Não se sabe se o esforço será bem-sucedido, mas Jair Bolsonaro tem demonstrado, na montagem de seu Ministério, que está mesmo disposto a acabar com o presidencialismo de coalizão
Uma parte considerável das desventuras nacionais tem origem no chamado
presidencialismo de coalizão, que vigora no País, com maior ou menor
força, há cerca de três décadas. Esse sistema, como se sabe, é
consequência do fato de que nenhum partido, nem mesmo o do presidente da
República, consegue eleger mais do que 20% do Congresso, obrigando o
chefe do Executivo a construir maioria por meio de negociações com os
muitos partidos e, não raro, diretamente com deputados e senadores. Essa
combinação frequentemente se dá não em termos de propostas ou ideias
para o País, e sim no simples toma lá dá cá de cargos e verbas.
O impeachment da presidente Dilma Rousseff interrompeu esse festim, em grande medida por pressão irresistível da opinião pública, conforme se viu em imensas manifestações de rua contra a corrupção. Não à toa, o candidato à Presidência que defendeu com maior vigor o fim desse sistema político, conforme demandava a maioria dos cidadãos cansados da roubalheira e da avacalhação do Congresso, acabou vencendo a eleição de outubro. Desde então, Jair Bolsonaro, o presidente eleito, tem demonstrado, na montagem de seu Ministério, que está mesmo disposto a acabar com o presidencialismo de coalizão.
Dos escolhidos por Bolsonaro para o primeiro escalão do governo até ontem, apenas três são parlamentares – os deputados Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura) e Henrique Mandetta (Saúde). O fato de os três serem do DEM, segundo o presidente eleito, não significa que a indicação tenha como objetivo obter o apoio daquele partido. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), confirmou que “as indicações não são do DEM”. Bolsonaro explicou que Onyx Lorenzoni já estava em sua equipe desde a campanha, enquanto Tereza Cristina e Henrique Mandetta foram indicações das frentes parlamentares da Agricultura e da Saúde, respectivamente.
Assim, Bolsonaro sinaliza que sua intenção é articular apoio não de partidos, mas dos agrupamentos suprapartidários no Congresso, que seriam mais coesos que as bancadas partidárias por defenderem interesses específicos de setores da sociedade e por não se submeterem a este ou àquele cacique partidário. A lógica sugere que, nesses termos, a coalizão se dará por meio da negociação de uma agenda política e administrativa comum, e não como consequência da distribuição de vagas no governo e nas estatais.
O sistema vigente, é claro, reagiu. Os partidos do chamado “centrão”, que se julgam preteridos por Bolsonaro na formação do Ministério, já mandaram avisar, segundo informa o Estado, que vão sabotar o futuro governo na votação da reforma da Previdência. Tal ameaça, mesmo que dê em nada, serve para confirmar a natureza deletéria do presidencialismo de coalizão e o acerto do presidente eleito em tentar desmontar esse mecanismo.
Para a turma acostumada ao fisiologismo desbragado, pouco importa se a reforma da Previdência é inadiável diante do iminente colapso das contas públicas. O que interessa é tentar manter o governo como refém de suas demandas, quase sempre relacionadas a interesses escusos que fazem da atividade parlamentar um lucrativo ramo de negócios.
Não se sabe se o esforço do futuro governo em dar um basta no presidencialismo de coalizão será bem-sucedido, pois se trata de tarefa espinhosa e apenas iniciada, mas é preciso louvar a tentativa de demonstrar que, ao contrário do que parece, é possível governar o País sem o recurso ao contubérnio com os lambazes do Congresso.
Editorial - O Estado de S. Paulo