Revista Oeste
Por tratar como caso de polícia o que era uma questão social, o presidente Washington Luís antecipou a chegada à senilidade precoce da República Velha, enterrada sem honras pela Revolução de 1930. Por tratarem como questão social o que sempre foi um caso de polícia, os presidentes Lula e Dilma Rousseff retardaram a chegada à maioridade da democracia brasileira. Os líderes do incipiente movimento operário do século passado, que apresentavam reivindicações elementares, não mereciam cadeia. Mereciam de Washington Luís mais atenção. Os chefes de velharias ideológicas que se arrastam pelo século 21 berram exigências tão descabidas quanto a restauração da monarquia. Não mereciam a vida mansa que o PT lhes proporcionou. Mereciam cadeia.
Quando o impeachment de Dilma Rousseff começou a desenhar-se, Lula resolveu falar grosso: “Se for preciso, eu chamo o exército do Stédile”, ameaçou. Sorte dele não ter chamado. Soldados e oficiais, que esbanjaram ousadia em ataques a fazendas indefesas, na depredação de casas e máquinas e na destruição de laboratórios rurais, desertaram pouco depois da queda do governo do PT. Com o sumiço dos privilégios federais, que incluíam mesadas, verbas e cestas básicas (além da garantia de impunidade), os combatentes deram o fora antes que a lei começasse a ser cumprida.
Na Quarta-Feira de Cinzas de 2016, Stédile ainda fingia não saber disso. Caprichando na pose de general de cordão carnavalesco, anunciou a iminente mobilização de tropas que permanecem aquarteladas na garganta do rufião da reforma agrária. Como nunca perdeu nenhuma chance de escolher o lado errado da guerra, resolvera protagonizar tiroteios imaginários na Venezuela, “em defesa do regime popular e democrático do presidente Nicolás Maduro”. Até hoje o homem que é visitado por Hugo Chávez em forma de passarinho espera a chegada da imensa infantaria inexistente.
Quando a Lava Jato avançou na devassa da folha de serviços criminosos acumulados por Lula, o fundador da versão brasileira do exército de Brancaleone reincidiu na bazófia: promoveria uma ofensiva tremenda contra quem ousasse tratar como bandido um fora da lei. O ex-presidente foi duas vezes condenado em duas instâncias e finalmente engaiolado sem que aparecesse um único estafeta de Stédile, que preferiu despejar bazófias em outras freguesias — e cuidar dos preparativos para mais uma capitulação vergonhosa na Venezuela de Maduro.
O problema é que o exército da lona preta inspira tanto medo quanto os movimentos sociais que José Dirceu jurou que mobilizaria em 1968 (para derrubar o governo militar), em 1973 (para reeditar a revolução cubana no oeste do Paraná), em 2005 (para livrar-se da cassação do mandato decretada pela Câmara dos Deputados), em 2012 (para mostrar ao Supremo Tribunal Federal que um guerreiro do povo brasileiro não pode ser confundido com chefe de quadrilha), em 2016 (para salvar Dilma Rousseff do impeachment) e há poucos meses, para ensinar a diferença que existe entre “ganhar a eleição” e “tomar o poder”.
Coragem, Stédile. O vento sopra a favor dos arrogantes — por enquanto
Capitulou na hora errada, informa o crescente acervo de arbitrariedades, insolências e ilegalidades colecionadas pelos 11 superjuízes. Se conhecesse direito o Timão da Toga, Stédile hoje estaria atropelando sem perigo de cadeia o direito de propriedade, a democracia e a paciência dos brasileiros decentes. O Supremo Tribunal Federal sempre se fez de estrábico quando confrontado com esses pontapés nos códigos legais. Mas nos últimos tempos passou da leniência à cumplicidade ativa. Os ministros só enxergam atos contra a democracia e ameaças às instituições se captados pela vista direita.
Desde que não critique nenhum ministro, não seja tolerante com o tratamento precoce da covid-19 nem concorde com uma única vírgula dita por Jair Bolsonaro em sua live, o mais medonho terrorista de esquerda será premiado com um habeas corpus perpétuo pela Corte, que, aliás, acaba de ganhar um decano à altura dos atuais componentes: Gilmar Mendes. Os demais ministros merecem Gilmar. Gilmar merece os demais ministros. Sobretudo Alexandre de Moraes, que em nome do Estado de Direito tortura e assassina os direitos assegurados pelo regime democrático.
Coragem, Stédile. O vento sopra a favor dos arrogantes — por enquanto. Todo semideus de picadeiro que trata o povo brasileiro como se fosse um bando de idiotas acaba na cova rasa reservada às perfeitas bestas quadradas.
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Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste