O Globo
O general Augusto Heleno diz que a divulgação do vídeo da reunião ministerial seria “quase um atentado à segurança nacional, um ato impatriótico”. O procurador-geral da República, Augusto Aras, usou argumentos políticos — em vez de teses jurídicas — para defender que não seja divulgada a íntegra da reunião. Segundo Aras, poderia provocar “instabilidade pública” e ser usada como “palanque eleitoral precoce para 2022”. O que provoca instabilidade é um presidente criando uma sucessão interminável de crises no meio de uma pandemia. O que ameaça a segurança nacional é colocar vidas em risco com prescrição de medicamentos não comprovados e o incentivo ao descumprimento da recomendação das autoridades médicas do mundo.
o que desaconselha, impede, são pontos em que aspecto das relações internacionais sejam divulgados - a divulgação, tornando público o que foi conversado em uma reunião ministerial, dos tópicos, especialmente os relativos à outros países, pode tornar um comentário uma declaração ofensiva.]
Segurança nacional é preservar vidas, e o presidente da República as coloca em risco quando insiste de forma obsessiva com seu plano de decretar a abertura imediata da economia. O mundo está perplexo diante do descaminho no qual o Brasil entrou. Embaixadas começam a receber a orientação de que devem reduzir seu pessoal no Brasil, porque o país está sendo considerado área de risco nesta pandemia, pela maneira insana com que o presidente está conduzindo a resposta à crise. Para Bolsonaro estar certo, o mundo teria que estar errado. A verdade é que ele é o alienista machadiano.
Ontem, Bolsonaro derrubou o segundo ministro da Saúde em menos de um mês, provocando a descontinuidade administrativa na área mais sensível no momento. Quanto tempo se perdeu com os ataques constantes do presidente ao trabalho do Ministério da Saúde? [e como se recupera o tempo perdido, diariamente, com o ministro político tornando uma reunião que deveria ser de combate à Covid-19 em palanque eleitoral - inclusive para falar do seu chefe = o Presidente da República.] Isso sim é um atentado à segurança nacional. Isso sim provoca “instabilidade pública”.
Alguns perguntam no governo: e se houver crises com a China? [divulgando aos quatro ventos o que foi comentado em uma reunião reservada - não é necessário que se afixe um carimbo na porta dizendo que os assuntos tratados em reunião de nível ministerial, são, por principio, reservados, sigilosos.
O fato da China ser o nosso maior parceiro comercial é que impõe o sigilo - fosse um inimigo não haveria razões para sigilo, reserva.
Não podemos esquecer que uma declaração pública tem um peso importante e um comentário, vazado, tem peso bem superior.]
Ora, quantas esta administração já criou à luz do dia e no palanque das redes virtuais? A China é o nosso maior parceiro comercial, mas já foi criticada pelo presidente, atacada pelo ministro das Relações Exteriores e ofendida pelo ministro da Educação. Os interesses permanentes do Brasil são de manter relações amistosas com todos os países, mas o que coloca isso em risco não é a divulgação do vídeo da reunião, mas um governo que tem uma política externa desastrada e se deixa guiar por preconceitos e desinformação.
Se o presidente da Caixa se exibiu para o chefe, a quem tenta tanto agradar, dizendo que tem 15 armas e as usaria para “matar ou morrer”, como informa Guilherme Amado, por que isso deve ser segredo? Se Bolsonaro exibiu sua coleção de palavrões dirigindo-a aos governadores do Rio e de São Paulo, por que, em nome da segurança nacional, isso deve ser escondido? [Witzel era alvo diário da imprensa, malhado por tudo que fazia, dizia e mesmo pensava - se tornou inimigo do presidente Bolsonaro e virou um modelo de competência e cidadania;
Doria, governava de forma tão medíocre que sequer merecia atenção, mas ao se tornar inimigo do capitão, passou a herói nacional - esquecem até que suas ações para achatar a curva estão tendo resultados de quem busca a 'imunidade do rebanho'.]
Era uma reunião interna do governo, argumenta-se. Ora, que se comportassem. Com tanta gente presente, as autoridades poderiam moderar-se minimamente. Se preferem esse tom para tratar das graves questões nacionais, são elas, as autoridades, que se amesquinharam. O risco da divulgação não é do país, mas deste governo. A segurança nacional ficará mais resguardada se o país souber tudo o que houve nessa reunião ministerial e entender completamente o contexto em que o então ministro Sergio Moro se sentiu ameaçado de demissão caso não trocasse o diretor-geral da Polícia Federal. [passa da hora desse esse ex-ministro ser esquecido - enquanto juiz sua conduta, suas ações não mereciam reparos, alçado a um cargo de ministro a vaidade que sufocava enquanto juiz, o dominou e passou a se julgar insubstituível.]
Os argumentos do procurador-geral são desprovidos de lógica jurídica. Não lhe cabe preocupar-se com prejuízos eleitorais ao presidente. A atitude de defensor do governo é tão forte em Aras que ele assumiu o papel dos estrategistas eleitorais do presidente. E, ademais, quem vive empoleirado num palanque eleitoral precoce é Bolsonaro. A decisão caberá ao ministro Celso de Mello, mas até agora os pareceres que recebeu não o ajudam a decidir.
Míriam Leitão, colunista - O Globo - com Alvaro Gribel, de São Paulo