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terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Os ingênuos e os mal-intencionados - Percival Puggina

 

Cada vez que a elite política e intelectual que domina o Brasil usa a palavra democracia, meu aparelho digestivo reage com engulhos. Numa democracia, senhores, existe respeito a lei e limites ao uso que as autoridades fazem de seus poderes
Nesses bem-aventurados países, vive-se uma realidade posterior ao absolutismo e nenhuma cabeça, coroada ou não, age como se não houvesse lei, nem Justiça, nem humanidade. Neles, o bom exemplo vem de cima e as motivações pessoais do lobo não submetem os cordeiros.
 
Os reprováveis e lamentáveis acontecimentos do dia 8 têm seus motivos, mas motivos não são razões da razão.  
Assim também, não são razões da razão as que levaram nosso país à dura realidade de termos um campo de concentração funcionando na Capital Federal onde seres humanos capturados com rede de arrastão foram conduzidos de modo imprudente e indiscriminado. 
A quantos dias estamos de tresloucada e arrogante versão brasileira de um gueto para opositores?
 
Quando idosos arrebanhados, rotulados com a pecha de terroristas são submetidos às degradantes condições que vemos eu me pergunto:  
quem, realmente está promovendo o terror; quem se dedica a criar medo na população? 
Serão, realmente, aquelas pessoas enroladas na bandeira do Brasil? 
Em quem suas orações e seu devotado amor à pátria causam pânico?

Lembrou-me alguém que “os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz”. Quem não foi esperto, eu sei. Quem não foi esperto cometeu o que qualifiquei e continuo qualificando como um erro descomunal. Quem foi esperto disse que mané perdeu. Quem foi esperto extrairá do dia 8 todo proveito possível  e boa dose do proveito impossível.

O ministro Alexandre de Moraes tem agora o enredo que lhe faltava para a sigilosa novela que, há anos, vinha tentando escrever
Até prova em contrário, continua sendo mero script. 
Nada me convence de que a ideia da tal invasão de Brasília nos dias 6, 7 e 8, convocada num vídeo que assisti, já não fosse 100% infiltração. Mas, vá saber!

Caros leitores, perante os fatos, de nada vale esbofeteá-los ou injuriá-los. Não é assim que eles mudam. Fora da política não há salvação. Quem não crê no trabalho político está admitindo não haver salvação. E está deixando todo o trabalho para quem crê. Como escrevi há muitos anos: “Os ingênuos estão na cadeia alimentar dos mal-intencionados”.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


domingo, 29 de maio de 2022

A frase das frases da semana: “Não deixarei o Supremo isolado” - IDEIAS - Gazeta do Povo

Jones Rossi e Paulo Polzonoff Jr.

As frases da semana: “Não deixarei o Supremo isolado”
As frases da semana: “Não deixarei o Supremo isolado”

Foto: Agência Brasil

"Não deixarei o Supremo isolado" Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, em flagrante conluio com o poder que ele deveria fiscalizar. Sabe o que acontece com as ovelhas que acham que podem conviver com os lobos, né?

"O que a Bíblia diz sobre o aborto" Universa, cantinho ultraprogressista do UOL, recorrendo à exegese herege para justificar o assassinato de bebês. O texto começa sugerindo que a defesa da vida é coisa de “religiosos fundamentalistas”. Sente o nível!

“Quer baixar a inflação? Então garanta que as empresas mais ricas paguem seus impostos” – Joe Biden, presidente dos Estados Unidos. Como assim Biden fez um intensivão com os economistas da Unicamp e ninguém nos avisa?

"Só um psicopata ou um imbecil para dizer que os movimentos de 7 de Setembro e 1º de Maio atentam contra a democracia. Quem diz isso é um psicopata ou imbecil" Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, sobre a fala tresloucada de seu arqui-inimigo Alexandre de Moraes, o ministro do STF que confunde toda e qualquer crítica a ele com "atos antidemocráticos".

