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sábado, 26 de setembro de 2020

O código da fome - Editorial -

IstoÉ

Dá para imaginar o que é isso? Ficar dias e dias com o estômago a ronco, aquela dor aguda, lancinante, enganada às vezes a caldo de folha ou na maisena insossa de farinha com água e nada mais? Nem aroma para consolo? Sentado no declive do chão de pedra, proximidade do teto de palha, parede de barro e pau, que ameaça todo dia cair, no castigo do sol e da chuva, com o odor incessante de esgoto a céu aberto, em um ambiente onde a miséria espreita como sina, dividir a parca ração do dia é quase um privilégio de poucos ali — cenário mais extenso e predominante Brasil afora do que imaginam os benfejados pela sorte. 
Crédito: FABIO TEIXEIRA

(Crédito: FABIO TEIXEIRA )

Quem não está lá nem desconfia da sinopse de angústias desses humildes desvalidos, o contingente populacional classificado por institutos oficiais na condição de carência alimentar extrema, consumidos pela privação, cujas vidas são uma experiência de risco em alta cadência, rotineiramente. As crianças desnutridas, que mais sofrem, com seus corpos miúdos, pernas mirradas, braços de tão magros estendidos como asas sem serventia, remela nos olhos entre insetos, reclamam no choro instintivo (manhã, tarde e noite) por um prato de alimento sólido. 

Uma refeição honesta, quem sabe! No amplo universo dos desesperados sociais brasileiros, viver com fome é realidade constante. Ao menos 10,3 milhões deles estão no momento sem nada para comer, segundo a mais recente Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, divulgada semana passada. Uma barbaridade! Número que tende a piorar com a pandemia, depois de um incremento recente de mais de 3,1 milhões de necessitados na mesma condição, agravando um quadro que já é vergonhoso e inaceitável no País que se autoproclama “celeiro do mundo”, detentor do maior cinturão verde planetário, onde tudo que planta dá, com área cultivável de dimensões continentais. A verdade do evento trágico é deveras pior. Atualmente, segundo o levantamento, 36,7% dos lares brasileiros isso mesmo! — têm dificuldade para garantir qualidade e quantidade de alimentos a todos os integrantes da família. Atente para o drama: está se falando de mais de um terço, quase a metade das casas no País, onde falta comida suficiente para seus membros. 

É suportável aceitar tamanha indigência? Talvez até para não chocar em demasia uma sociedade acostumada ao descaso, os famintos são, eufemisticamente, enquadrados em três níveis de “insegurança alimentar” — todas elas abomináveis, mas que tendem a abrandar o choque de quem não compreende a dimensão do desastre social, de proporções épicas, agora em curso. Na escala, existem as famílias que não podem comprar o suficiente para sustento e passam aperto

No pelotão intermediário é considerado restrição alimentar “moderada” o constrangedor estratagema de pular refeições. 

E no grau extremo, não há mesmo nada o que comer, muitas vezes por dias, e a mendicância, apelando nas ruas, segue como ultimo subterfúgio. É desolador aceitar, mas a fome por aqui adquire rosto e move um Brasil mais comum do que muitos imaginam. Por que falhamos em providências essenciais e prementes para boa parte da população? Como pudemos chegar a esse grau de desamparo? A face mais arrasadora e ultrajante da calamidade alimentar está no contraste da consciência de líderes, senhores do Estado, que negam o destino comum a tantos brasileiros. O mandatário Jair Bolsonaro, por exemplo, é o primeiro a desdenhar do infortúnio: “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira”, disse recentemente, desconsiderando as evidências e até chacoteando dos desvalidos. “Você não vê gente, mesmo pobre, pelas ruas, com físico esquelético”. Provavelmente, o parvo chefe da Nação não está frequentando as ruas que devia na condição que o cargo lhe exigiria. Todos sabem, sanha corrente, Bolsonaro não desperdiça uma chance de errar, como confirmam as baboseiras lançadas em qualquer direção. Foi agraciado pelo Congresso [???; o presidente da República bancou os R$ 600,00 e faltou ao Maia e Alcolumbre a coragem de derrubar os R$ 600,00 - REPETIMOS: proposto pelo presidente JAIR BOLSONARO.

No inicio o Congresso era contra, quando recebeu a proposta do Poder Executivo, R$ 300 por mês, decidiu fazer política e tirar vantagem optando por R$500,00, tendo o presidente Bolsonaro batido o martelo em R$ 600,00.] 

(.....)

