance de um supremo ministro.
Quanto ao senador Randolfe ele terá que acertar contas com o seu eleitorado nas próximas eleições e obtenha uma votação condizente com o que ele tem feito pelo povo do Amapá.
Quanto a poder TUDO, é algo que DEUS não concedeu a nenhum ser humano.]

Mas o Brasil está assim. O povo não gostou do modo como é tratado? Vá para casa e faça cara feia onde ninguém veja. Tal qual em Cuba, que conheço melhor do que o Lula (onde falei e falo com quem ele jamais falou) e certamente como na Venezuela e Nicarágua, que o Lula conhece melhor do que eu (mas na campanha eleitoral não se podia dizer).

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


sábado, 1 de outubro de 2022

A nova ordem jurídica, por dom Luís Barroso I - Gazeta do Povo

Vozes - Jean Marques Regina

Caso Renato Freitas [vereador que comandou invasão, profanação, a uma Igreja Católica.]

23 de setembro de 2022: a data em que foi assinada a decisão monocrática, em sede liminar, devolvendo o mandato parlamentar do vereador Renato Freitas (PT), cassado por seus pares em Curitiba. Assina Luís Roberto Barroso, o relator. 
Podia ser mais uma decisão no STF, de tantas que são assinadas e publicadas diariamente. Mas esta decisão é diferente.

Em 5 de fevereiro de 2022, enquanto ocorria uma missa na igreja católica Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, Freitas liderou um movimento popular às portas e, depois do fim da celebração, dentro da nave do templo. Motivo: protestar contra dois homicídios de grande comoção nacional, nos quais foram vítimas o congolês Moïse Mugenyi, espancado até a morte em quiosque de praia, e Durval Teófilo Filho, morto por seu vizinho ao ser supostamente “confundido com assaltante”. A causa do protesto é justa e importante. Na coleção dos maiores erros da humanidade está o racismo, e devemos sempre lutar contra ele.[importante destacar: os autores do espancamento do congolês eram afrodescendentes e o mesma condição ocorreu no caso do cidadão, afrodescendente, que foi confundido com assaltante por seu vizinho = também afrodescendente, fato que ocorreu em área perigosa e com péssimas condições de iluminação.]

O vereador, porém, escolheu a porta e o interior de uma igreja para seu protesto. Segundo o ministro Barroso, a Igreja do Rosário foi escolhida justamente por ter sido construída para acolher e abrigar a fé da população negra escravizada, que não podia frequentar as outras igrejas da cidade.
Para devolver o mandato a Renato Freitas, Barroso mudou seu entendimento sobre a aplicação da Súmula Vinculante 46


Tal conduta foi denunciada na Câmara Municipal, resultando em sua cassação por quebra de decoro parlamentar, visto que seu ato causou grande comoção negativa entre religiosos da comunidade curitibana e do Brasil inteiro, enquadrando-se nos dispositivos legais previstos no Código de Ética e Regimento Interno da Câmara. O Decreto Federal 201/67, que trata dos crimes de responsabilidade do prefeito, denomina a conduta como “infração político-administrativa”, conforme seu artigo 4.º, X.

Insatisfeito, o cassado entrou na Justiça e teve seu pedido liminar de reintegração à Câmara negado pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Ato seguinte, ingressou com a Reclamação Constitucional 55987/PR, que resultou na impensável decisão ora comentada.

É um lugar comum que as decisões judiciais são feitas de precedentes. Os norte-americanos os chamam de leading case; os brasileiros, de “jurisprudência”. A partir daí, as demais decisões são quase um “copia e cola” para as razões de provimento ou improvimento, observadas as peculiaridades de cada caso, quando necessário. Não poderia ser diferente. Milhares de casos de um país continental desaguam no STF, que tem competência para julgar quase tudo que acontece no Brasil, visto que, na visão do recorrente, sempre existe uma afronta constitucional sobre a qual o Supremo tem de se manifestar. Assim acontece nas Reclamações Constitucionais. Mas que tipo de recurso é esse?

 
Veja Também:O que acontece com os invasores de igreja? Depende de todos

Invasão no templo, capítulo 2: crime e castigo

A religião é um perigo para a democracia?


O STF, além da jurisprudência, possui o sistema de súmula vinculante, criado pela Emenda Constitucional 45, que, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, permite ao STF aprovar súmula que terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, nos termos do artigo 103-A da Constituição. Assim, o § 3.º do mesmo artigo prevê: “Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”. Sempre que uma decisão judicial violar diretamente uma súmula vinculante do STF, a parte lesada poderá ingressar diretamente no Supremo para cassar tal decisão. Foi isso que o vereador Renato Freitas tentou e conseguiu, em sede liminar.

Aqui pedimos licença ao leitor para usar um pouco do terrível “juridiquês”. O problema é que o STF desenvolveu o conceito de “aderência estrita” para admitir o ingresso de uma Reclamação Constitucional. “Aderência estrita” significa que o ato impugnado, objeto da Reclamação, deve ser exatamente igual à súmula vinculante paradigma. No caso, a Súmula Vinculante 46 diz que “a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União”. Isto é, apenas as hipóteses referentes aos crimes de responsabilidade são de competência privativa da União; nas demais não, os municípios podem legislar.

É o que está escrito e o STF tem entendido assim. Todos os casos envolvendo municípios em que os prefeitos são julgados por crimes de responsabilidade devem seguir o rito do Decreto 201/67, ou seja, da lei federal. Os casos de infração político-administrativa, que não são crimes, podem ser regulados de forma diferente pelo município. Encontramos diversos precedentes nesse sentido, inclusive muitos da caneta do próprio ministro Barroso: é o caso das Reclamações 42.923/MG (de 4 de setembro de 2020), 43.183/RJ (de 14 de setembro de 2020), 47.189/PR (de 15 de maio de 2021), 39.776/GO (de 25 de março de 2020), 42.728/SP (de 18 de agosto de 2020), 42.489/SP (de 1.º de setembro de 2020) e 42.471 (de 4 de setembro de 2020). E o próprio ministro Barroso cita precedentes de seus colegas no mesmo sentido na Reclamação 47.189/PR: “14. Nesse sentido, são os seguintes precedentes do STF: Rcl 38.746, Rel. Min. Alexandre de Moraes; Rcl 31.759, Relª.. Minª. Cármen Lúcia; Rcl 29.264, Rel. Min. Marco Aurélio; Rcl 27.896, Rcl Min. Alexandre de Moraes”. Enfim, as referências são muitas e haveria ainda mais delas a citar.

    Em razão de um “contexto de especial relevância constitucional” é possível separar um processo dos demais e julgá-lo de forma diferente? Certamente que não

Sorteamos aqui uma dessas decisões para colacionar o pensamento do ministro Barroso sobre “aderência estrita” em casos envolvendo a cassação de vereadores por infração político-administrativa: “O conhecimento da reclamação também exige estrita aderência entre o ato impugnado e o paradigma supostamente violado”. E continua: “A situação dos autos, no entanto, refere-se a processo de cassação por denúncia de prática de ato vexatório ou indigno capaz de comprometer a dignidade do Poder Legislativo municipal, infração prevista no art. 89, VI do Regimento Interno da Câmara Municipal de São Miguel do Iguaçu”, para, ao fim, concluir: “Essa hipótese não está abrangida pelo paradigma invocado na presente reclamação, que se limita a afastar a competência dos estados e municípios para editar atos normativos, tanto de direito substantivo ou adjetivo, relacionados a crimes de responsabilidade (...) Diante do exposto, com fundamento no art. 21, § 1.º, do RI/STF, nego seguimento à reclamação, ficando prejudicado o pedido liminar”.