"Na data comemorativa da abolição da escravatura é oportuno relembrar as dívidas históricas com a população negra e a importância de enfrentar o racismo estrutural que nos diminui a todos." Luis Roberto Barroso, ministro do STF, usando todos os clichês possíveis em sua incansável militância progressista dentro da Suprema Corte.  Resta saber se ele vai pagar nossa parte nessa dívida histórica por TED ou Pix.

"Metáfora de macho adulto branco sempre no comando" – Jean Wyllys, tomando as dores do parça Gregório Duvivier na treta com Ciro Gomes, que cometeu o pecado de chamar o comediante (cof! cof!) para um debate com (atenção!) “paridade de armas".

"Empresas precisam de capital para o seu desenvolvimento. Precisamos de tecnologia, precisamos de novos mercados e iremos avançar" – Nicolas Maduro, ditador, ao anunciar a venda de ações de estatais venezuelanas. Fontes anônimas registraram choro e ranger de dentes na sede do PSOL após esta notícia.

"Mas ela é artista?"
– Samantha Schmutz, incontestavelmente artista (tive que procurar quem ela é no Google para não errar o nome), questionando os dons... artísticos de Juliette, só porque a ex-BBB (ainda) não faz parte da panelinha.

“Fãs brancos se divertem com atletas negros um dia depois de um racista matar negros em Buffalo – eis o supremacismo branco” - Deadspin, blog esportivo americano. A gente até tinha pensado num comentário legal, mas acabamos nos distraindo com mais uma cesta de 3 pontos de pontos do Stephen Curry. Desculpe.

"Eu certamente deixarei a Suprema Corte quando fizer u trabalho tão porcamente quanto você faz o seu" – Clarence Thomas, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, para um jornalista. Apesar da frase, tanto o juiz quanto o jornalista e a plateia riram do chiste.

“Quadro da independência serviu aos militares” – Lilia Schwarcz, historiadora que curte destruir obras históricas por conveniência política. Aliás, como é que alguém que adora ostentar títulos acadêmicos se escandaliza com o uso político circunstancial de uma obra de arte? Escândalo seria se os militares se inspirassem em Francis Bacon.

"Vereador de Curitiba está sendo cassado por suas virtudes e não por seus defeitos" –
Julio Lancelotti, padre de passeata (para usar a expressão criada por Nelson Rodrigues), passando pano para o vereador e enfant terrible Renato de Freitas, que gosta de passar os domingos invadindo igrejas e atrapalhando Missas para fazer manifestações blasfemas. É mais fácil avistar o chupa-cabra do que encontrar virtude nas ações do futuro ex-vereador.

"É muito 'disgusting' ter que passar, de novo, por isso que nós estamos passando" – Marco Aurélio, diretor de teatro, recorrendo ao inglês para expressar seu nojinho pelo governo e, assim, pagar o devido pedágio à turma que supostamente compra ingresso para ver suas peças de teatro. Awful.

“Um amigo do futuro, jornalista, me enviou matérias de janeiro de 2023. Adianto algumas : inflação, desemprego, alta do dólar, culpa de Lula. Gasto de bolsonaro no cartão corporativo, foi Lula. Uma nova variante da Covid, a PTrômico: saiu da barba de Lula, e 2 pedalinhos da Ferrari que Lula já comprou!” Juninho Pernambucano, ex-jogador de futebol, craque incontestável em campo, mas um pereba irredimível com as palavras, apelando antecipadamente para a vitimização diante dos fracassos de um terceiro mandato de Lula (toc, toc, toc).

"O casamento hoje de Lula e Janja, conforme o convite, começa às 19h. (...) Que tal fazermos aqui, juntos, nesse exato horário um brinde aos recém-casados?" – Hildegard Angel, colunista social, encontrando uma justificativa mais ou menos plausível para se empanturrar de espumante em plena quarta-feira.