O vendaval de aflitos não pode esperar muito tempo, na crueza da escassez, para saciar suas necessidades. Na calada da noite, nos barracos construídos ilegalmente ou na cobertura de papelão cercada por pneus velhos, debaixo do viaduto, em palafitas rudimentares, tentando sobreviver por meios insanos, são seres humanos, cidadãos, favelados ou não, invasores de terras e de imóveis abandonados, “pobres e paupérrimos” — na lembrança, essa sim providencial, do presidente — que acalentam e esperam diariamente resposta para a fome. João, Genésia, José, Francisca, são tantos os nomes e rostos dessa tragédia que machuca até encará-los. O pequeno Gerson, da comunidade paulista de Paraisópolis, deitado no chão, numa miserável confraternização com seu vira-lata, é todo dia engabelado pela mãe para sair às brincadeiras, tentando driblar a fome. É dor que não passa assistir à cena. Qualquer um, no mínimo de discernimento humanitário, vergaria lágrimas. 

A miséria mostra seu código de necessidade mais evidente na fome. Ela atinge e faz vítimas em escala bíblica no Norte e no Nordeste, que abrigam a parcela prevalente dos domicílios com privação alimentar. As carências, no caso, são mais sentidas em áreas rurais, regiões ribeirinhas, lares chefiados por mulheres, por negros ou pessoas autodeclaradas pardas. É a fome reforçando o preconceito. Perceba, também, o tamanho da frequência do drama enfrentado pelo rebento Gerson, acima citado: metade das crianças com menos de cinco anos (6,5 milhões ao todo no País) cresce em residências com algum grau de insegurança alimentar. O que tamanha chaga representa no desenvolvimento do País a maioria desconfia. A alimentação adequada é condição “sine qua non” para o aprendizado e desempenho escolar. Parte majoritária do público de pequeninos encontrava o que comer nas escolas e entidades de ensino. 

Com o fechamento dos estabelecimentos, em meio à quarentena, nem isso. A merenda de crianças e adolescentes sumiu da rotina e a leitura lógica sinaliza que a pandemia intensificou a vulnerabilidade dos que não comem, numa escalada sensivelmente agravada pelo aumento conjuntural dos preços dos alimentos. Na pororoca de situações inesperadas, todas conspirando para o mal, o desperdício de bilhões de sacas de grãos, frutas e vegetais — que se deixam cair nos transportes de safra, nos equívocos de escoamento ou de armazenamento indevido — parece inconcebível e poderia reparar ao menos parte do drama. Restam ainda a autoestima e esperança dos desvalidos e o caminho da solidariedade, capaz de fazer milagres. Há ainda um Brasil capaz de oferecer um prato a mais para uma boca a mais. Não apenas por meio das entidades filantrópicas e mutirões assistenciais. Cada um pode e deve fazer a sua parte, começando ontem, para legitimar a erradicação dessa doença da fome, que teimou em maltratar logo o povo habitante do celeiro do mundo.