Quem assina é Luís Roberto Barroso, que cita, também nessa decisão, diversos precedentes. Ou seja, se a cassação se deu por infração político-administrativa, não há afronta à Súmula Vinculante 46; logo, o caso não interessa ao STF. Mas para devolver o mandato a Renato Freitas o ministro mudou seu entendimento e, agora, para ele crimes de responsabilidade e infrações político-administrativas dão na mesma; afinal, segundo suas palavras, “o processo legal no processo de cassação do vereador está inserido num contexto de especial relevância constitucional, já que tal processo foi instaurado em razão da participação de parlamentar negro em protesto contra o racismo nas dependências da Igreja”.

Então, em razão de um “contexto de especial relevância constitucional” é possível separar um processo dos demais e julgá-lo de forma diferente? Andou muito bem o Grupo de Estudos Constitucional e Legislativos do IBDR em seu parecer, ao dizer que “a Constituição Brasileira proíbe a criação de tribunais de exceção, ou seja, instituições ou técnicas de julgamento (embora sequer assim possa ser nomeada a postura do relator) que apreciem fatos de forma distinta da prevista na normatização pátria”.

O ministro Barroso, para mudar suas dezenas de precedentes e de seus pares, afirma que o caso deve ser julgado sob uma “perspectiva especial”, ao arrepio da própria Constituição que jurou defender e guardar, e que, no artigo 5.º, XXXVII, diz que “não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

Mas não paramos por aqui. E pedimos perdão ao leitor pelas citações longas, no entanto necessárias para expor o argumento. O ministro entra no mérito do caso e crava: “Por isso, a despeito de haver decisões desta Corte contrárias à aplicação da Súmula Vinculante 46 em casos de perda de mandato por prática de infração político-administrativa, a cassação do vereador em questão ultrapassa a discussão quanto aos limites éticos de sua conduta, envolvendo debate sobre o grau de proteção conferido ao exercício do direito à liberdade de expressão por parlamentar negro voltado justamente à defesa da igualdade racial e da superação da violência e da discriminação que sistematicamente afligem a população negra no Brasil”.

Isto é, se você for um parlamentar negro e estiver defendendo a igualdade racial e a superação da violência, pode praticar atos que são vedados pela Constituição. Ser parlamentar, ser negro e defender a igualdade racial está acima da Constituição brasileira
Diz o artigo 19, I da Constituição (destaques nossos) que: “É vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. A Constituição proíbe terminantemente que o funcionamento dos cultos seja embaraçado e, no artigo 5.º, VI, assegura que os cultos são invioláveis: “VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.


    Se você for um parlamentar negro e estiver defendendo a igualdade racial e a superação da violência, pode praticar atos que são vedados pela Constituição. Ser parlamentar, ser negro e defender a igualdade racial está acima da Constituição brasileira

Entretanto,
a Constituição do nobre ministro Barroso, ao que nos parece, é diferente da Constituição Federal. Nela, há um parágrafo adicional no artigo 5.º e outro no artigo 19, que diz mais ou menos o seguinte: “A garantia constitucional da inviolabilidade de culto religioso e a vedação de embaraço não se aplica ao ativista identitário negro com mandato parlamentar, em sua luta de promoção à igualdade racial”.

Como se não bastasse, Barroso também criou uma inimputabilidade nova no Código Penal brasileiro. O CP tipifica, por exemplo, o crime de homicídio no artigo 121; de furto, no artigo 155; de depredação de patrimônio (dano), no artigo 163; e também tipifica o crime contra o sentimento religioso, da seguinte forma: “artigo 208 – Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”.  
Quando alguém quebra uma vidraça ou mata alguém, fica fácil identificarmos que o primeiro cometeu o crime de dano, previsto no artigo 163 do Código Penal, e o segundo cometeu o crime de homicídio, pelo artigo 121. Da mesma forma, quando alguém perturba um culto religioso a ponto de ele ter de ser encerrado e, de quebra, invade o templo religioso para protestar, parece fácil identificar que estamos diante da prática do crime contra o sentimento religioso: “impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso”. Pelo menos em tese, claro.

Mas não nos esqueçamos de que existe a inimputabilidade instituída pelo ministro Barroso. É o parágrafo 2.º do Código Penal Barrosiano: “É isento de qualquer pena o agente que for ativista identitário negro, com mandato parlamentar e estiver lutando em defesa da igualdade racial”.

    A Constituição e o Código Penal do nobre ministro Barroso, ao que nos parece, são diferentes da Constituição Federal e do Código Penal brasileiro

Esses dois trechos são invenção nossa, claro, para que os leitores entendam o risco para a democracia e para o Estado Democrático de Direito: um ministro do Supremo, na canetada, cria ao seu bel-prazer, de acordo com suas ideologias e visões de mundo, exceções à Constituição Brasileira e hipótese nova de inimputabilidade no Código Penal
Isto é impensável em um Estado de Direito em que todos estão submetidos à lei, inclusive os ministros do Supremo.  
Quando se trata de matéria penal, a situação é ainda mais grave: a Constituição prevê expressamente que compete à União legislar sobre matéria penal (artigo 22, I), inclusive sendo vedada a elaboração de medidas provisórias que versem sobre matéria penal (artigo 62, I). Em uma tacada, Barroso:


1. Atropela
precedentes da corte, inclusive de sua própria lavra;
2. Faz malabarismos jurídicos para admitir Reclamação Constitucional cujo objeto não possui aderência estrita com a Súmula Vinculante 46;
3. Cria um tribunal de exceção;
4. Legitima violações à liberdade religiosa, desde que a causa seja justa;
5. Cria exceção constitucional à vedação de embaraço de culto;
6. Cria isenção de pena (inimputabilidade) para o tipo penal do artigo 208 do Código Penal;
7. Induz ao pensamento que, para defender causas como a igualdade racial, até crimes podem ser cometidos;
8. Rompe com o Estado de Direito. [nem Kim Jong-un tem tal furor contra as leis = nos parece um absurdo ódio contra o estabelecido pela Carta Magna e que costuma ser seguido em países que vivem sob o 'estado democrático de direito'.]

    O presidente que for eleito neste mês de outubro indicará dois ministros ao Supremo; Barroso foi indicado por Dilma Rousseff, do PT

Poderíamos enumerar mais aberrações, como o fato de a decisão ir muito além dos limites estipulados pela própria inicial da Reclamação, como muito bem disse o GECL do IBDR em seu parecer, no que denominamos de decisão “ultra petita”, mas paramos por aqui. Fica a sensação de vivermos um clima como o da Revolução Francesa, quando quem não concordava com a causa da liberdade, igualdade e fraternidade perdia a cabeça na Bastilha.

