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segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Expectativas sobre a procuradora-geral Raquel Dodge

A crise contaminou de aspectos políticos a indicação por Michel Temer, mas o perfil dela não faz prever recuo no combate à corrupção


Depois que a procuradora-geral da República indicada, Raquel Dodge, passou pela sabatina no Senado, em meados de julho, por acachapantes 74 votos a 1, Rodrigo Janot distribuiu um texto na instituição em que parabenizava a sucessora e a alertava para desafios. Destacou que grupos poderosos que se beneficiam de desvios de dinheiro público lutarão para manter privilégios e barrar o combate à corrupção. 

Correto o alerta, mas é certo que a sucessora de Janot conhece a estrada que percorrerá. Respeitada no MP, também qualificada, com curso de extensão em Harvard, desde 1987 no MP, Raquel passou por experiências profissionais que a credenciam à luta contra o roubo do dinheiro público.  Atuante em áreas dos direitos humanos em sentido amplo (indígenas, escravidão), Dodge, em 2009, coordenou a Operação Pandora, que gerou cenas inesquecíveis em que políticos de Brasília recebiam maços de dinheiro vivo, como sempre sem escrúpulos. Entre eles, o governador, José Roberto Arruda, trancafiado a pedido de Dodge. Foi o “mensalão do DEM”.

O alerta de Janot vem dos quatro anos dos dois mandatos consecutivos como procurador-geral, durante os quais passaram por sua agenda de trabalho fases-chave da Lava-Jato, lançada em março de 2014, e muitos desdobramentos sérios da operação: denúncias de Lula, de Dilma, da cúpula do PMDB no Senado, de um outro “quadrilhão, o do PT, e de políticos de vários partidos, incluindo alguns denunciados que dessacralizaram o PSDB, como Aécio Neves. Além de Temer.

As circunstâncias da escolha de Raquel Dodge por Temer não foram felizes para a procuradora. Menos pelo fato de, como não vinha sendo usual, ela ter ficado em segundo lugar na lista votada por procuradores a ser encaminhada ao presidente.  Durante os governos do PT, sempre o mais votado foi o indicado — por Lula e Dilma. Mas não havia, nem há, obrigação legal de o indicado ser o mais votado.

No caso da substituição de Janot, isso não seria possível porque o vencedor, no voto, foi Nicolao Dino, subprocurador eleitoral, voto contrário a Temer no julgamento da chapa com Dilma no TSE, e ainda irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), desafeto histórico do clã Sarney, ex-presidente de enorme poder de influência no PMDB, partido de Temer.  Como já havia o choque entre o procurador-geral e o presidente, a escolha de Raquel, que se opunha a Janot na PGR, foi entendida por alguns como sinal de mudanças de rumo no combate à corrupção. Não é crível. Porque os desencontros entre Dodge e Janot parecem mais de método e de estilo gerencial do que de entendimento da essência do papel do Ministério Público no Brasil de hoje.

Na montagem da equipe, Dodge emite sinais positivos: indica para a força-tarefa da Lava-Jato, por exemplo, procuradores que pediram a prisão preventiva de Geddel Vieira, pessoa de confiança do presidente Temer, afastado do ministério e, hoje, preso.  Há extensa pauta a cumprir pela nova procuradora-geral, logo ao assumir, com pedidos de indiciamento que chegarão à sua mesa de políticos com foro privilegiado. Logo não haverá mais dúvidas acerca do que Raquel Dodge entende sobre o papel da PGR nos dias de hoje.

Editorial - O Globo