Nos
primeiros dois anos de governo, o presidente da República compôs um
ministério técnico. Alimentou a ilusão de que sua impactante vitória
eleitoral acabaria reconhecida como fato político suficiente para
certificar ante os demais poderes da República as legítimas expectativas
da sociedade.
A opinião expressa nas urnas costuma ser levada a sério nas democracias.
Mas na
prática, a teoria é outra. Combatidos pela mídia militante, os projetos
do governo batiam nas traves do Congresso, ou eram obstados pela ampla
bancada oposicionista no STF, onde o governo não tinha e não tem a menor
chance. As realizações do governo só eram informadas nas redes sociais.
A pandemia
entrou na cena sanitária e política nacional no início de 2020 e as
posições do governante (tido por autoritário, mas sempre em favor da
liberdade), lhe complicaram ainda mais a vida.
O Brasil tornou-se o
único país do mundo onde as pessoas não eram vitimadas pela Covid-19,
mas pelo presidente.
As manifestações populares minguaram pelo receio da
contaminação.
Quando
interpelado sobre suas sucessivas derrotas no Congresso, atribuídas à
“falta de capacidade de negociação”, o presidente respondia que seu
papel era o de propor, cabendo ao Legislativo decidir.
No Congresso
havia três grupos – a oposição, o centrão e a minguada base de apoio ao
governo. O centrão sabia que, cedo ou tarde, o poder cairia nas suas
malhas e a vida voltaria à normalidade. O dinheiro público voltaria a
circular e, com ele, a "prosperidade econômica" da política.
Bolsonaro,
então, tratou de se entender com o centrão. Foi o sinal para que os
críticos da “incapacidade de negociação” passassem a atacar o governo
por... negociar com quem estava disponível, ou seja, com o centrão.
Estabelecido o
entendimento, o governo, como é normal nas democracias, apoiou a
eleição de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, redistribuiu cargos e mexeu no
ministério para nomear ministros do bloco. Porém (ah, porém!) como
cantaria Paulinho da Viola, estavam canceladas as práticas irregulares
de que se abastecia a corrupção imprescindível ao funcionamento dos
acordos políticos.
Cargos, sem grana, são apenas trabalho e responsabilidade! E quem quer apenas trabalho e responsabilidade?
Cargo sem
grana não é o objetivo sonhado pelos acordos que organizam maiorias
parlamentares em nosso presidencialismo de cooptação rentista. Assim, o
presidente encomendou, cumpriu sua parte, e não recebeu o que
encomendou.
Na vida real, ele só tem, por si, a parcela do povo que quer
preservar sua liberdade, seus princípios e seus valores num país
próspero.
Tais anseios serão expressos nas gigantescas manifestações
democráticas do dia 7 de setembro, contra as ações – estas sim,
antidemocráticas – do Congresso Nacional e do STF.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.