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quarta-feira, 27 de abril de 2016

Não vai ter golpe



O crime de responsabilidade não se confunde com os crimes comuns, previstos no Código Penal. Não pode resultar na prisão do governante e nem é julgado por juiz togado

No último dia 17 de abril, por 367 votos, de 513 possíveis, a Câmara dos Deputados recebeu a denúncia formulada contra Dilma, por crime de responsabilidade. O processo já seguiu para o Senado. Lá, por maioria simples, os senadores poderão (ou não) confirmar o recebimento da denúncia e afastar Dilma do cargo, devendo julgá-la no prazo máximo de 180 dias.  A tese de defesa da presidente pode ser resumida no seguinte lema: “Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe”. O mantra é reproduzido, incansavelmente, pela militância do PT e repercute nas mídias sociais e nos meios de comunicação. Muitos dos que se opõem ao impeachment pontuam que Dilma não promoveu qualquer desvio de verbas e nem é acusada da prática de crimes de corrupção. É pessoa honrada e, portanto, não poderia ser afastada, por divergências ideológicas ou por mera incompetência gerencial.

É verdade: não é possível, a teor do artigo 85 da Constituição, o impedimento sem crime de responsabilidade. O crime de responsabilidade, contudo, não se confunde com os crimes comuns, previstos no Código Penal. Não pode resultar na prisão do governante e nem é julgado por juiz togado. É infração político-administrativa, cujo exame compete ao Parlamento, podendo levar, apenas, ao impedimento para o cargo. Por isso mesmo, a sua caracterização não exige prova da prática de atos de corrupção. Isso é relevante para o Direito penal; não para o processo de impeachment. Tanto assim que, muito embora Collor tenha sido absolvido na Justiça comum, jamais se questionou a legitimidade do processo contra ele deflagrado no Congresso.

O crime de responsabilidade, como bem diz o nome, guarda relação com o dever dos governantes de cumprir as suas responsabilidades com observância das leis e da Constituição. E uma das obrigações presidenciais de maior relevo é respeitar as leis orçamentárias. Entendeu a Câmara dos Deputados que a irresponsabilidade da presidente, no campo do Orçamento público, com a abertura, por decreto, de créditos suplementares e a prática das “pedaladas fiscais”, é causa suficiente para a abertura do processo. Caberá agora ao Senado definir se houve crime de responsabilidade.

O julgamento, como é da essência parlamentar, será eminentemente político. E o eventual impedimento da presidente não importará em qualquer mácula à democracia. O impeachment é instrumento típico do sistema de separação de poderes e foi concebido, precisamente, para coibir o exercício abusivo do poder. A preservação do regime democrático, neste caso, é assegurada pelo cumprimento dos ritos legais e constitucionais, isto é, pelo respeito às regras do jogo democrático. Respeitado o procedimento previsto na Constituição e definido pelo Supremo Tribunal Federal, Dilma poderá sofrer o impeachment, se for a decisão de dois terços do Senado.

Seja qual for o resultado, não vai ter golpe.

Por: Gustavo da Rocha Schmidt é advogado e professor da FGV Direito Rio