Rodrigo Constantino
Um documento ao qual o site Político teve acesso indica que a Suprema Corte dos Estados Unidos deve derrubar a decisão do caso Roe vs. Wade, de 1973, que autorizou o aborto no país em determinadas circunstâncias.
O Politico publicou na noite de segunda-feira (2) um rascunho de uma decisão majoritária do tribunal de fevereiro, na qual o juiz Samuel Alito ponderou que a decisão de quase 50 anos atrás “deve ser anulada”. “É hora de prestar atenção à Constituição e devolver a questão do aborto aos representantes eleitos pelo povo”, acrescentou Alito. “[A decisão no caso] Roe [vs. Wade] estava flagrantemente errada desde o início. Seu raciocínio foi excepcionalmente fraco e a decisão teve consequências danosas. E longe de trazer um acordo nacional para a questão do aborto, Roe e Casey inflamaram o debate e aprofundaram a divisão”, afirmou o juiz.
Segundo o Politico, uma fonte informou que quatro dos outros juízes indicados por ex-presidentes republicanos (Clarence Thomas, Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett) acompanharam Alito após ouvir argumentações orais em dezembro, posição que permanece inalterada.
Já os três juízes indicados por ex-presidentes democratas (Stephen Breyer, Sonia Sotomayor e Elena Kagan) estariam trabalhando em votos contrários, segundo a fonte ouvida pelo Politico. Não se sabe como o presidente da Suprema Corte, John Roberts, votaria – em todo caso, a maioria pela derrubada da jurisprudência de 1973 já estaria formada. A decisão oficial deve ser anunciada até julho.
A esquerda americana ficou em polvorosa com a notícia. A narrativa é de que o aborto seria proibido nos Estados Unidos, o que não condiz com a realidade. Apesar de o país ter uma das legislações mais frouxas em relação ao aborto no mundo civilizado, não é disso que se trata a decisão. Ela tem muito mais a ver com o federalismo em si do que com o aborto.
O poder dos estados aqui nos Estados Unidos é grande, como deveria ser, pois se presume que quanto mais perto do povo o poder estiver, melhor. Esquerdistas, porém, gostam do poder concentrado no governo federal - quando o presidente é democrata, claro - e querem impor sua visão de mundo a todos. Reverter a decisão controversa da década de 1970 não significa banir o aborto, mas sim devolver aos estados o poder de decisão, como deveria ser.
O advogado liberal Leonardo Corrêa escreveu um texto explicando a decisão: Antes que a turma comece a confusão, resolvi explicar algumas questões relacionadas à minuta de decisão vazada que reverteria Roe v. Wade. Primeiramente, ela parece ser legítima. Trata-se de texto bem próprio da SCOTUS. Além disso, os fundamentos batem com o entendimento que sempre foram apresentados pelos opositores de Roe, desde os tempos do finado Justice Scalia.
Dito isso, é importante esclarecer que – no voto vazado – a decisão não proíbe o aborto. Frise-se, de forma alguma se pretende vetar a prática do aborto. A Corte apenas estaria devolvendo o poder de legislar sobre a matéria para os estados membros.
No julgamento de Roe v. Wade, em seu voto vencedor, o Justice Harry Blackmun havia tirado o poder dos estados de legislar sobre a questão. A decisão, esclareça-se, foi calcada na interpretação de direitos constitucionais bem amplos e fluidos.
Inicialmente, a Corte decidiu por julgar o caso apesar de a recorrente ter tido seu filho (tal fato deveria, a rigor, implicar na perda de objeto do recurso). Detalhe importante, na época, o aborto não era proibido em todos os EUA. Em alguns estados já havia legislação permitindo. Sendo assim, a rigor, a autora do caso poderia ter ido a um estado que permitisse. Nesse caso, seu aborto seria legal.
Feito esse esclarecimento preliminar, a decisão de Roe se baseou no Right to Privacy para derrubar todas as leis contra o aborto de cada estado dos EUA. [...] Sendo assim, com base no Direito à Privacidade, a Corte entendeu que os estados não poderiam legislar contra o aborto. A decisão, lembre-se, é datada de 1973. Logo, desde aquele momento, era possível que o Congresso Legislasse sobre a questão, pacificando a questão. Republicanos poderiam ter revertido Roe, com uma Lei Federal que considerasse o aborto ilegal no país. Ao seu turno, os Democratas podiam ter encampado uma Lei Federal que considerasse o aborto legal, apresentando as regulações para a prática. Mas ambos os lados foram omissos e deixaram a “batata quente” com a SCOTUS.
Pois bem. Os críticos da decisão dizem que a interpretação do direito à privacidade foi muito ampla e que a decisão não enfrentou o Federalismo Americano (que atribui grande autonomia legislativa para os estados), bem diferente do Federalismo brasileiro. Ou seja, dizem que a questão não era matéria para a SCOTUS, mas, sim, para os representantes eleitos. Noutros termos, seria uma posição que privilegiava a escolha democrática (imperfeita, per se, e sujeita ao princípio da maioria).
Diante do vazamento, diversas pessoas estão se posicionando no Twitter com ataques contundentes à SCOTUS. Inclusive os representantes eleitos que nunca tentaram emplacar uma Lei Federal sobre a matéria. Mas, até o momento – de forma altiva e correta –, a Corte não se manifestou. Isso, meus caros, é o que se chama de respeito à liberdade de Expressão. Fora os ataques e xingamentos, é possível questionar a decisão vazada, mas, para tanto, é preciso enfrentar uma questão essencial: por que a decisão sobre o aborto deve ficar nas mãos de nove pessoas usando capa (os Justices), ao invés de ser objeto de deliberação pelos representantes do povo eleitos; ou, até, diretamente, por plebiscito?
Mas certamente não haverá perseguição arbitrária, pois ainda existe império das leis e liberdade de expressão na América, apesar da esquerda...
Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo - VOZES