Especialistas criticam indulto de Natal de Temer
Eles destacam os abusos do decreto, mas alertam para possível ingerência do Judiciário no Executivo
Especialistas ouvidos pelo GLOBO concordaram
que o decreto do presidente Michel Temer sobre o indulto de Natal
beneficia criminosos do "colarinho branco". No entanto, destacam que
a decisão da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), em suspender parcialmente o decreto presidencial mostra
os conflitos entre Judiciário e Executivo. Veja abaixo o que eles disseram:
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*Governo se desgastou com o episódio
“Houve
uma sucessão de erros com esse decreto que amplia as possibilidades de um preso
condenado conseguir indulto. Politicamente, um governo que tem ministros
pendurados no foro privilegiado e teve outros integrantes que caíram por causa
de denúncias não deveria tratar de um tema como esse. Para a imagem do governo,
foi um absurdo esse episódio, apesar de a Constituição dar amparo para o
presidente fazer isso.
Por outro
lado, houve erro porque a decisão do Supremo Tribunal Federal significa
interferência no Executivo. São dois erros que mostram a crise institucional
que a gente vive. O decreto por si só é um absurdo. Foi uma derrota porque o
governo se desgastou à toa ao se expor negativamente num momento ruim com o
resultado do desemprego divulgado nesta semana, que foi uma ducha de água fria.
O governo poderia ter passado sem essa”.
(*Marco
Antonio Teixeira é cientista político e professor da FGV-SP)
*Derrota ao ser obrigado a recuar
“Essa
decisão da presidente do STF, Cármen Lúcia, representa o sistema de pesos e contrapesos
da democracia. O Tribunal interviu em um decreto em que a presidente entendeu
que deve ser levado ao plenário. [como habitual, a presidente NÃO decidiu se o assunto vai ao Plenário do STF ou será decidido apenas pelo ministro relator. Deixou por conta do ministro Barroso, relator, decidir monocraticamente ou submeter ao colegiado.] Obviamente é uma derrota para o governo do
presidente Michel Temer, que tentou passar, às vésperas de um grande feriado,
um decreto que beneficia os criminosos do colarinho branco. No cálculo do
governo, a coisa passaria despercebida.
O governo
apelou para o jogo retórico ao defender o decreto e dizer que não faria
mudanças. Ao fazer isso, passou recibo por dizer que não iria recuar e agora é
obrigado a obedecer a liminar da presidente do STF. O episódio revela o esforço
sistemático do governo de amenizar a situação dos implicados na Lava-Jato,
especialmente os aliados, porque esse decreto é quase feito sob encomenda ao
reduzir o tempo de cumprimento de pena e eliminar a multa para quem pede o
indulto”.
(*Fernando
A. de Azevedo é cientista político da UFScar)
*Decisão técnica, mas intromissão complexa
Do ponto
de vista técnico, a decisão está correta. Se a ministra não suspendesse o
decreto e, no futuro, o Supremo Tribunal Federal declarasse o texto
inconstitucional, haveria o risco de que nesse meio tempo presos fossem
beneficiados com base no decreto de Temer. E esse benefício não poderia ser
revertido. Por outro lado, o presidente tem a prerrogativa constitucional de
conceder o indulto aos réus condenados. Em regra, toda vez que a Constituição
confere um poder ao presidente, ele pode usar. Pode usar bem ou usar mal, e não
haverá ilegalidade.
Existem
críticas contra o decreto por parte de membros do Ministério Público e da
Operação Lava-Jato. Mas o fato de esse indulto ser mais amplo, significa que é
um abuso? Eu acho complicado o Poder Judiciário se intrometer num ato
discricionário do presidente da República. Isso é fruto de uma judicialização
de tudo que acontece no país. Esse debate saiu do palco político para ter como
atores e protagonistas quem não tem esse poder. É bom lembrar, porém, que, em matéria
de constitucionalidade, muitas vezes o STF tem que assumir um papel
contramajoritário. O termômetro para a decisão final do Supremo não pode ser
agradar a voz das ruas”.
(*Gustavo
Badaró é professor da faculdade de Direito da USP)
O Globo