O governo assaltou e
arruinou a Petrobras. A tese
mais elementar era esta: parte do
dinheiro roubado foi desviada para as campanhas de Lula, Dilma e tutti
quanti. No Brasil, o elementar nem sempre se impõe. Almas generosas dizem: não há provas de que os milhões roubados da
Petrobras foram usados em campanha. Todo o dinheiro foi
registrado no TRE: contribuições
legais.
As
empresas que doaram são as mesmas do escândalo. O dinheiro da propina foi simplesmente lavado. As almas
delicadas não acreditam que tenha havido dinheiro sujo na campanha e não fazem
a mínima ideia de para onde voaram milhões de dólares. E consideram que está tudo bem com a lavagem de dinheiro, embora isso
seja um crime punido por lei.
Agora
a casa caiu. A prisão do marqueteiro João Santana mostra que ele recebeu
dinheiro do escândalo do petróleo como pagamento pela sórdida campanha de 2014.
Fechou-se o quadro. Ele já estava desenhado no celular de Marcelo Odebrecht. Numa das anotações falava que as contas na Suíça poderiam
atingir a campanha dela. Quem é
ela? Se afirmar que é Dilma, as
almas generosas vão dizer: há milhões de outras
mulheres no Brasil.
Delcídio do Amaral já havia
advertido Dilma de que a prisão de Marcelo Odebrecht atingiria sua campanha, porque a empresa pagou a João Santana no
exterior. Mercadante teria dito: a
Odebrecht é problema do Lula. Solidariedade zero entre eles.
Agora, vão dizer que o dinheiro de Santana foi
ganho em campanhas no exterior. Ele fez algumas, no universo da esquerda
latino-americana. Todas pagas regiamente.
Acontece que ele enviou o dinheiro do Brasil. Por que as campanhas lhe pagariam aqui? Acontece que recebeu durante a campanha de Dilma. Por que as campanhas de fora pagariam fora
do tempo?
E como se não bastasse: que
outras campanhas levaram dinheiro de propina de Keppel Fels, que tem um estaleiro no Brasil, opera com a
Petrobras, e seu lobista Swi Skornicki, destinatário de um bilhete da mulher de João
Santana, Mônica, orientando-o
a depositar os dólares no exterior? As
descobertas da Lava Jato apenas demonstram com provas uma tese cristalina: roubaram para permanecer no poder e
acumular fortunas. Mas, sobretudo, para prosseguir no governo, entupindo as
campanhas de dinheiro sujo.
Tecnicamente, a Lava Jato seguiu
o caminho real: o dinheiro.
É em torno da grana que eles giram como mariposas. Além da cooperação
suíça, as autoridades norte-americanas foram
rápidas em enviar seus dados. Os suíços mantiveram sua
disposição de colaborar. Enfim, o cerco se fechou, uma parte
considerável do mundo se alia ao povo brasileiro no esforço não só de punir os
responsáveis, mas também de recuperar o dinheiro roubado.
E o governo, os políticos, os
brasileiros, em tudo isso? O que era apenas uma tese que já balançava
Dilma se tornou um fato comprovado com documentos. Aliás, mais
documentos do que em outros casos da Lava Jato. Se fosse uma partida de xadrez,
diria que o governo levou um xeque-mate. Antes apenas se falava que a campanha
de Dilma foi feita com dinheiro roubado. Agora todos sabem.
Mas o PT não é um
jogador de xadrez comum, e não só porque atropela regras. Ele se distancia da própria
realidade. Xadrez? Não estou vendo o tabuleiro. Antena no sítio de Atibaia? Lula não usa celular. Prisão
do marqueteiro? O PT não tem marqueteiro, é apenas um senhor que nos
ajuda.
De
qualquer forma, será difícil acordar todas as manhãs, num país mergulhado em crise econômica, e pensarmos que ele está
nas mãos de um grupo que roubou para vencer. E não será apenas uma certeza
política. Estarão lá, diante de nós, as contas no
exterior, os dólares enviados, as transferências, conversões – enfim,
toda a trajetória do fio condutor a que eles estão ligados: a grana.
De qualquer forma, o episódio é um momento de otimismo, na medida em que
precipita a queda de Dilma. Como as crises estão entrelaçadas, uma solução política poderia dar algum alento à economia e se
um projeto de transição sério fosse levado até 2018.
O
PSDB voltou do recesso dizendo que votaria os projetos de interesse do país ao lado do governo. Isso me
parece correto, pois sempre fui contra as pautas-bomba que explodem no bolso
dos contribuintes. No entanto, não se deve acreditar ser esse o grande problema
da oposição. Seu problema é não focar na
saída da crise: o impeachment. E
não trabalhar com uma ideia mais clara da transição.
Olhando
para o futuro próximo, não faz sentido dizer que vota a reforma da Previdência só se
o PT votar também. É um tema inescapável na transição. Orientar-se
pela posição do PT é, de uma certa forma, antecipar uma disputa em 2018. Não sabemos direito
como será 2018 nem se haverá PT. O
problema é achar um rumo para a transição e fazê-la acontecer com a queda de
Dilma.
Os
acontecimento da semana mostram que o jogo de empurrar com a barriga é apenas
um esforço para levar Dilma até 2018, tudo bonitinho, faixa passada. A
realidade, por meio de uma investigação competente, com apoio internacional,
mostrou mais uma vez que é preciso pegar o touro à unha. Os que esperam 2018 deveriam considerar apenas como ele será muito pior
se nada for feito. Com que cara o Brasil chegará
lá, dirigido por um governo corrupto, incompetente,
politicamente nulo?
Quem sabe
faz a hora ou espera acontecer? Ao contrário da canção, às vezes, acho melhor
esperar acontecer. Mas, no caso específico, há um sentido de urgência. Continuar
com esse governo vai desintegrar o país. Uma terrível animação de Hong Kong já mostra a
Baía de Guanabara poluída, atletas vomitando, a estátua do Cristo
Redentor fazendo toneladas de cocô. É uma peça de
humor. Mas se parece muito com o
pesadelo que vivemos no Brasil.
Por: Fernando
Gabeira: Publicado no Estadão