“Deixem Lula se casar em paz” – Mariliz Pereira Jorge, a mais histriônica das jornalistas antibolsonaristas, engolindo o ciúme de Janja.

"Sim" - Lula, ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado, em sua luxuosa festa de casamento. Supõe-se que a noiva também tenha dito "sim".

“A decisão individual de dar início a uma invasão brutal e sem justificativa ao Iraque. Digo, à Ucrânia..." –
George W. Bush, ex-presidente dos Estados Unidos, num ato falho espetacular.

"Moças. Machexplicação é uma corruptela de ‘macho’ e ‘explicação’" – Elon Musk, bilionário e dublê de comediante, testando o nível de liberdade de expressão do Twitter.

“Elon Musk no Brasil, em encontro secreto com o Presidente Miliciano, na véspera das eleições, só pode significar uma coisa: GOLPE DE ESTADO”
– Leonel Radde, vereador em Porto Alegre (PT), e que se define como "Policial Civil Antifascista, Aikidoka, vegetariano e Zen Budista". A declaração foi feita na rede social golpista Twitter.

#MEMÓRIA

Ostentação deveria ser crime previsto no Código Penal – Leonardo Sakamoto, jornalista, numa grande sakada do Saka, saka? Será que ele foi convidado para o casamento de Lula?

Ideias - Gazeta do Povo

 

sábado, 11 de setembro de 2021

E AGORA, SUSPENDE-SE A DITADURA PREVENTIVA?

Fernão Lara Mesquita, em o Vespeiro

Com que, então, fica oficialmente revogada, por escrito, solene e incondicionalmente, a "conspiração para o golpe militar" de Jair Bolsonaro. Constata-se, com os olhos de ver, que o cordeiro está "sujando a água" abaixo do ponto onde bebe o lobo. 
Já não há motivo algum que justifique os poderes não previstos na constituição que o Supremo Tribunal Federal se auto-atribuiu.
Nenhum "temor pelas nossas liberdades futuras" explica mais a suspensão das nossas liberdades presentes. Os direitos e garantias democráticos que a Constituição garante aos brasileiros de todas as preferências e de todas as linhas de pensamento devem ser prontamente restabelecidos.

Devolva-se já a liberdade aos que foram presos por crime de pensamento ou palavra!  Há base muito mais sólida na constituição para isso do que a que têm usado os nossos guardiões da democracia para soltar, não apenas os condenados por atos criminosos de colarinho branco mas também os bilionários culpados por crimes de sangue em série, como é o caso do segundo chefão do PCC devolvido anteontem às ruas.

Nada, rigorosamente nada mais, "ameaça" a nossa democracia. É chato mas é verdade!

Suspenda-se imediatamente a censura! Desative-se o algoritmo chinês com que o ministro Alexandre de Moraes vasculha vigilante as redes sociais! Restitua-se a palavra a quem a teve cassada! A remuneração a quem o público escolheu pagar para ouvir!

Tortura, nunca mais!

A hora é de considerar a indenização das vitimas punidas e abusadas pela ditadura preventiva e o banimento da vida publica dos "torturadores" da CPI/DOI-CODI que humilhou, ofendeu e prendeu inocentes por "superfaturamentos" que nunca aconteceram em compras de vacinas que jamais se concretizaram.

O Supremo Tribunal Federal pode voltar à sua função, que se resume estrita e constitucionalmente, a avaliar que leis combinam ou não com os limites da Constituição. Pode, o nosso tribunal sempre alerta, devolver aos legisladores eleitos pelos brasileiros o poder exclusivo de legislar legitimamente em seu nome e aos executivos eleitos as prerrogativas que a Lei Maior lhes garante.

A imprensa-turba terá de conformar-se com sua decepção e voltar a cobrir o que acontece em vez [narrar o] do que gostaria que acontecesse.  
Em defesa da democracia deve passar a pedir a cabeça dos ditadores que há e não dos ditadores que gostaria que houvesse. 
Ou então, enfiar em algum buraco toda aquela narrativa dos anos-de-chumbo onde era exatamente disso que ela se queixava.