Sobre o autor

https://istoe.com.br/o-codigo-da-fome/

Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três


Na terra do calango, da casa de taipa e da pouca água extraída do mandacaru — o cacto pestilento e espinhoso do agreste —, trezentos reais é fortuna na vendinha do seu Zé do vilarejo, que aceita fiado, mas apenas “rico” com dinheiro pode comprar. Ninguém tem nem R$ 1 para ir lá. Boa parte vive à base do que planta e caça de bicho do mato. Quem consegue emprego na plantação de cana do usineiro, como cortador da lavoura, leva R$ 1,90 por dia pesado de trabalho. Do nada com coisa alguma, no semiárido nordestino ou nos rincões onde a pobreza espreita como sina, 300 reais é fortuna e muda a vida de muita gente. Quem dá, vira deus. Quem recebe, venera o mito. Pode ser quem for, transforma-se naquele “deus e o diabo na terra do sol”, recordando a obra clássica do cineasta Glauber Rocha. É a realidade nua e crua da parcela setentrional desse País imenso, só bonito por natureza. O demiurgo do sertão – pode ser de esquerda, de direita, quem se importa? Não vem ao caso – ganha licença para delinquir, falar baboseiras, perseguir, destruir o meio ambiente, ser arrogante, até roubar se quiser. O que der na telha. Terá mesmo assim, e garantido, o voto do açoitado pelo destino. Humildes lavradores, incrédulos sofredores, dão a dimensão real da miséria extrema desse Brasil grande. Ali a ignorância graça com fervor. Por falta de educação e informação mesmo, artigos raros e inalcançáveis a essa parcela da população. Ali, qualquer redentor é bem-vindo, aclamado, celebrado como “salvador”. Carregue o chapéu de coco, de palha, de cangaceiro, suba no jegue da região, use e abuse de qualquer pantomima. Trouxe a ajuda? É o que importa. Será saudado e serão feitas as suas vontades. O voto de cabresto está à disposição de quem pode pagar mais, regateado a granel. E assim se repetirá por décadas e séculos, até que a chaga da brutal desigualdade social seja curada. Não irá, todos sabem! É do interesse da elite manter tamanha injustiça no recorte do bolo. A extraordinária obra “Casa Grande & Senzala”, do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, retrata à perfeição a natureza dos contrastes que prevalecem nessas paragens tropicais desde o Descobrimento. A obra do “Mestre de Apipucos” escancara os meandros de como o regime econômico patriarcal e assistencialista foi danoso, causando ao mesmo tempo o atraso endêmico e a degeneração das relações sociais e do caráter político brasileiro. Sem o fim da desigualdade, resta o aliciamento. Imoral, covarde, enganoso, torpe. Bolsonaro é o redentor da vez. Ganhou quase 10 pontos percentuais nas pesquisas com o auxílio emergencial. Eram 600 reais. Viraram 300. Ainda tá de bom tamanho. Maior do que o de Lula, decerto. E assim venceu a pendenga dos indecisos ou arredios por lá. Prorrogou o benefício. O mandatário se afia agora ao donativo não por compaixão ou caridade, mas como boia eleitoreira. Um e outro não podem mais se desprender. Do contrário, a turba some. Pobres sedentos e esfomeados precisam do assistencialismo que faz a diferença entre vida e morte. Quem mora nas grandes capitais não entende o drama. Não nessa dimensão. Ter dinheiro nos sertões é raridade. 10 reais? Nem em um mês bom. E a iniquidade dos oportunistas de plantão avança e cria raízes nesse ambiente. Bolsonaro, que classificava o “Bolsa Família” de mero instrumento para “comprar o voto do idiota”, alegando ser uma maneira de “tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda”, tomou a fórmula para si. Curiosa metamorfose. Vale até a confraternização com aqueles a quem antes se referia, jocosamente, como “paraíbas”. Eis a transmutação débil e obscena: De um degenerado radical do “golden shower”, que defende a tortura e a morte de 30 mil, no populista de ocasião. Quem há de resistir e não atender ao chamado providencial dos 300? No pináculo do populismo, o drama dos necessitados é a argamassa. Nele se montam as retumbantes promessas de que “tudo vai melhorar”, sem que nada nesse sentido efetivamente seja feito. A narrativa enganosa comove o rebanho, malgrado as infâmias sobre uma revolução social que nunca chega. Jair Messias Bolsonaro foi tomado por um súbito e despudorado interesse pelos necessitados, enxergando neles mera massa de manobra. Não quer transformar ou remodelar a dura rotina local ou ajudar aquela gente a superar a realidade. Ao contrário. Caso assim pensasse, implementaria mudanças estruturais capazes de prover, de maneira sustentável, carências elementares como saneamento básico, transporte, saúde, luz, água, ensino. Afinal, é ele o governo. Não mero candidato. Poderia fazer, ao invés de prometer. Não está no escopo. Para que? Demora e não rende voto no prazo até às urnas. Com menos da metade do mandato, Messias traçou uma cruzada de peregrinações de campanha na qual o que valem são os aplausos, discursos vazios e encenações. Tudo em troca dos 300. Tá bem pago. É vida e morte errante, Severina, que segue. Meus conterrâneos um dia, rogo e suplico, poderão ter sina melhor.

https://istoe.com.br/os-300-de-morte-e-o-voto-de-cabresto/

Sobre o autor

Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três


domingo, 27 de novembro de 2016

Distrito Federal tem mais de 11 mil pessoas morando nas ruas - Este número não corresponde a realidade

Fim de ano:população de rua cresce e dá uma dimensão do abismo social no DF

No fim do ano, a população de rua cresce e aparece. Em terrenos sem qualquer estrutura, nas comerciais e nos gramados, homens, mulheres, crianças, dependentes químicos e doentes mentais dão uma dimensão do abismo social no Distrito Federal

As paredes são de madeira fina, e o teto, de lona. Dentro do barraco, um colchão de casal, uma cama menor improvisada, poucos móveis usados, um ventilador e uma luz de gambiarra. Esta é a casa que Tatiana Araújo, 29 anos, divide com os quatro filhosum de 11, outro de 10, o do meio, de 7, e o caçula de 3 anos — em uma invasão próxima ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Ela veio da Bahia ainda pequena. Na cabeça, acreditava que Brasília seria uma cidade de realizações e oportunidades. “Vim pensando que era uma coisa e é outra. A vida aqui se tornou mais cara e mais difícil”, relembra.