Amanhã, 2 de outubro, teremos eleições gerais. Não podemos esquecer que o presidente eleito indicará dois ministros ao Supremo, e que Barroso foi indicado por Dilma Rousseff, do PT. 
Talvez o leitor tenha muitas reservas a Bolsonaro, mas votar no PT pode resultar em mais ministros como Barroso.  
Vejam o exemplo do ex-juiz federal Sergio Moro: mesmo com todos os problemas de seu desembarque do governo federal, ele deixou claro, na reta final de sua campanha, que não há como votar no PT.

Pense nisso, leitor; ainda dá tempo.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos

Jean Marques Regina, colunista -  VOZES - Gazeta do Povo


sexta-feira, 23 de setembro de 2022

A Revolução Permanente e o ativismo judicial - Revista Oeste

 Roberto Motta

Ao contrário do que pensa e prega essa elite, a noção de direitos humanos não começou na Revolução Francesa, apresentada como o ápice do desenvolvimento político e moral da humanidade 

Uma elite urbana de alta renda controla hoje o poder governamental, o poder corporativo e o discurso público na maior parte do planeta. Essa elite vive embriagada pelas piores partes do radicalismo da Revolução Francesa de 1789, e esqueceu, ou nunca conheceu, a Revolução Gloriosa de 1688 e a Revolução Americana de 1766.

Quadro que retrata a Revolução Gloriosa (1688), de Jan Hoynck van Papendrecht  | Foto: Wikimedia Commons

 Quadro que retrata a Revolução Gloriosa (1688), de Jan Hoynck van Papendrecht | Foto: Wikimedia Commons

Ao contrário do que pensa e prega essa elite, a noção de direitos humanos não começou na Revolução Francesa. As origens do conceito de direitos civis se perdem na história, e já estavam claramente presentes na tradição judaico-cristã.

A Magna Carta, apresentada pelos barões feudais ingleses ao rei João Sem Terra, em 1210, foi, na era moderna, provavelmente o primeiro documento a impor limites ao poder dos soberanos.

Os direitos dos cidadãos ingleses foram depois estabelecidos na Declaração de Direitos (Bill of Rights) escrita em 1689, durante a Revolução Gloriosa, que consolidou o poder do Parlamento. O documento, baseado nas ideias do filósofo John Locke, estabeleceu direitos civis básicos, confirmou os limites ao poder monárquico, garantiu eleições livres e liberdade de expressão.

Isso aconteceu em 1689 — exatos cem anos antes da Revolução Francesa. A Declaração de Direitos inglesa foi o modelo usado para redigir a Declaração de Direitos dos Estados Unidos de 1789 e a Declaração de Direitos Humanos da ONU de 1948. Mas o mundo parece que esqueceu.

A maioria de nós não aprendeu isso na escola. Nas aulas de história o foco é colocado, invariavelmente, na Revolução Francesa, apresentada como o ápice, ou a origem, do desenvolvimento filosófico, político e moral da humanidade. Na verdade, como disse a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, a revolução da França se pareceu mais com “uma sequência de expurgos, assassinatos em massa e guerra, tudo feito em nome de ideias abstratas formuladas por intelectuais vaidosos”.

Em vez de um evento único e homogêneo, a Revolução Francesa foi, na verdade, uma série de eventos nos quais grupos rivais — principalmente liberais e radicais — disputaram o controle do Estado francês, com diferentes vencedores em momentos diferentes, e onde os perdedores acabaram exilados ou até presos e mortos. A Revolução Francesa cortou a cabeça de milhares dos seus próprios criadores, e terminou na ditadura militar do general e imperador Napoleão Bonaparte — e, depois, vexame dos vexames, na restauração da monarquia.

Esses são os fatos. Apesar deles, ainda reina hegemônico o pensamento dos radicais revolucionários franceses, transfigurado pelo marxismo. Esse pensamento estabelece a primazia de uma suposta “igualdade” sobre todos os outros direitos, inclusive os direitos à vida, à liberdade e à propriedade. Igualdade supostae entre aspas —, porque é apenas uma construção teórica revolucionária, ausente, na prática, de todos os projetos socialistas e comunistas da história, sem uma única exceção.

Há quem diga que são duas as ideias essenciais da Revolução Francesa, inspiradoras dos modernos projetos políticos totalitários. A primeira é o conceito de igualdade absoluta entre indivíduos, a ser imposta a ferro e fogo (e a guilhotina, fuzilamento e campos de concentração, se necessário).

A segunda herança da Revolução Francesa seria o estabelecimento do papel do Estado como regulador racional do comportamento, do pensamento e do discurso público. A vida privada desaparece dentro do Estado. É preciso lembrar que os revolucionários franceses mudaram os nomes dos meses e dos dias da semana, e estabeleceram até o Culto do Ser Supremo, uma nova religião estatal que deveria substituir o Cristianismo. Maximillien Robespierre, o líder dos jacobinos, a facção mais radical da revolução, foi nomeado como Sumo Sacerdote do culto. Um mês depois ele era guilhotinado.

Execução de Robespierre e seus apoiadores, em 1794 - 
 Foto: Domínio Público

Uma série de marcos históricos conecta a Revolução Francesa ao mundo moderno. O primeiro pode ser a Comuna” de Paris de 1871, quando, logo após a derrota da França na guerra contra a Prússia, um governo socialista radical tomou o controle da cidade e governou por três meses. Foi mais uma revolução para empilhar cadáveres e jogar cidadãos contra cidadãos. A Guarda Nacional enfrentou o Exército francês nas ruas da cidade, e a experiência serviu de inspiração para radicais de todo o mundo — incluindo um certo Vladimir Lenin.

Lenin lideraria a Revolução Russa de 1917. Em 1948 seria a vez de Mao liderar a Revolução Chinesa. Duas das maiores nações da Terra caíam sob regimes comunistas. Mas o comunismo, na prática, se revelou bem diferente do que pregara Marx. Em 1956, as denúncias do premiê soviético Nikita Kruschev sobre as atrocidades cometidas por Stalin desnudaram o caráter totalitário e criminoso do regime soviético, chocando militantes comunistas em todo o planeta.

Desse choque resultaria uma mudança de estratégia: abandona-se o projeto de revolução pelas armas em favor da ideia da revolução cultural, nascida do trabalho de Antônio Gramsci e promovida pela Escola de Frankfurt. Nas décadas seguintes, outros ativistas e ideólogos ampliam e disseminam a doutrina que ficaria conhecida como Gamscismo.

Saul Alinksy, nos Estados Unidos, ensinou aos militantes de esquerda suas Regras Para Radicais, explicando que “a questão nunca é a questão; a questão é sempre o poder”. Luigi Ferrajoli, na Itália, criou o garantismo penal, doutrina de desconstrução da justiça criminal através da dialética marxista que apresenta o criminoso como vítima da opressão capitalista que não merece que não pode — ser punido. Paulo Freire, no Brasil, inverte a lógica do sistema de ensino com a sua pedagogia do oprimido, que abandona o aprendizado em nome da mobilização para a revolução.

Consolida-se uma progressiva hegemonia da esquerda em áreas-chave da sociedade e do Estado, como a literatura, o teatro, as artes plásticas, a música, o cinema, a TV, as escolas públicas e privadas, as universidades e a justiça, especialmente a justiça criminal. Quase todo o discurso público passa a ser produzido ou controlado por um ecossistema político-midiático-cultural-acadêmico de orientação marxista.