O Vespeiro - publicação original


segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Na marca do pênalti - Fernando Gabeira

In Blog

Bolsonaro fez parte de um seleto grupo de estadistas que negaram a pandemia. Em seguida, foi o único no mundo, ressalta o jornal “Le Figaro”, que se colocou negativamente diante da vacinação. Ele foi escolhido como o pior corrupto do ano, pelo Organized Crime and Corruption Reporting Project. Coisa de comunistas? Os escolhidos anteriormente foram Putin, Maduro e Duterte.

[a pandemia, com as BÊNÇÃOS DIVINAS, vai passar ainda no inicio de 2021 - é só cessar os efeitos de alguns excessos praticados por incautos.
Cessando a pandemia, quer os inimigos do Brasil gostem ou não,  o presidente da República Federativa do Brasil, JAIR MESSIAS BOLSONARO, vai conseguir governar - missão que lhe foi concedida por quase 60.000.000 de brasileiros.
 
Voltará com suas pautas de campanha, incluindo sem limitar,  a de COSTUMES, de SEGURANÇA e todas serão aprovadas e implantadas. Algumas, com destaque para a de COSTUMES, precisam de ajustes, até mesmo endurecimento, pela deterioração sofrida.
Serão NOVOS e BONS TEMPOS, o que nos leva a perguntar
- Que nos importa a opinião de um jornal francês (não nos importam nem as ameaças feitas pelo presidente francês de internacionalizar a Amazônia - se tentar, vai perder)?
- Que valor tem uma organização de gringos  considerar o presidente Bolsonaro o pior corrupto do ano?  
Estranho,  o PIOR = a principio se pensa em ser o pior por ser o mais corrupto; só que no caso não vale tal pensamento, já que acusaram o presidente de quase tudo e mais alguma coisa, mas quanto a ser corrupto nada existe - tanto que tentam jogar a pecha de corruptos sobre os filhos do presidente para então associar = só que são CPFs diferentes.]

Bolsonaro chegou ao fim de 2020 com 24 pedidos de impeachment acumulados na gaveta. Alguns comentaristas acham que ele zombou da tortura em Dilma Rousseff para desviar a atenção de seu fracasso diante da pandemia. Mas é uma tática estúpida. Não se disfarça a morte com cheiro de morte, muito menos se esconde a desumanidade contra muitos, concentrando-a numa só pessoa.

O conjunto de declarações de Bolsonaro está registrado. Uma pandemia com quase 200 mil mortos não desaparece na história como um relâmpago no céu. [também não desaparece a comprovação farta de que o Governo Federal foi afastado do comando, da linha de frente das ações de combate ao coronavírus, sendo dado o protagonismo aos governadores e prefeitos.]  Ele contribuiu para que uma parte do povo brasileiro desafiasse o perigo da pandemia e colocasse em risco a própria vida e a dos outros.

Bolsonaro ignorou os apelos para que o Estado protegesse as populações indígenas. Por duas vezes, o STF devolveu ao governo a lição de casa que não consegue realizar: um plano eficaz para protegê-las. No governo, Bolsonaro aumentou a destruição da Amazônia, queimou um terço do Pantanal, e o Cerrado perdeu 13 % de sua vegetação. No seu prontuário, não pesam apenas vidas humanas, mas espécies animais, plantas, enfim, todos os componentes da riqueza do Brasil.