Mudando de terreno em terreno, Tatiana leva a vida como catadora de material reciclável. O quintal da casa dela é o próprio local de trabalho. Depois de buscar o lixo na rua, faz a separação perto da moradia e espera até uma pessoa vir recolher. Pelo serviço, ganha, em média, R$ 250 por mês. O valor não é suficiente para o sustento da família. Além dele, Tatiana conta com o Bolsa Família dos filhos. “É uma vida triste. Você mora perto da lama, tem rato, mato, mosquito. Fica exposto a tudo quanto é doença. Você mora mais fora do barraco que dentro”, descreve.

[a forma como a matéria é apresentada deixa a impressão que no final do ano milhares de pessoas que moram nas ruas do DF - aqui chamada 'população de rua' - se torna visível.

Nada disso. Pequena parte das 11.000 pessoas que aqui são apresentadas como 'morando nas ruas',   NÃO MORAM em Brasília, Distrito Federal ou Entorno.

A maior parte desse número é formado por 'migrantes profissionais' que residem fora do DF - a maior parte na Bahia - e que todo final de ano aproveitam a generosidade dos moradores de Brasília e vem para o DF, ocupam as ruas, construindo barracos improvisados (contando com o apoio, por omissão, do governo do DF que nada faz para remover essas pessoas das ruas) e ficam pedindo esmolas.

Logo que passam as festas do final de ano voltam para suas cidades de origem.

É DEVER do governo criar uma estrutura operacional para impedir que tais pessoas ocupem as ruas - dão preferência as áreas centrais, locais em que o maior fluxo de pessoas faz com que 'faturem' mais com a mendicância.

Sendo proibido ao Governo impedir que tais 'pedintes profissionais' se desloquem para Brasília - existe a vetar qualquer medida para impedir o livre deslocamento  dos 'migrantes profissionais', o CONSTITUCIONAL 'direito de ir e vir' - restando ao Governo impedir que tais pessoas construam tendas de lona no Eixo Monumental, margem de rodovias, etc. 

A omissão das autoridades em coibir a 'mendicância profissional' , faz com que a cada ano cresça o número de pedintes nas ruas de Brasília, especialmente no final do ano.

Com a omissão governamental e a divulgação feita pelos pedintes no interior de suas cidades dos excelentes resultados da mendicância profissional, teremos sempre um ciclo vicioso, no qual até centenas de crianças ficam expostas a condições que oferecem risco a sua própria integridade física.

Urge que o governo esqueça o maldito 'politicamente correto' e adote medidas que desestimule essa migração sazonal e cruel.

Vejam o exemplo que a matéria apresenta de Tatiana. Detalhe: exceto se for uma rara exceção, Tatiana não reside em Brasília. NO inicio de janeiro irá embora, provavelmente já grávida ou cuidará de engravidar, logo que chegue a sua cidade e no inicio de DEZEMBRO estará novamente no DF, agora com quatro crianças, sendo uma recém nascida.

Nada temos contra a população de rua ou a que diz ser. Apenas entendemos que não deve ser permitida que pessoas vegetem, acalentando sonhos impossíveis - qualquer um sabe que as chances de Tatiana ganhar moradia são menores que ZERO e caso ganhasse, dias depois venderia por qualquer punhado de reais que logo seria gasto e tudo começava de novo.]

Enquanto conversa e conta um pouco da triste história, o filho mais novo de Tatiana corre pelado e descalço pelo chão de terra batida. O pequeno se diverte com uma bolha de sabão que sai voando, anda de bicicleta em meio ao lixo e percorre o local com naturalidade e domínio. Inscrita no programa habitacional da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab), Tatiana aguarda há quatro anos a chance de realizar o maior sonho: ter uma casa. “Quero sair daqui, ganhar uma moradia, ter estabilidade e um serviço. Não quero trabalhar com reciclagem”, complementa. “Tem dias que não consigo trabalhar por conta das crianças. Como deixo eles aqui sozinhos?”, questiona.

Fonte: Correio Braziliense