Cada
vez que a elite política e intelectual que domina o Brasil usa a
palavra democracia, meu aparelho digestivo reage com engulhos. Numa
democracia, senhores, existe respeito a lei e limites ao uso que as
autoridades fazem de seus poderes.
Nesses bem-aventurados países,
vive-se uma realidade posterior ao absolutismo e nenhuma cabeça, coroada
ou não, age como se não houvesse lei, nem Justiça, nem humanidade.
Neles, o bom exemplo vem de cima e as motivações pessoais do lobo não
submetem os cordeiros.
Os
reprováveis e lamentáveis acontecimentos do dia 8 têm seus motivos, mas
motivos não são razões da razão.
Assim também, não são razões da razão
as que levaram nosso país à dura realidade de termos um campo de
concentração funcionando na Capital Federal onde seres humanos
capturados com rede de arrastão foram conduzidos de modo imprudente e
indiscriminado.
A quantos dias estamos de tresloucada e arrogante versão
brasileira de um gueto para opositores?
Quando idosos
arrebanhados, rotulados com a pecha de terroristas são submetidos às
degradantes condições que vemos eu me pergunto:
quem, realmente está
promovendo o terror; quem se dedica a criar medo na população?
Serão,
realmente, aquelas pessoas enroladas na bandeira do Brasil?
Em quem suas
orações e seu devotado amor à pátria causam pânico?
Lembrou-me
alguém que “os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da
luz”. Quem não foi esperto, eu sei. Quem não foi esperto cometeu o que
qualifiquei e continuo qualificando como um erro descomunal. Quem foi
esperto disse que mané perdeu. Quem foi esperto extrairá do dia 8 todo
proveito possível e boa dose do proveito impossível.
O ministro
Alexandre de Moraes tem agora o enredo que lhe faltava para a sigilosa
novela que, há anos, vinha tentando escrever.
Até prova em contrário,
continua sendo mero script.
Nada me convence de que a ideia da tal
invasão de Brasília nos dias 6, 7 e 8, convocada num vídeo que assisti,
já não fosse 100% infiltração. Mas, vá saber!
Caros
leitores, perante os fatos, de nada vale esbofeteá-los ou injuriá-los.
Não é assim que eles mudam. Fora da política não há salvação. Quem não
crê no trabalho político está admitindo não haver salvação. E está
deixando todo o trabalho para quem crê. Como escrevi há muitos anos: “Os
ingênuos estão na cadeia alimentar dos mal-intencionados”.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.