Sua política arruína as chances de nos apresentarmos como uma potência ambiental, atraindo energias, capitais, poderosos governos, todos ansiosos por trabalhar conosco numa nova etapa da luta mundial pela sobrevivência das novas gerações. Numa das suas últimas lives, Bolsonaro afirmou que não seria retirado da Presidência sem um motivo justo. Ninguém faria isso. Mas a situação muda de figura quando se consideram 200 mil mortes diante de um governo negacionista. Se isso não for um motivo justo para milhares de famílias que perderam seus entes queridos, o que será? [a primeira providência que decide o que é um motivo justo - no caso um crime de responsabilidade, devidamente comprovado - são os votos de 342 deputados favoráveis a que seja aberto um processo de impeachment. 
341 votos não autorizam sequer que a sessão para apreciar o pedido de impeachment seja aberta.]

O auxílio emergencial aprovado pelo Congresso atenuou o impacto da posição inicial na imagem de Bolsonaro. A má vontade com a vacina atualizou sua culpa. O general Pazuello tem responsabilidade, mas obedece a Bolsonaro. Só é formalmente um Sancho Pança. Sancho seguia Dom Quixote, um símbolo permanente da humanidade. Assim mesmo, era capaz de alertar: olha mestre, olha o que senhor está falando.

Juntos, capitão e general arrastaram as Forças Armadas para uma política que nega sua proximidade com a ciência, lança dúvida sobre sua capacidade e chega a nos fazer duvidar dos critérios que levam alguém ao generalato. [um pouco de prudência ao lançar dúvidas sobre, ou acusar, nossas Forças Armadas, é aconselhável. 

Acusações ou dúvidas, sem amparo em fatos, costumam causar constrangimento. Recentemente o Exército Brasileiro foi acusado de estar promovendo um genocídio = o autor da acusação teve que recuar quando percebeu que faltavam os mortos.]

A aventura da hidroxicloroquina, justificada pelo Exército como um conforto à população assustada, é um argumento religioso. Remédios são feitos para curar.  A pandemia revelou o abismo da desigualdade social. Entramos em 2021 sem resposta para milhares de pessoas necessitadas. Não só estamos longe de um contrato social, mas sendo cada vez mais empurrados para a barbárie.

Bolsonaro é a barbárie de que o capitalismo escapou no século passado, com a ajuda da social-democracia e de políticas sociais. E de que a globalização procura escapar, no século XXI, com as diretivas de governança sustentável e socialmente responsável. No seu governo, vigora a tese de que o homem é o lobo do homem, de que os fortes sobrevivem de armas na mão. Não há chances de construir um país com essas ideias. A esperança em 2021 passa por nos livrarmos desse pesadelo, em condições ainda difíceis de movimento e contato físico.

Quando os valores humanos são negados tão radicalmente por um líder e seus fiéis que riem da tortura, é fácil compreender que a luta não é apenas por um país, mas pela sobrevivência da espécie. No Brasil, a humanidade está em jogo. Muitos já compreendem, mesmo vivendo fora daqui, o potencial destrutivo dessa ameaça.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista - O Globo 

Artigo publicado no jornal O Globo em 04/01/2020

 

domingo, 17 de março de 2019

O lobo e o bom selvagem

“O risco que corremos, com a polarização ideológica que se estabeleceu, é o surgimento de uma militância política armada. A saída ainda é depurar, reformar e fortalecer o sistema de segurança pública”

Na política, é muito comum o sujeito achar que o bom rapaz terminará por último, uma expressão do mundo do beisebol, esporte no qual os melhores do mundo atualmente são o Japão, os Estados Unidos, a Coreia e Cuba, com a Venezuela na cola deles. O ardil, a dissimulação, a esperteza e a falta de escrúpulos parecem ser a regra do jogo, mas não é bem assim, existem bons rapazes na política, sem a qual não existe processo civilizatório. O neodarwinista Richard Dawkins, no último capítulo do livro O gene egoísta (Companhia das Letras), discute exatamente isso. Segundo Dawkins, o ser humano é um grande arranjo biológico, uma espécie de máquina de sobrevivência de um gene egoísta reprodutor da espécie. Para isso, porém, também precisa ser altruísta, cooperar com os demais integrantes da espécie para não entrar em extinção. É aí que os bons rapazes podem acabar em primeiro.

