Ricardo Fiuza - Vozes
Não restam mais dúvidas: o Brasil está vivendo uma epidemia de milionários cismados com a Presidência da República. É a síndrome do “Mamãe, quero ser presidente”, muito comum entre gente mimada com o boi na sombra. O que mais poderia explicar esse surto de Dórias, Hucks, Amoedos, etc enguiçados nessa paranoia de mandar nos outros?
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Sim, essa é a paranoia. Porque se fosse uma paranoia do tipo missionária, quixotesca ou algo assim, eles não tentariam atrapalhar absolutamente tudo que é feito no país – para se apresentarem como solução heroica. É a velha história: quando a criança não recebe o devido contraponto ao narcisismo primário, passará o resto da vida querendo tudo para si – e nunca estará satisfeita.
O problema dos tempos atuais é a complacência das sociedades com as emanações do narcisismo pueril delirante. Não aparece ninguém para dar uma segurada no chilique. Os adultos estão cansados ao final de um dia de trabalho e lá estão os pirracentos na sala dizendo que vão salvar a Amazônia, que vão dar aula de democracia, que tá tudo errado e a Greta tem razão: ninguém nunca fez nada que preste por este planeta e eles vieram dar a real.
São criaturas sovinas, personalistas, calculistas e gulosas que ficam recitando um teatrinho amador de solidariedade e empatia – sem que a coletividade contraponha com a dignidade e a clareza necessárias: deixe de ser ridículo, seja homem. O mais interessante é que personalidades tidas como reserva intelectual da nação, tipo um FHC, estão se desmanchando diante desses emergentes remediados. A elite culta estava chocada, perplexa, estarrecida com a ascensão política dos rudes sem compostura, sem lastro histórico e doutrinário.
De repente cai de joelhos diante de um aventureiro de auditório.
De quantas conveniências e facilidades se faz uma grande alma?
É isso. Por que insistir em chamar de política o que é só uma loja de conveniência?
Tem prateleiras acessíveis com éticas baratinhas para tudo – ecologia, empatia, ciência, humanismo, inclusão sexual.
É só passar no caixa – ou nem precisa, se for amigo do dono.
Saia dali sorrindo com um abadá de preocupação social, com pulseirinha vip de macho sensível ou fêmea consciente, com camarote exclusivo na avenida das elevadas virtudes carnavalescas.
Mas nada seria possível nesse fabuloso mundo de facilidades sem uma imprensa abnegada na dura missão de transformar loja de conveniência em templo de virtudes.
Não pense que é fácil se prestar ao papel de vender arregimentadores de bilionários como luminares da comiseração.
Não despreze o custo de um rebolado até o chão para transformar frases de porta de banheiro em moderna filosofia progressista.
A contracultura libertária de hoje é um ajuntamento de nerds ricos e tarados pelo controle de cada vírgula. E você está entrando nessa democracia de cativeiro porque quer.
Ricardo Fiuza, jornalista - Gazeta do Povo - Vozes