Como explicou Olavo de Carvalho (a citação não é literal): a dominação é tão completa que se dissolve no ar e passa a ser imperceptível. É o novo normal: é o marxismo estrutural, parafraseando o grande Gustavo Maultasch.

O marxismo aplicado às questões étnicas virou a teoria crítica da raça“.  
O marxismo aplicado ao Direito virou o garantismo penal de Ferrajoli.  
O marxismo aplicado à sexualidade virou a ideologia de gênero. 
O marxismo aplicado à mídia virou o “combate à desinformação”. 
O marxismo aplicado à religião virou a teologia da libertação. 
O marxismo aplicado à educação virou a “pedagogia do oprimido” de Paulo Freire.
 
É assim que estávamos no início do século 21 vivendo sob uma hegemonia marxista estrutural, total e já quase imperceptível —, quando três fenômenos quase simultâneos começaram a ocorrer. 
O primeiro foi tecnológico: a difusão da internet e o surgimento das redes sociais, catapultado pela popularização dos telefones celulares. 
De repente, todo mundo tinha opinião e todo mundo divulgava essa opinião para o restante do mundo
Uma tia do zap do interior de Goiás podia ter mais leitores em um post do que o alcance do editorial de um grande jornal.
 
O segundo fenômeno foi social: a retomada das ruas brasileiras pela população de bem, pelo cidadão comum, por famílias, idosos e crianças. Enquanto no restante da América Latina as ruas são vermelhas, dominadas por movimentos de extrema esquerda, as ruas no Brasil são verde-amarelas. 
Enquanto no Chile os manifestantes queimam igrejas e ônibus, no Brasil — desde 2014 — eles cantam o Hino Nacional, enrolam-se na bandeira e não jogam lixo no chão.
povo na rua - Sete de Setembro
Vista aérea da Avenida Paulista, em São Paulo, 
no 7 de Setembro de 2022 | Foto: ChoiceImages/Revista Oeste
O terceiro fenômeno, entrelaçado com esses dois, foi o renascimento da direita no Brasil. 
Esse renascimento começou timidamente, com a reorganização do liberalismo nacional, impulsionada por entidades como o Instituto Mises Brasil, o Instituto Liberal, o Instituto Millenium e o Instituto de Formação de Líderes, e editoras como LVM, Avis Rara e Vide Editorial. 
Em seguida, foi a vez de o conservadorismo brasileiro ressurgir com a criação de inúmeros grupos, como o Movimento Brasil Conservador, o Instituto Brasileiro Conservador e mais recentemente o Instituto Conserva Rio, e editoras como Opção C, Editora E.D.A e BKCC, entre muitas outras.

Liberais e conservadores perderam a vergonha de assumir sua posição política. A direita brasileira saiu do armário. Esses três fenômenos, juntos, tiveram várias consequências. A primeira foi um inédito desafio ao poder vigente, que perdeu o monopólio do discurso e da comunicação de massa

É difícil imaginar essa operação acontecendo em um mundo onde o acesso à informação é controlado e o sentimento da sociedade não pode ser percebido instantaneamente

A Operação Lava Jato foi outra consequência. É difícil imaginar essa operação acontecendo em um mundo onde o acesso à informação é controlado e o sentimento da sociedade não pode ser percebido instantaneamente. 
Isso, inclusive, explica o que foi chamado por alguns críticos de “espetacularização” das investigações — na verdade o que se viu, talvez pela primeira vez na história brasileira, foi uma preocupação das autoridades em dar satisfações à sociedade sobre o seu trabalho. Nada mais natural e republicano do que tentar corresponder aos anseios dos cidadãos.

O impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a prisão e as condenações de Luiz Inácio foram consequências diretas da mobilização da sociedade, organizada nas redes e expressa em manifestações de rua cada vez maiores, coordenadas pelas redes sociais e pelo WhatsApp. Outra consequência foi a popularização da política: hoje é mais provável que o brasileiro saiba a composição do STF do que a escalação da Seleção de futebol — um fenômeno inimaginável há poucos anos.

Por último, a consequência mais impressionante e de maior impacto: a decadência, em praça pública, da grande mídia, que entrou em uma espiral mortal de perda de credibilidade, audiência e receita. O lugar vazio foi preenchido pela ascensão de uma mídia “alternativa”, liderada tanto por jornalistas de renome quanto por cidadãos comuns, que descobriram em si o interesse e a capacidade para o trabalho jornalístico.

Esses cidadãos comuns — chamados pejorativamente de blogueiros — somos todos nós. Pela primeira vez na história podemos nos comunicar diretamente, sem a mediação obrigatória de veículos de imprensa ou de autoridades acadêmicas. Tudo isso gerou uma forte reação do sistema — ou establishment, mecanismo, estamento burocrático ou globalistas —, chame como quiser. Essa reação tomou diversas formas.

A censura foi ressuscitada, agora de banho tomado, fofa e perfumada, sob os nomes politicamente corretos de “checagem de fatos” e “combate à desinformação”. Qualquer publicação que não tenha sido feita por um veículo da grande mídiapor uma mídia de esquerda, para ser mais preciso corre o risco de ser classificada como “fake news”.

Políticos de oposição mandaram os escrúpulos às favas e mergulharam na exploração da pandemia para ganhos político-eleitorais. Bom senso e responsabilidade cederam lugar a uma busca desesperada por “protagonismo vacinal”, e pelo primeiro lugar em uma competição nacional para descobrir quem cometeria a violação mais grave dos direitos civis da população: transportes públicos foram cancelados, portas de lojas foram soldadas, pessoas foram presas e agredidas apenas por andar na rua, frequentar praças ou, no Rio de Janeiro — isso eu mesmo testemunhei — pelo crime de dar um mergulho no mar.

Um inédito “consórcio de veículos de imprensa” foi formado para garantir o monopólio midiático em torno de uma mesma narrativa de terror sanitário. 
Ativistas políticos disfarçados de jornalistas — filhos do casamento ideológico de Paulo Freire com Stalin — iniciaram uma guerra pela disseminação de verdades “científicas” que dispensavam a ciência e demonizavam qualquer contraditório. Sou pela vidavirou o grito de guerra dos jacobinos mascarados.
A mistura tóxica de ideologia, desespero eleitoral e corrupção intelectual levou ao “fique em casa” totalitário, repaginado agora, em 2022, como “fique em casa, se puder”. 
Os ideólogos que operam dentro do sistema de justiça criminal usaram a oportunidade para soltar mais de 60 mil criminosos que estavam presos em todo o país, para preservá-los da pandemia — e ainda conseguiram uma decisão do Supremo Tribunal Federal determinando a suspensão de operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro — supostamente para não atrapalhar as medidas sanitárias. A suspensão vigora até hoje.

E o absurdo maior de todos, para o qual, um dia, haverá de ser instalado um tribunal especial de crimes contra a humanidade: o fechamento das escolas. Um ato insensato, anticientífico e ideológico que significou, para várias gerações de crianças e adolescentes, a condenação a uma vida de ignorância, pobreza, vício, crime e dependência do Estado.