Para explicar o raciocínio, Dawkins faz uma analogia com os pássaros de uma mesma espécie, mas com  comportamentos distintos: os trapaceiros, os trouxas e os rancorosos, todos em luta com piolhos alojados na cabeça, que poderiam exterminar a espécie. Caso existissem somente trapaceiros e trouxas, a espécie seria extinta, porque somente o segundo cataria os piolhos alheios, o que não seria suficiente para manter o equilíbrio ecológico. Os trapaceiros não catam piolho de ninguém, nem podem removê-los da própria cabeça; com a redução da população de trouxas, todos acabariam extintos.

Quando entram em cena os rancorosos, a situação se modifica. São pássaros que ajudam uns aos outros de maneira mais ou menos altruísta, mas que se recusavam a colaborar com os indivíduos que se recusaram a ajudá-los. Por essa razão, os rancorosos conseguem transmitir mais genes às gerações seguintes do que os trouxas (que ajudavam os indivíduos indiscriminadamente e por isso eram explorados) e também que os trapaceiros (que, implacáveis, tentavam explorar todo mundo e acabaram por se anular uns aos outros). Com o chamado altruísmo recíproco, a população de trouxas diminui e os trapaceiros acabam com a sobrevivência ameaçada pelo isolamento. O Brasil está passando por um período darwinista na política. Nesse contexto é que devemos examinar a crise de segurança pública e o problema da violência.

Militância
Os animais agem instintivamente na luta pela sobrevivência, a violência é um elemento natural que faz parte de um ciclo independente e resulta do instinto de conservação. Entretanto, só se utilizam dessa prática na busca de alimento, na luta pelo território ou na disputa pela fêmea; ou ainda, quando se sentem ameaçados. Ou seja, somente em situações extremas, em prol da conservação da espécie. O homem também é um animal que se utiliza da violência para sobreviver. Porém, extrapola os limites do natural e, muitas vezes, age violentamente a ponto de prejudicar a sua própria espécie, fato que contraria as leis da natureza. A desigualdade social, a impunidade e a corrupção estão entre os fatores de violência, mas é preciso saber lidar com isso e contê-las.


Há duas concepções seminais sobre isso: A tese do “lobo do homem”, de Thomas Hobbes, segundo o qual a sociedade está sempre ameaçada por uma guerra civil, onde todos os seus integrantes vivem em uma situação de permanente conflito, “uma guerra de um contra todos e de todos entre si”. O estado da natureza, segundo ele, era um mundo de feras, onde “o verdadeiro lobo do homem era o próprio homem”. Para Hobbes, “um homem não pode abandonar o direito de resistir àqueles que o atacam com força para lhe retirar a vida”. E o mito do “bom selvagem”, do iluminista francês Jean Jaques Russeau, para quem primitivamente o homem é generoso, embora esteja sempre sob o jugo da vida em sociedade, a qual o predispõe à maldade. A condição para reverter essa tendência e transformá-lo num bom cidadão é a construção de um “contrato social”, que estabeleça as regras do jogo: “O mais forte não é suficientemente forte se não conseguir transformar a sua força em direito e a obediência em dever.”

O debate sobre a violência no Brasil gravita em torno dessas duas concepções, que estão na gênese do Estado moderno. O ponto de convergência entre ambos é o monopólio do uso da violência pelo Estado, como estabelece a nossa Constituição. Esse monopólio, porém, foi quebrado pelos “trapaceiros”. Estão aí o PCC, em São Paulo, e as milícias, no Rio de Janeiro, que atuam como “Estados paralelos”.Não será armando a população que esse problema será resolvido. O risco que corremos, com a polarização ideológica que se estabeleceu em torno disso, é o surgimento de uma militância política armada. A saída ainda é depurar, reformar e fortalecer o sistema de segurança pública.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB