Investigações se aproximam do gabinete presidencial e levam o governo a confrontar o Judiciário. Dilma e Lula assumem a linha de frente da batalha
Acuado pelas denúncias do esquema do Petrolão, que chegam cada vez mais perto do gabinete presidencial, o governo resolveu entrar numa perigosa zona de batalha. Nos últimos dias, numa ação articulada com o PT e o ex-presidente Lula, o Planalto passou a investir contra o Poder Judiciário, num jogo que pode virar contra o próprio governo. Os alvos são as investigações da Lava Jato, o juiz Sérgio Moro e o Ministério Público Federal. Em encontros reservados, Dilma, que no ano passado defendeu publicamente o instituto da delação premiada, cogitou anular o que não está em suas atribuições constitucionais: os benefícios de redução de pena e liberdade recebidos pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC.
Após decidir colaborar com as investigações, Pessoa revelou à Justiça ter sido achacado para contribuir para a campanha à reeleição da presidente no ano passado. “Eu não aceito e jamais aceitarei que insinuem sobre mim ou a minha campanha. Primeiro porque não houve. Segundo, se insinuam, alguns têm interesses políticos”, disse a presidente em viagem aos EUA, sem atentar para a gravidade de suas declarações e ações que podem, segundo o ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa, enquadrá-la por crime de responsabilidade. Enquanto Dilma criticava fora do País o dispositivo legal da delação, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva organizava a tropa petista no Congresso. Em reunião com integrantes da bancada do PT, em Brasília, definiu a estratégia de ataque às instituições da República que apontam malfeitos do governo e do PT. “É preciso fazer o enfrentamento político da Lava Jato”, admitiu sem meias palavras.
Sob forte pressão do PT, o ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo dirigiu-se ao Supremo Tribunal Federal e à
Procuradoria-Geral da República cobrar explicações sobre o vazamento do
depoimento de Pessoa. Na manhã de segunda-feira 29, o ministro da
Justiça esteve com o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, e
transmitiu a irritação do governo com a divulgação da delação do
presidente da UTC. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
também foi procurado. Ao contrário de Lewandowski e Janot, o ministro
Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, não esteve com Cardozo, mas
emissários do governo conversaram com servidores de sua confiança. A
eles, segundo apurou ISTOÉ, enviados do Planalto manifestaram sua
indignação com a maneira como foi homologada a delação de Pessoa. O
Planalto reclama do que chama de “tratamento especial” dado ao
presidente da UTC, que acertou sua delação premiada com a PGR e não com a
13ª Vara Federal de Curitiba, como fizeram outros empreiteiros e
quadros da Petrobras.
Cardozo foi para o front do embate contra o
Judiciário depois de ser fortemente cobrado por Lula e pelo presidente
do PT, Rui Falcão. Enquanto publicamente Dilma Rousseff não cansa de
repetir que, em seu governo, a Polícia Federal possui autonomia de
atuação, o ministro da Justiça é acusado pelos petistas nos bastidores
de perder as rédeas da PF, instituição vinculada à pasta que comanda. Os
petistas cobram de Cardozo um maior controle das ações da polícia, para
evitar constrangimento a cabeças coroadas do PT, como tem ocorrido
desde o ano passado. Os colegas de partido do ministro atribuem a ampla
divulgação dos resultados da Operação Lava Jato a falhas no trabalho de
Cardozo. O sigilo dos documentos, alegam, resguardaria o governo e o PT.
“Todo vazamento é contra o PT. O que eles querem é ver Dilma e o PT
sangrarem até lá”, criticou Lula, que depois de fazer críticas públicas
ao PT e a Dilma, há duas semanas, resolveu baixar o tom aconselhado por
interlocutores que acharam que as declarações jogaram contra ele e deram
munição à oposição.
Apesar de Cardozo ter feito um périplo pelo
Judiciário, na última semana, as cobranças não foram bem digeridas pelo
titular da Justiça. “Não tenho que prestar informações só ao PT, mas a
qualquer força política que desejar. Se acharem que não contribuo mais
para o projeto, sairei”, disse Cardozo na quinta-feira 2. A
interlocutores, o ministro tem manifestado a intenção de realmente
deixar o governo. Contribuiu para ampliar seu desgaste a reunião da
Executiva do partido no dia 28 de junho, quando os próprios petistas o
chamaram de “egoísta”, “omisso” e “inoperante.” Cardozo assumiu o
Ministério da Justiça no primeiro mandato de Dilma. Ainda no gabinete de
transição, ele foi um dos primeiros escolhidos para a Esplanada dos
Ministérios. Na sexta-feira 3, depois de uma reunião com Dilma, o
ministro continuaria no governo.
Mas as relações de Cardozo com a cúpula do
PT nunca foram boas e com a operação Lava Jato a situação ficou ainda
mais desconfortável. Um dos que mais pressionam para que ele seja
substituído é o ex-presidente Lula, que sempre foi um crítico mordaz de
sua atuação nos bastidores.Ao mesmo tempo em que tenta minar Cardozo, Lula trabalha para evitar com
que uma eventual rejeição a Janot, que trabalha para ser reconduzido ao
cargo, seja debitada na conta do Planalto. A estratégia foi acertada
em conversa com o marqueteiro do PT, João Santana, na segunda-feira 29.
No dia seguinte, Lula promoveu um encontro com o presidente do Senado,
Renan Calheiros (PMDB-AL). Na conversa, Lula e Renan trataram da nova
indicação do procurador-geral da República. O cargo ficará em aberto a
partir de setembro. Lula ponderou a Renan que, se a presidente escolher
outro nome que não o de Janot para encaminhar ao Senado, o governo será
acusado de usar mecanismo institucional para ir à desforra.
“Politicamente será um desastre”, disse Lula. Para o ex-presidente, só o
Senado poderia rejeitar um novo mandato de Janot. Na PGR, a ação do
petista foi considerada dúbia. “Ninguém entendeu se ele defendeu ou não
um novo mandato para Janot”. Para subprocuradores ligados ao
procurador-geral, o petista pode ter acertado com Renan o veto a Janot,
quando sua recondução tiver que ser aprovada pelo Congresso. Assim,
Dilma não assumiria o desgaste pelo veto.
CORO AFINADO
O presidente do PT, Rui Falcão, que segue defendendo o tesoureiro do PT,
João Vaccari Neto, preso na Lava Jato, alinha-se a Lula na tentativa de acuar o Judiciário
O presidente do PT, Rui Falcão, que segue defendendo o tesoureiro do PT,
João Vaccari Neto, preso na Lava Jato, alinha-se a Lula na tentativa de acuar o Judiciário
No Congresso, o maior opositor a uma nova
indicação de Janot é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Cunha é alvo de inquérito da Lava Jato e passou pelo constrangimento de
ter integrantes do Ministério Público dentro de seu gabinete na Câmara
recolhendo provas para a investigação. Assim como Cunha, Renan está no
rol de investigados em inquéritos da Lava Jato. Até o final deste mês, o
procurador-geral da República deve se pronunciar sobre o resultado das
oitivas e diligências que a Polícia Federal realizou e decidir se manda
arquivar ou oferece denúncia contra os parlamentares envolvidos,
incluindo os presidentes da Câmara e do Senado.
Fonte: IstoÉ
http://www.istoe.com.br/reportagens/425760_ATAQUE+A+JUSTICA?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage
Fotos: Felipe Rau/ Estadão Conteúdo; Mario Angelo/ Sigmapress/ Folhapress