O
Partido dos Trabalhadores (PT) tem aprimorado sistematicamente a sua capacidade
de construir uma realidade própria. Diante de fatos inequívocos –
por exemplo, as graves denúncias de corrupção e as mais que evidentes provas de
um governo inepto, que leva o país à garra –, o PT refugia-se num
universo onírico, criado com o único e exclusivo intuito de se isentar de
responsabilidade pela crise que assola o país e criar constrangimento a todo
aquele que não dê anuência a seu projeto de poder. Nesse mundo paralelo, as
palavras ganham significado peculiar, escolhido a dedo de acordo com as
circunstâncias. Intolerante
não é aquele que não admite a opinião alheia. Intolerante passa a ser todo
aquele que ousa manifestar opinião contrária aos interesses petistas.
Se o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso expressa sua opinião de que a renúncia
da presidente Dilma, ou ao menos o reconhecimento dos erros cometidos, seria um gesto de grandeza
de sua parte, ele é imediatamente tachado de intolerante e instado a se calar,
porque ex-presidente deve se recolher à sua insignificância. Exceto, é claro, o
mais ilustre de todos, Lula da Silva, cujos conselhos são ouro puro.
Esse
é o método petista
– acuar
quem não concorda com o jeito de governar do PT. Na ótica petista, a manifestação da
opinião política – como a que se viu no último domingo, por todo o país – já não
faz parte da liberdade de expressão e da liberdade política. É golpismo,
revanchismo de quem não aceita o resultado das eleições.
Da mesma forma, quem
considera que há razões legais e constitucionais para o impeachment da
presidente Dilma é simplesmente golpista. Levada ao extremo a interpretação que
esses petistas dão à lei e aos fatos, o fundamento do Estado não é a
Constituição Federal. O Estado é o partido – e a legalidade deixa de ser uma
régua que mede a todos, para ser uma linha fluida e incerta, que protege não a
coletividade, mas os interesses bem particulares do partido e de seus sobas.
No
universo particular petista, o mal não é a corrupção. O que causaria prejuízo
ao país são as investigações que trazem à tona a corrupção. Essas
investigações travam a economia. As investigações policiais, portanto, precisariam
ser contidas, pois trazem o risco de afetar empresas, que geram emprego e
crescimento econômico. Pelo menos algumas empresas e empresários – não por acaso aqueles
que contribuem generosamente para o projeto petista – precisam ser
blindados. Trata-se de dever patriótico de todo aquele que quer o progresso
do Brasil.
Na
defesa de seus interesses, o PT, partido do progresso e da
transformação, não
teme assumir contornos conservadores. Quer a todo o custo que tudo fique
como está. Principalmente, que não se esclareça muita coisa, que não se
investigue a fundo, que não se puna de acordo com a lei. A delação premiada
– simplesmente por ter sido o instrumento para expor ao país tantos atos de
corrupção praticados ao longo dos anos de PT no governo federal – passou
a ser execrada publicamente, como se fosse a mais alta imoralidade. Com
essa atitude, transforma-se em valor moral da mais elevada extração a
omertà, o silêncio cúmplice, que perpetua as máfias.
A
construção da onírica realidade petista não é inocente. Com ares de
preocupação social, manipula a linguagem com a única preocupação de proteger
amigos e agentes – a tigrada que vinha tirando o que podia do Tesouro para
sustentar as aventuras eleitorais do partido e, de quebra, enriquecer um
pouquinho. A “criatividade” petista – que nada mais é do que uma fuga do
mundo real, com suas constrangedoras responsabilidades – manifesta desespero
político. Abandona qualquer pretensão de coerência em troca de uma tábua de
salvação.
A legitimidade democrática passa necessariamente por respeitar a
realidade e as palavras. Tolerância, liberdade, legitimidade, honestidade
são palavras muito sérias, que exigem respeito, já que definem grandes bens que
precisam ser protegidos. Abusar delas é imoral. E antidemocrático.
Fonte: O Estado de São Paulo – Editorial