Ao mesmo tempo em que tudo isso ocorria, o sistema colocava em ação outra estratégia: o ativismo judicial. Não é necessário detalhar a trajetória recente do ativismo judicial no Brasil
Isso já foi explicado em livros espetaculares, como:
-   O Inquérito do Fim do MundoSereis Como Deuses: o STF e a Subversão da Justiça, Suprema Desordem: Juristocracia e Estado de Exceção no Brasil e Guerra à Polícia: Reflexões Sobre a ADPF 635, todos da excelente Editora E.D.A.

Como alertou o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux em seu discurso de posse:

“…alguns grupos de poder que não desejam arcar com as consequências de suas próprias decisões acabam por permitir a transferência voluntária e prematura de conflitos de natureza política para o Poder Judiciário, instando os juízes a plasmarem provimentos judiciais sobre temas que demandam debate em outras arenas.

Essa prática tem exposto o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, a um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais quando decidem questões permeadas por desacordos morais que deveriam ter sido decididas no Parlamento”.

Os tribunais passaram a receber demandas que não envolvem interpretação jurídica, mas apenas decisões políticas. Decisões políticas são o domínio de políticos; o domínio dos tribunais é a aplicação das leis em nome da justiça. [domínio que não inclui, nem fundamenta, a intromissão do Poder Judiciário nos demais poderes, incluindo pretensões legislativa via 'interpretações criativas'.]

O ativismo judicial é uma violação da autonomia e da independência dos Poderes republicanos
Ele é parte da reação de um sistema acostumado durante muito tempo ao poder quase absoluto. 
Esse sistema se recusa a aceitar uma forma de expressão e organização política que dispense a mediação da diminuta elite urbana.

Uma elite que dá mais valor às opiniões de alguns servidores do Judiciário do que aos votos de 58 milhões de pessoas e que se embriaga de radicalismo chique, esquecendo-se de um detalhe importante: depois de toda a embriaguez, vem a ressaca.

Leia também “Uma coleção de apetites”

Roberto Motta, colunista - Revista Oeste

sábado, 7 de maio de 2022

Bandeiras pelo chão - Alon Feuerwerker

Análise Política

Se os atos de rua no 1º de maio não chegaram a impressionar pelos números, notou-se a direita mobilizando mais gente que a esquerda. Tem sido recorrente, e a direita traz esse fato para lançar dúvidas sobre as pesquisas de intenção de voto que mostram a esquerda liderando a corrida pelo Palácio do Planalto. [entendemos que as pesquisas atuais não merecem credibilidade e são 'adequadas' aos interesses da esquerda - são tão absurdas, tão sem crédito,  que sequer merecem perder tempo desacreditando-as.]Argumento relativo, pois quem vai para a rua, nos dois lados do espectro político, é uma fração residual do eleitorado.

Mas é inquestionável que, desde meados da década passada, a direita vem superando a esquerda na capacidade de mobilização. O traço novo da conjuntura brasileira no período recente tem sido o surgimento de uma direita de massas. André Singer, em artigo na revista do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp, tratou da reativação desse fenômeno.
O passado registrou ensaios (o Integralismo) e sístoles pontuais (Marcha da Família com Deus pela Liberdade). Mas nada que se compare a agora.

Fica para os especialistas explicar o porquê, e não custa especular sobre a novidade. Ela deve ter raízes materiais, com destaque para a transformação de boa parte da antiga classe operária em uma nova “classe média”. Mas seria reducionista limitar a explicação às bases objetivas.

O estudo do Brasil do século 20 mostra que os momentos mais férteis da esquerda não foram impulsionados pela propaganda e agitação da luta de classes. Eles vieram embalados em duas consignas herdadas da Revolução Francesa, liberdade e igualdade, e outras duas nascidas de uma visão anticolonial de mundo, soberania e desenvolvimento.

Ciro Gomes (PDT) ainda procura fazer do desenvolvimento um ponto de apoio para tentar mover o mundo da eleição, e no chamado campo progressista é só. Num certo ponto da história por aqui, a luta contra o subdesenvolvimento e pelo desenvolvimento adicionou, com razão, o “sustentável”. Com o tempo, o lado desenvolvimentista foi desaparecendo. Hoje reina, absoluta, a sustentabilidade. “Desenvolvimentista” virou xingamento nos círculos ilustrados do progressismo.

Progressismo que hoje se debate na armadilha de precisar explicar como vai combater a pobreza sem colocar o desenvolvimento no centro das preocupações.

Desenvolvimento não é tampouco expressão frequentadora das narrativas da direita. Feita a ressalva, é obrigatório notar que esta agarrou, sem medo de ser feliz, os outros três estandartes. A liberdade, com o “gancho” óbvio da liberdade de expressão, a igualdade, em oposição ao culto das diferenças como critério de empoderamento, e a defesa da soberania nacional, contra o “globalismo”.

O surgimento de uma direita de massas por aqui, e não só por aqui, coincide com o esforço hercúleo da esquerda para se reinventar e remaquiar por critérios socialmente aceitáveis pelo pensamento hegemônico neste início de século 21. E, na guerra pelos símbolos e valores, a direita vai pegando as bandeiras que a esquerda deixa pelo chão. Será interessante acompanhar e ver onde isso vai dar.
 
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

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Publicado na revista Veja de 11 de maio de 2022, edição nº 2.788

 

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

A infantilidade esquerdista - Gazeta do Povo

Rodrigo Constantino

O psiquiatra Lyle Rossiter, em A mentalidade esquerdista, defende a tese de que o esquerdismo é uma doença mental. Pode parecer algo forte de se dizer, mas não acho absurdo - e conheço doença mental de perto. É uma espécie de loucura, paixão (pathos) que domina a razão, um infantilismo eterno.
 
Aqueles que adotam a visão estética de mundo não conseguem mais se recuperar, não recuperam mais o apreço pela realidade como ela é, e não como gostaríamos que ela fosse. Ou seja, vivem num constante delírio, numa realidade paralela, criada para amenizar a angústia da condição humana, para fugir da dura realidade.
 
A natureza humana não é boazinha, a visão rousseauniana do "bom selvagem" é um engodo produzido pelo filósofo da vaidade, e a mentalidade revolucionária quer dar vazão à paixão de morte para destruir o mundo imperfeito que temos, para supostamente colocar em seu lugar um "paraíso utópico". Desde 1789 vivemos adaptações do mesmo tema jacobino.
 
 
Olavo de Carvalho, escrevendo em 2011 sobre as pretensões imperialistas revolucionárias de Putin e sua "Mãe Rússia", condenou essa mentalidade: a “salvação pela destruição” é um dos chavões mais constantes do discurso revolucionário. A Revolução Francesa prometeu salvar a França pela destruição do Antigo Regime: trouxe-a de queda em queda até à condição de potência de segunda classe. 
 
A Revolução Mexicana prometeu salvar o México pela destruição da Igreja Católica: transformou-o num fornecedor de drogas para o mundo e de miseráveis para a assistência social americana.  
A Revolução Russa prometeu salvar a Rússia pela destruição do capitalismo: transformou-a num cemitério. 
A Revolução Chinesa prometeu salvar a China pela destruição da cultura burguesa: transformou-a num matadouro
A Revolução Cubana prometeu salvar Cuba pela destruição dos usurpadores imperialistas: transformou-a numa prisão de mendigos.
 
