A própria Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, estaria em dúvida sobre os diálogos, quando afirmou que o material não tem reconhecida sua veracidade e, além do mais, foi conseguido de forma ilegal.
O argumento da defesa de Lula para o habeas corpus de soltura era muito
frágil: o fato de Sérgio Moro ter aceitado ser ministro da Justiça e
Segurança Pública de Bolsonaro. Mas havia no ar o fantasma dos diálogos
entre Moro e o chefe dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol. Que
não poderiam ser usados, por não estarem nos autos e, sobretudo, por
serem provas ilegais que, no mínimo, precisam ter sua autenticidade
verificada antes mesmo que se discuta se provas ilegais podem ser usadas
a favor do réu.
Por isso, o ministro Gilmar Mendes tentou um atalho, propondo que se
desse liberdade ao ex-presidente até que o julgamento do mérito fosse
concluído na Segunda Turma. Como o relator Edson Facchin, a presidente
da Turma Cármen Lucia, e o decano Celso de Mello se mostrassem
contrários à liberdade provisória, mas dispostos a julgar o mérito ontem
mesmo, o ministro Gilmar Mendes disse que não haveria tempo, pois seu
voto tinha 40 páginas. Somente os ministros Gilmar Mendes e Ricardo
Lewandowski votaram pela suspeição de Moro, influenciados claramente
pelos diálogos, embora tenham afirmado que votavam apenas com base dos
autos.
O voto decisivo foi do ministro Celso de Mello, que usou um argumento
irrespondível: para ele, é possível ao juiz usar seu "poder geral de
cautela toda vez que se cuidar de algo favorável ao acusado", mas, nesse
caso, há "três títulos condenatórios emanados [contra Lula]". bO decano se referia às condenações na primeira instância, em Curitiba,
no TRF-4 em Porto Alegre e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mesmo
sendo contra a prisão em segunda instância, o ministro Celso de Mello
não teria dúvidas sobre o caso de Lula, que já cumpriu o requisito que
deve ser definido pelo plenário do STF quando o tema for debatido:
prisão depois da condenação pelo STJ. Essa proposta foi do presidente do Supremo, Ministro Dias Toffoli, em
debate sobre a prisão em segunda instância, e parece ser impossível que o
Tribunal retorne ao entendimento de que apenas com trânsito em julgado a
prisão seria decretada.
O ministro Gilmar Mendes, que havia pedido vista em dezembro, e colocou o
caso na pauta da Segunda Turma coincidindo com os primeiros diálogos
publicados pelo site The Intercept Brasil, retirou-o novamente na
véspera, alegando falta de tempo para o julgamento. Mas recolocou-o na
pauta a pedido da defesa de Lula. No seu voto, se referiu com mais ênfase à troca de mensagens entre Moro e
Dallagnol, mesmo sendo provas ilegais, sem se deter no motivo formal do
habeas corpus, que era o fato de Moro ter aceitado ser ministro de
Bolsonaro. "Não há como negar que as matérias possuem relação com fatos
públicos e notórios cujos desdobramentos ainda estão sendo analisados". [estranho que um ministro do STF, guardião da Constituição, vote pelo desrespeito a um mandamento da Constituição que está sob a guarda do mesmo STF.]
Para ele, tais revelações "podem influenciar o deslinde das
circunstâncias". Por isso, disse que precisaria de mais tempo para
analisar o habeas corpus sobre a suposta parcialidade do juiz, já que as
mensagens atribuídas a Moro foram divulgadas recentemente. Na sua avaliação, as mensagens colocam em dúvida a atuação do atual
ministro da Justiça enquanto juiz. Para o ministro Gilmar Mendes seria
melhor aguardar e analisar melhor o caso antes de uma decisão
definitiva. Uma de suas alegações foi que a própria Procuradora-Geral da República,
Raquel Dodge, estaria em dúvida sobre os diálogos, quando, na verdade,
ela afirmou em seu parecer que o material não tem reconhecida sua
veracidade e, além do mais, foi conseguido de forma ilegal.
Também o relator do caso, ministro Edson Facchin, reafirmou seu voto
contrário à liberdade de Lula, e disse que o material a que se referiu a
defesa e o próprio Gilmar como “fatos públicos e notórios” não foi
apresentado às autoridades para perícia. Tanto Gilmar quanto Lewandowski
alegaram ver nos autos motivos para decretar a parcialidade de Moro,
buscando sair da armadilha de usar provas ilegais. No caso do sítio de Atibaia, Lula já foi condenado em primeira instância
pela Juíza Gabriela Hardt, e o recurso chegou ao TRF-4. O julgamento
deve coincidir com a data prevista para a progressão de pena de Lula
para prisão semi aberta. Se confirmada a condenação, a pena se soma à anterior, do triplex do
Guarujá, e, nesse caso, o cumprimento de 1/6 da pena não ocorrerá no
final deste ano.