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terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Jair Bolsonaro triplica a aposta - O Globo

Presidente usa os índios num jogo institucional de alto risco

Bolsonaro ensaia choque com Poderes

Jair Bolsonaro resolveu flertar com a possibilidade um choque com o Supremo e o Congresso. Simultaneamente. Insiste em testar os limites institucionais usando, como instrumento, a desmontagem do sistema jurídico de proteção aos direitos da população indígena.É sua terceira tentativa, em 11 meses, de reescrever na prática o trecho da Constituição que reconhece aos índios “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. 

No primeiro dia de governo, Bolsonaro transferiu ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos a gestão dos direitos indígenas.  [convenhamos que o ministério adequado para tratar dos direitos dos índios - que são, antes de tudo seres humanos - é o ministério que cuida daqueles direitos.
Diferenciar os direitos dos índios dos direitos humanos é, para dizer o mínimo, uma ofensa aos direitos humanos dos  indígenas;]
Repassou a Funai e a demarcação de terras para a Agricultura. Fez isso numa Medida Provisória (nº 870).
Em maio, o Congresso vetou as mudanças. Devolveu a demarcação à Funai e recolocou-a na Justiça, onde estava. [tem total sentido,sendo também adequado,  que o Ministério da Agricultura seja mais capacitado para gerir a demarcação de terras indígenas mais adequado para demarcar terras não urbanas, o que inclui as dos índios, do que o da Justiça - que está mais voltado para atuação política e cuidar da área de segurança pública.
Convenhamos que sendo a Funai a responsável por tal demarcação, vinculada ao Ministério da Justiça, temos situações de serem demarcadas reservas indígenas com 50.000 ha. para doze índios,  o que dá total sentido aos que classificam os indígenas como os maiores latifundiários do Brasil.] Bolsonaro não aceitou. Refez tudo numa outra MP (nº 886). 

O caso foi parar no Supremo que ratificou, unânime, a decisão legislativa. [em rápida pesquisa, só neste ano, é possível se encontrar mais de mil matérias jornalísticas, a maioria escritas com sólida fundamentação, que mostram que o decisões do Supremo nem sempre são acertadas, sendo comum a própria Corte anular o que decidiu dois ou três anos antes e ministros votarem hoje contra o que decidiram ontem.] No plenário, o ministro Celso de Mello usou três adjetivos para qualificar a insistência do presidente: “Inaceitável, inadmissível e perigosa.”[dizem as 'más línguas' que o presidente Bolsonaro é obcecado em ver perseguição, perigo onde não existe.
Com todas as vênias, o decano do STF de uns tempos para cá, tem sido um fiel seguidor do presidente da República em ver o que, segundo dizem, se visto pelo Presidente Bolsonaro e por ele narrado é paranóia.]
 
Obstinado, Bolsonaro agora baniu os índios do sistema de planejamento (Siop) e dos orçamentos da União até 2023. Mandou ao Congresso proposta de orçamento para 2020 com corte de 40% no fundo da Funai para “proteção e promoção dos indígenas” (LOA 2019/Programa 2065).  Deixou o Plano Plurianual de governo (2020-2023) sem previsão para a área. E transferiu a gestão dos direitos dos índios, assim como parte do orçamento da Funai, para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, embora a fundação continue vinculada à Justiça. [uma pergunta que não quer calar: se os atos citados praticados, ou propostos, pelo presidente da República são desprovidos de amparo legal, cabe ao MP ingressar na Justiça e solicitar a pronta revogação dos atos inquinados de ilegalidade. 
Ou o próprio Congresso rejeitar o proposto e revogar mediante decreto legislativo o efetuado.]

Bolsonaro já foi garimpeiro amador. Por “excessiva ambição financeira”, registrou seu comandante, transgrediu normas do Exército em busca de ouro. Hoje, usa os índios num jogo institucional de alto risco. Conta com aplausos da ala mais extremista do lobby ruralista. É um grupo sectário e inepto, incapaz de reunir votos suficientes no Congresso para mudar a Constituição. 

 
José Casado, jornalista - O Globo