Os positivistas brasileiros prometeram salvar o Brasil mediante a destruição da monarquia: acabaram com a única democracia que havia no continente e jogaram o país numa sucessão de golpes e ditaduras que só acabou em 1988 para dar lugar a uma ditadura modernizada com outro nome.
 
Agora que Putin de fato invadiu a Ucrânia e declarou guerra ao país, sem resistência por parte do Ocidente, vemos a reação infantiloide dessa esquerda boboca. Vou usar dois exemplos aqui, mas o tom é o mesmo por toda parte:
Na visão estética de mundo, basta recitar um poema e chamar Putin para uma conversa que tudo acabará bem, com todos cantando "Imagine" e soltando bolas de sabão num "abraçaço" ao pôr do sol. É como a personagem de Jodie Foster em "O Deus da Carnificina", de Polanski, achando que o mundo se resume ao Central Park de Nova York.  
Ela tinha um livro sobre crianças africanas sem qualquer noção da realidade no continente perdido. Vamos combater o mal com rosas!
 
Uma vez que lobos existem, um mundo só de cordeiros estará fadado à escravidão. A sorte deles é que existem também os pastores. São esses que protegem os cordeiros dos lobos, apesar de receberem em troca apenas o desprezo dos "pacifistas", pois pastores são muito beligerantes, armamentistas, exalam "masculinidade tóxica". 
Além do romantismo infantil, a esquerda adota a ingratidão como lema de vida.  
Mas se o Ocidente for salvo - e dessa vez há poucas esperanças - não será por homens como Justin Trudeau ou Emanuel Macron
Disso podemos estar seguros!
 
Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Tecnocracia autoritária - Rodrigo Constantino

Foto: Montagem Revista Oeste/STF Divulgação
Foto: Montagem Revista Oeste/STF Divulgação

Pouco depois, o ministro Dias Toffoli deu uma declaração bem estranha em evento em Portugal, afirmando que o Brasil já tem um regime de semipresidencialismo na prática, com o STF no papel de Poder Moderador, e ainda citou o exemplo da pandemia para ilustrar seu ponto. O Brasil não realizou nenhum plebiscito para mudar de regime, e, pelo que consta em nossa Constituição, somos um país presidencialista, com atribuições claras a cada Poder para criar um mecanismo de freios e contrapesos, impedindo o abuso de algum deles.

O que os dois casos parecem ter como denominador comum é uma mentalidade vigente principalmente na elite tecnocrática que trai certo desprezo pela opinião popular. Nos discursos, todos defendem a democracia, a soberania nacional, a pluralidade. Mas, na prática, muitos servidores do Estado alimentam uma crença arrogante de que são ungidos e precisam guiar as massas mais ignorantes, “empurrar a história” rumo ao “progresso”.

Isso não vem de hoje. Bismarck tinha fé semelhante nos burocratas da Prússia, e os democratas americanos tentam há décadas criar uma casta de especialistas que deveria concentrar mais poder. Woodrow Wilson e os “progressistas” basearam-se nos exemplos dos intelectuais tecnocráticos da Revolução Francesa, como Henri de Saint-Simon, ao defender que o governo poderia ser confiado a uma classe profissional de funcionários não eleitos, mas “especialistas”, os precursores dos modernos “tecnocratas”.

Sob essa ótica, o povo seria muito ignorante e emocional para ter autonomia
O crescimento do poder burocrático tem sido assustador, e se serve dessa mentalidade elitista. 
Em 2019, cerca de 450 agências federais americanas contavam com 2,7 milhões de burocratas. O Federal Register agora numera mais de 175 mil páginas de vários códigos, abrangendo 235 volumes. Seu tamanho aumentava anualmente — até 2017 e os esforços de última hora de Donald Trump na desregulamentação radical e algum enfraquecimento da burocracia.

O grande denominador comum dessa gente é o desprezo em relação às escolhas populares

Esse sentimento elitista ficou ainda mais escancarado durante o governo Trump, pois a elite “progressista” se recusou a aceitar o resultado das urnas, e desde o começo fez de tudo para derrubá-lo. Trump prometeu “drenar o pântano” em Washington, declarou guerra ao deep state, e este reagiu de maneira um tanto golpista. Inúmeras declarações de representantes dessa tecnocracia mostram como esses servidores de Estado embarcaram numa cruzada política, imbuídos da crença de que estavam lutando para impedir a destruição da própria democracia e uma suposta ameaça fascista. Para preservar as instituições, esses tecnocratas esgarçaram as próprias instituições republicanas.

O caso de maior destaque talvez seja o de James Comey. O ex-diretor do FBI involuntariamente simboliza o tema de maneira irônica em seu livro de memórias, A Higher Loyalty. Comey inadvertidamente publicou a noção hipócrita dodeep statede que violar leis e protocolos a serviço de suas supostas agendas éticas mais elevadas — neste caso, a oposição ao polêmico presidente Trump — era mais do que justificado. E, de fato, Comey deixou bem claro que não tinha lealdade às funções de seu cargo, mas, sim, ao seu messianismo de eliminar Trump da política. Com essa postura, arrastou a imagem do FBI para a lama.

Ao contrário da crença popular, o termo “deep state” nunca implicou uma cabala secreta. Muito menos agora transmite qualquer noção de filiação oficial. Em vez disso, é uma aliança natural e frouxa daqueles que se consideram guardiões permanentes do poder, da moralidade e da influência dos Estados Unidos. O Washington Post publicou um editorial em 2020 cujo título já estampava essa crença, alegando que era chegada a hora de as elites terem mais voz na escolha do presidente. O grande denominador comum dessa gente é a desconfiança ou mesmo o desprezo em relação às escolhas populares.

Robert Nisbet observou há muito tempo a irônica simbiose entre democracia e burocracia: “Por meio da democracia, a burocracia tem se expandido constantemente, resultado do número crescente de funções sociais e econômicas assumidas pelo Estado Democrático. Mas, quando a burocracia atinge um certo grau de massa e poder, ela se torna quase automaticamente resistente a qualquer vontade, incluindo a vontade eleita do povo, que não seja de sua própria autoria”.

Esses burocratas não eleitos querem não só proteger seus privilégios, mas governar os demais, mesmo que ignorando suas próprias escolhas democráticas. Ideologia de gênero, mudança climática, mulheres nas unidades de combate da linha de frente e casamento gay, entre 2008 e 2020, foram transformados de tópicos de discussão e debate legítimos em ortodoxias rígidas e politicamente corretas — muitas vezes mais por reguladores do que legisladores. O poder de legislar vem sendo usurpado do povo e delegado aos tecnocratas “iluminados”.

As metáforas são abundantes para o relacionamento entre democracia e burocracia, seja o parasita que eventualmente corrói seu hospedeiro, o monstro Frankenstein que não pode ser controlado por seu criador humano ou o computador de ficção científica que se torna rebelde e devora seu inventor. A necessidade de separar o poder entre legisladores, executivos e juízes repousava em uma visão pessimista da natureza humana: os funcionários sempre procurariam consolidar o poder e o fariam sob o pretexto de servir ao bem público ou a causas nobres.

