Revista Oeste
De volta ao poder, a esquerda tenta controlar a liberdade de expressão no Brasil pela terceira vez — a novidade é que agora tem um aliado supremo
Quando chegou ao poder em janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cercou-se de um grupo de petistas de confiança, apelidado de “núcleo duro” do governo. Todas as ações colocadas em prática saíram de reuniões com o chefe do time, José Dirceu; o bancário Luiz Gushiken, apelidado de China; o intelectual mineiro Luiz Dulci, professor de letras clássicas; Antonio Palocci (Fazenda) e Gilberto Carvalho, auxiliar de Lula em todas as horas.
Partiu desse grupo, com voto contrário de Palocci, a ideia de implementar um Conselho Federal de Jornalismo, destinado a regular os meios de comunicação — ou controlar “o que alguns profissionais e algumas empresas divulgam por interesse”, como disse Ricardo Kotscho, então secretário de Imprensa do Palácio do Planalto.
Em 2010, a ex-presidente Dilma Rousseff tinha como um dos principais assessores o jornalista Franklin Martins, que como ela participou de grupos terroristas armados contra o regime militar. Martins redigiu um “anteprojeto de regulação da mídia” que previa a criação de uma agência de informação no Brasil, nos moldes da KGB soviética e da DGI (Direção-Geral de Inteligência) de Cuba. Dizia que era preciso “ter certo equilíbrio” no que veículos de mídia produziam, especialmente a Rede Globo, a revista Veja e os jornais Folha de S.Paulo e Estado de S. Paulo. Sem votos no Congresso, Dilma não levou o projeto adiante. Tempos depois, numa live durante a campanha do ano passado, Martins lembrou da história. “Por razões que um dia ela explicará, resolveu deixar o projeto na gaveta”, disse. Estava ao lado de Fernando Haddad e de outros petistas, que sugeriram tentar controlar a mídia outra vez se Lula fosse eleito.
As reações enfurecidas de Moraes contra as big techs passaram a dividir até jornalistas do autointitulado consórcio da imprensa. Aos poucos, alguns começam a questionar se esse autoritarismo não ultrapassou o limite das liberdades constitucionais
Eis que, de volta ao poder em 2023, Lula promove uma nova investida para tutelar a liberdade de expressão e de imprensa no país.
O escolhido para comandar o projeto de controle da informação — consequentemente, da internet — no Brasil foi o comunista Flávio Dino, ministro da Justiça e também responsável pelo controle das divisões de Inteligência e da Polícia Federal. Com estilo autoritário e fanfarrão, Dino é tão bem tratado pela velha mídia que se sentiu à vontade nesta semana para se declarar um super-herói do cinema.
Confesso que gostei. Sonhos de infância não morrem jamais. 😎🤣 pic.twitter.com/MuJ4nKXaGS— Flávio Dino 🇧🇷 (@FlavioDino) May 10, 2023
PL das Fake News | “Que imunidade é esta?”, questionou @FlavioDino, ministro da @JusticaGovBR, ao falar sobre a regulação das empresas de tecnologia na Comissão de Segurança Pública do Senado. Confira o que disse o ministro: pic.twitter.com/f1Bpd6xzQY— TV BrasilGov (@tvbrasilgov) May 10, 2023
A equação parecia perfeita para a esquerda, mas faltou um ingrediente crucial: os votos no Congresso, que dariam verniz democrático à censura.
O aval supremo
O problema real nessa nova tentativa de mordaça contra a liberdade de expressão no país é que, desta vez, ela tem chance de prosperar.
A espada desse Poder Moderador que não existe desde a Constituição Imperial de 1824, redigida em benefício de dom Pedro II, está nas mãos do ministro Alexandre de Moraes.
A mais recente decisão de Moraes atingiu o Telegram, plataforma mundial de troca de mensagens concorrente do WhatsApp. Na quarta-feira 10, a empresa enviou aos usuários a seguinte mensagem: “O Brasil está prestes a aprovar uma lei que acabará com a liberdade de expressão. O PL 2630/2020 dá ao governo poderes de censura sem supervisão judicial prévia. Se aprovado, empresas como o Telegram podem ter que sair do Brasil”.
A mensagem deixou a esquerda furiosa. Randolfe e o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP) compararam o Telegram ao nazismo.
O Telegram já sofreu bloqueios ou foi banido em 11 países. Os casos mais agudos ocorreram nas ditaduras da China e de Cuba e no Irã. Houve problemas sérios com canais no Paquistão e na Rússia. Não há relatos de ameaça ao seu funcionamento em países como os Estados Unidos, o Reino Unido, o Japão, nem no eixo ocidental.
Diante desse cenário, as reações enfurecidas de Moraes contra as big techs passaram a dividir até jornalistas do autointitulado consórcio da imprensa. Aos poucos, alguns começam a questionar se esse autoritarismo não ultrapassou o limite das liberdades constitucionais. “Nenhum juiz é árbitro do debate público no País, menos ainda com decisões de ofício, menos ainda sobre projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional”, afirmou o editorial de O Estado de S. Paulo. Suas decisões tampouco são unanimidade no Ministério Público Federal — uma das principais críticas é a vice-procuradora Lindôra Araújo. Opinião do Jornal Estado de S. Paulo (4/5/2023) | Foto: ReproduçãoOpinião do Jornal Folha de S. Paulo (10/5/2023) | Foto: Reprodução
É absurda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Alexandre de Moraes, de obrigar o Telegram a retirar sua mensagem contra o Projeto de Lei (PL) 2.630, chamado PL das Fake News, e no lugar obrigar o aplicativo a assumir que sua mensagem anterior é…— Merval Pereira (@mervalpereira) May 11, 2023
Imediatamente, Flávio Dino correu para o Twitter e escreveu que a Polícia Federal já estava a postos para tomar o depoimento dos representantes do Telegram — e qualquer outra providência que Alexandre de Moraes pedir.
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