O establishment americano usou muito a expressão “adultos na sala” para justificar a obstrução ao governo do presidente eleito, pois julgava Trump incapaz e perigoso para os “interesses nacionais”. A ameaça burocrática à cidadania clássica, segundo o historiador Victor Davis Hanson, é a ascensão de uma aristocracia virtual não eleita ou oligarquia fraudulenta que exerce o poder de uma maneira que não reflete um governo consensual. Com Trump, esse risco saltou aos olhos da maioria.

Seus opositores se autoproclamavam “a resistência”, como se fossem os guardiões da democracia fingindo que não fora a própria democracia quem colocara o magnata no poder. Os oponentes do presidente não se autodenominavam a tradicional “oposição leal” ou mesmo se viam como meros “oponentes”. Em vez disso, eles escolheram deliberadamente um termo da França ocupada na Segunda Guerra Mundial. Os combatentes do La Résistance formaram alianças “clandestinas” em toda a sociedade francesa, especialmente para organizar ataques militares às forças de ocupação nazistas e seus colaboradores de Vichy. Se a meta é tão nobre como expulsar nazistas, então vale tudo!

O establishment tem um papel importante na condução das coisas de Estado, sem dúvida. O staff carrega conhecimento importante para dar continuidade aos trabalhos durante as trocas políticas nos comandos. Mas de uma ideia razoável chegamos a um estágio preocupante, em que esse staff quer mandar em tudo, independentemente de quem o povo escolha como comandante. Isso é antidemocrático e extremamente perigoso. Hoje, é impossível ser um verdadeiro defensor da democracia e não condenar esse abuso de poder de uma tecnocracia cada vez mais autoritária.

Leia também “A volta do tribalismo”

Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste



domingo, 31 de outubro de 2021

A guilhotina do bem - Revista Oeste

Maurício Souza, campeão olímpico de vôlei | Foto: Reprodução Instagram
Maurício Souza, campeão olímpico de vôlei | Foto: Reprodução Instagram

O rei Luís XVI, condenado à morte por alta traição e crimes contra o Estado, foi enviado à guilhotina. Sua esposa, Maria Antonieta, teve o mesmo destino nove meses depois. Após a execução do rei, a guerra com várias potências europeias e intensas divisões ideológicas conduziram a Revolução Francesa à sua fase mais violenta e turbulenta. Em junho de 1793, os jacobinos tomaram o controle da Convenção Nacional dos girondinos mais moderados e instituíram uma série de medidas radicais, incluindo o estabelecimento de um novo calendário e a erradicação do cristianismo. Aqui, foi desencadeado o sangrento Reino do Terror, um período de dez meses em que os inimigos suspeitos da revolução foram guilhotinados aos milhares.

Eu não poderia deixar de visitar esse período bárbaro da história mundial e, guardadas as devidas proporções, abordar o assunto da semana envolvendo o jogador de vôlei Maurício Souza. Ele foi “cancelado” pela turma da tolerância e do amor por expor sua opinião sobre um desenho em quadrinhos.

O campeão olímpico teve o contrato rescindido unilateralmente pelo Minas Tênis Clube depois que os patrocinadores do time sofreram pressões dos atuais jacobinos virtuais que tentam de todas as maneiras tirar de circulação aqueles que não rezam a cartilha progressista da turba do Beautiful People. Em tempos em que questionar virou crime inafiançável, opinar contra o politicamente correto virou crime hediondo, com pena de prisão perpétua nos calabouços dos revolucionários de butique. E opinar, sem ofensas, foi o que Maurício fez.

Em seu Instagram pessoal, Maurício já havia criticado o uso da chamada “linguagem neutra”, mais uma página rasa da agenda de identidade de gênero que cancela sem dó nossa linda língua portuguesa. Nessa postagem, Maurício colocou na legenda: “O céu é o limite se deixarmos! Está chegando a hora de os silenciosos gritarem”. Na semana passada, alguns dias depois da repercussão do lançamento da história da DC Comics em que o filho do personagem Super-Homem se assume bissexual, o jogador postou: “É só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar…”. Mesmo sendo duramente criticado pelo terrível crime de opinião sobre um desenho — um de-se-nho, vale frisar —, Maurício voltou ao seu perfil e comentou mais um capítulo da agenda nefasta da esquerda radical: a exclusão de mulheres com a inclusão de homens biológicos em esportes femininos. Para isso, Maurício publicou uma foto de Gabrielle Ludwig, atleta transexual que faz parte de uma equipe feminina de basquete universitário. A foto, uma afronta às mulheres, já foi usada por mim em palestras sobre o assunto para mostrar — em claras e gritantes imagens — o absurdo que as mulheres estão sendo obrigadas a suportar caladas para não serem guilhotinadas. Homens biológicos, visivelmente formados com todos os resultados de anos de testosterona, competindo com meninas.

Gabrielle Ludwig, atleta transexual da equipe feminina de basquete, 
nos Estados Unidos -  Foto: Reprodução

LEIA TAMBÉM: este homem é uma lutadora
Diante de tamanha atrocidade protegida por essa política injusta e cruel com as mulheres, Maurício comentou: “Se você achar algum homem nessa foto você é preconceituoso, transfóbico e homofóbico. Mais uma conquista do feminismo para as mulheres!”. Não deu outra. Não foram apenas os jacobinos virtuais que chegaram aos montes à praça das redes sociais, as guilhotinas, compartilhadas por jornalistas e até atletas, formaram um corredor revolucionário “do bem”. Não bastava apenas silenciar o rapaz que pecou contra a agenda jacobina, era preciso mostrar às multidões o que acontece com os transgressores. 
É preciso tirar o sustento de um pai de família, encerrar a carreira de um atleta e destruir seu nome e sua reputação. Mas, claro, tudo em nome do amor ao próximo.

Inicialmente, antes de decidir pela rescisão do contrato do jogador, o Minas Tênis Clube, pressionado por seus dois principais patrocinadores, Fiat e Gerdau, havia apenas afastado e multado Maurício, além de exigir que ele publicasse uma retratação. E assim ele o fez. Publicou um pedido de desculpas àqueles que porventura se sentiram ofendidos, mantendo a defesa sobre a liberdade que todos têm para opinar. Não surtiu efeito. Maurício, campeão olímpico em 2016 e ainda rendendo como atleta de alta performance, teve a cabeça cortada em uma ação injusta, orquestrada milimetricamente.

O mais preocupante de tudo é que esse não é um caso isolado. É a nova regra, o novo normal que não pode — em hipótese alguma — ser aceito por nós. Em texto publicado no dia 28 de outubro em sua coluna na Gazeta do Povo, J.R. Guzzo foi no coração da questão:A perseguição desencadeada contra o atleta Maurício Luiz de Souza, jogador da seleção brasileira de vôlei, é um escândalo destes tempos em que o totalitarismo, a intolerância e o rancor são impostos à sociedade com violência cada vez maior pelos movimentos ‘politicamente corretos’. Foi um linchamento, puro e simples, da reputação e da carreira esportiva de um cidadão brasileiro que não fez absolutamente nada de errado, e nem outra coisa além de exercer o direito constitucional à expressão do seu próprio pensamento”.

Ainda dentro desse contexto que agitou o noticiário, minha grande decepção foi com o técnico da seleção brasileira masculina, Renan Dal Zotto, exímio ex-atleta que também defendeu o Brasil nas quadras durante anos, e uma pessoa por quem tenho respeito
Infelizmente, Renan não aguentou a pressão das guilhotinas chegando à praça pública. Paralisado com a virulência da movimentação jacobina, ajoelhou-se e beijou os anéis dos supostos novos reis do pedaço e suas cartilhas politicamente corretas. Em entrevista ao jornal O Globo, Dal Zotto afirmou: “É inadmissível esse tipo de conduta do Maurício. Sou radicalmente contra qualquer tipo de preconceito, homofobia, racismo. Em se tratando de seleção brasileira, não há espaço para profissionais homofóbicos. Não posso ter esse tipo de polêmica no grupo”. O técnico marcou pontos gloriosos com a audiência jacobina, o aplauso fácil veio instantaneamente. No entanto, Dal Zotto não mencionou a atrocidade, o crime nem a injúria cometidos por Maurício.

Esse cancelamento faz parte de uma pandemia intelectual de proporções bíblicas

Tive a sorte de ter bons técnicos na minha carreira como atleta profissional. Alguns me marcaram e deixaram lições que carrego até hoje. Além de técnicos, eles eram líderes. Nos erros, nos acertos, na escolha das palavras e nas lições plantadas que, uma vez proferidas e semeadas, não podem mais ser guardadas. Homens firmes, com prudência, zelo, sem menosprezar nem descartar a contribuição que podem deixar na construção do ser humano. Renan não foi capaz de pairar acima das agendas políticas e mostrar a mão de um líder nato. Seitas ideológicas cobram pedágio, e Renan pagou o seu para ser poupado.

Mas não se enganem, esse cancelamento acompanhado de linchamento e perseguição faz parte de uma pandemia intelectual de proporções bíblicas. Os atuais jacobinos, que prometem lutar contra a opressão às minorias, estão, curiosamente, apenas militando em países “opressores” onde há liberdade suficiente para que tanta bobagem seja dita e colocada em prática, como aqui nos Estados Unidos.

Há três semanas, o comediante Dave Chappelle cometeu um crime tão hediondo quanto o do jogador do Minas. Chappelle, em seu novo show na Netflix, disse que “gênero é um fato” e que “cada ser humano nesta sala, cada ser humano na Terra teve de passar pelas pernas de uma mulher para estar na Terra. Isso é fato”. Depois ele condenou o ataque contra as mulheres que não obedecem à teoria de gênero da esquerda. Já escutaram as guilhotinas se aproximando? Sim, elas foram trazidas, e durante duas semanas o comediante negro que ousou desafiar o politburo foi amarrado em praça pública para a exposição que já conhecemos.

Imediatamente, a mesma onda jacobina que pediu a cabeça do Maurício e de tantos outros que não beijam o anel invadiu as redes sociais e um dos prédios da Netflix. O que eles pediam? Um pedido de desculpas? Não. Queriam a cabeça de Chappelle por ele ter dito — o horror! — que gênero é um fato com homens sendo homens e mulheres sendo mulheres. Grupos ativistas como o Glaad (Aliança de Gays e Lésbicas Contra a Difamação, em português) espalharam a falácia de que “o conteúdo anti-LGBTQ” viola a política da Netflix de rejeitar programas que incitam ódio ou violência. A Glaad pediu então aos executivos da Netflix que ouvissem os funcionários LGBTQ, líderes da indústria e o público e se comprometessem a “viver de acordo com os padrões”. 

Quando o especial de Chappelle foi lançado em massa, o grupo disse que a “marca do comediante se tornou sinônimo de ridicularizar pessoas trans e outras comunidades marginalizadas”. Como outros artistas da Netflix, Jaclyn Moore, que foi roteirista e produtora do programa da Netflix Dear White People, foi até as redes sociais inflamar a militância com comentários do tipo: “Não vou trabalhar com eles (Netflix) enquanto eles continuarem a lançar e lucrar com conteúdo transfóbico descarada e perigosamente”.

Bem, praça cheia, guilhotina a postos, jacobinos babando por sangue. Vamos! O que estamos esperando? Faltou combinar com Chappelle, que não estava muito disposto a entregar sua cabeça. Quando perguntado sobre uma greve de funcionários transgêneros na Netflix depois de o conteúdo de seu show ter viralizado, ele disse: “Para a comunidade transgênero, estou mais do que disposto a lhe dar uma audiência, mas você não vai me convocar. Encontro com vocês nos meus termos, onde eu quiser e quando eu quiser. Não vou ceder às exigências de ninguém”.

Caitlyn Jenner, hoje transexual e que já foi campeão olímpico no decatlo masculino em 1976, está apoiando Dave Chappelle em meio à polêmica em torno dos comentários que ele fez sobre a comunidade transgênero em seu especial da Netflix, The Closer:Dave Chappelle está 100% certo”, tuitou Jenner. “Não se trata do movimento LGBTQ. É sobre a cultura do politicamente correto, do cancelamento. Cultura enlouquecida que tenta silenciar a liberdade de expressão. Nunca devemos ceder ou nos curvar para aqueles que desejam nos impedir de falar o que pensamos.

Diante da postura de Chappelle, o codiretor-executivo da Netflix, Ted Sarandos, acabou usando o bom senso e defendeu o especial de Chappelle em vários memorandos para funcionários da Netflix escrevendo: “Embora alguns funcionários discordem, temos uma forte convicção de que o conteúdo (do show) não se traduz diretamente em danos no mundo real”.

Quem me acompanha em outras plataformas sabe da minha admiração pelo psicólogo canadense e grande pensador contemporâneo Jordan Peterson. Peterson também já sofreu inúmeras tentativas de assassinato de sua reputação por parte dos jacobinos do bem. Para isso, ele tem o seguinte conselho: “Nunca peça desculpas a uma multidão sedenta de sangue. Você não está lidando com pessoas com quem pode restabelecer um relacionamento. Você está lidando com uma ideia sem alma que possui pessoas”.

Milhares das mortes na guilhotina que foram realizadas durante a Revolução Francesa aconteceram sob as ordens de Robespierre. No entanto, o francês revolucionário, que queria impor suas ideias com violência e brutalidade, jamais imaginou que seus métodos alcançariam exatamente o seu pescoço. 
Robespierre, que dominou o draconiano Comitê de Segurança Pública, foi executado em 28 de julho de 1794.

A Revolução Francesa se tornou modelo para outras revoluções nos séculos seguintes, e, como ela, esse tipo revolução consome seus próprios filhos. O Comitê de Segurança foi levado ao seu fim vergonhoso tanto por aqueles que não achavam que Robespierre era radical o suficiente quanto pelos moderados que denunciaram a violência em primeiro lugar. No final, a guilhotina também foi seu destino.

 Leia também: É desproporcional o que fizeram com Maurício Souza, afirma Janaina Paschoal

Deputada não aprovou a demissão do jogador de vôlei pelo Minas Tênis Clube

 “Este homem é uma lutadora”

Ana do vôlei - Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste