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sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Por que Moraes não se preocupa com extrema esquerda? - Rodrigo Constantino

Gazeta do Povo 


Um blog de um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da esquerda “politicamente correta”.

Ao discursar na abertura da Conferência Sobre Democracia Defensiva, nesta quarta-feira (16), o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, falou em combater o avanço do que chamou de “populismo de extrema-direita”, movimento caracterizado, segundo o ministro, pelo uso das redes sociais para compartilhamento de críticas ao sistema eleitoral e às “instituições democráticas”.

“O que nós estamos vendo já há pouco mais de uma década, no mundo todo, é um aumento dos ataques à democracia com estratégias diversas do que ocorreu na década de 1960, principalmente, na América Latina […] Estamos vendo um crescimento do populismo baseado na ideologia de extrema-direita, mas um populismo que, eu diria de forma inteligente, passou a atacar a democracia internamente. Um populismo que verificou a incapacidade de um ataque externo no sentido de romper formalmente com os ideais democráticos e fez toda uma reconstrução estratégica a partir da utilização, da redes sociais, de milícias digitais, para com a desinformação atacar as instituições democráticas e os mecanismos democráticos por dentro”, disse o ministro.

Não vou entrar na polêmica se nossos ministros falam demais da conta ou não, se aceitam palestras em demasia
Sequer vou entrar na delicada questão de como explicar para um gringo que um ministro de uma corte constitucional que é guardiã das leis existentes se coloca como alguém disposto a "combater" determinada visão ideológica, pois essa missão seria já bastante impossível. Nem mesmo vou adentrar o debate sobre definir extrema direita, conceito que é utilizado pela esquerda, imprensa e ministros supremos de forma um tanto elástica e vaga, para enquadrar qualquer um mais à direita dos tucanos.
 
Vou me ater a um aspecto menor, ou mais revelador: 
- por que Moraes só parece se importar com um extremismo?  
Será que o populismo de esquerda não mereceria menção? 
Será que comunistas não ameaçam nossa democracia? 
Será que políticos que bajulam ditadores cruéis em regimes nefastos não são um tiquinho perigosos? 
Será que o narcoestado em avanço na América Latina não deveria estar nas prioridades do nosso combatente democrata?
A fala de Moraes, no fundo, revela a postura ideológica da própria Suprema Corte, e seu viés de perseguição ao que ela considera inadequado para a democracia, enquanto companheiros de ditadores comunistas não despertam qualquer reação ou assombro. 
É uma narrativa que serve para justificar a censura em curso, a perseguição a conservadores, o autoritarismo evidente e a "inovação" jurídica - como o próprio Moraes chamou o ativismo que agride as leis vigentes.
 
A tentativa de reescrever a história tem sido a marca de quem pretende apagar os rastros de uma implacável perseguição ideológica. 
Gilmar Mendes, colega de Moraes, chegou a dizer que nunca houve dúvidas sobre as urnas eletrônicas no Brasil. Não? 
Então Lula nunca desconfiou? 
Ciro Gomes, Simone Tebet, Roberto Requião e tantos outros que "atacaram" as urnas no passado recente foram apenas fruto de nossa imaginação coletiva, ainda que suas falas estejam na internet?
 
Até mesmo ministros supremos colocaram em xeque, como o próprio Gilmar Mendes, sem falar da Polícia Federal em inquérito para investigar ataque hacker, ou o ministro Fachin quando se mostrou preocupado com a ação de hackers russos. 
Nada disso existiu? 
Foi coisa da minha cabeça? 
Estou ficando louco? 
Ou estou vivendo numa distopia totalitária em que todo o passado terá de ser alterado para pintarmos os ministros supremos como os grandes salvadores da democracia e protetores da Constituição?

Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo


quinta-feira, 17 de agosto de 2023

O Brasil vai se tornar um narcoestado? - Deltan Dallagnol

Vozes - Gazeta do Povo

 Justiça, política e fé

Foto: EFE/Marcelo Sayão

Em 2016, quando eu ainda atuava como procurador na operação Lava Jato, afirmei que algumas decisões do Supremo passavam uma mensagem de leniência em favor da corrupção
Afirmei ainda que eu não estava imputando má-fé a nenhum dos ministros, mas apenas fazendo uma análise objetiva dos efeitos que as decisões dos ministros tinham sobre as investigações e processos.

Isso acabou me rendendo uma punição por “quebra de decoro” - uma expressão em que cabe tudo que se quiser incluir para censurar alguém que está incomodando o sistema. 
Nesta semana, o procurador do Ministério Público Marcelo Monteiro fez uma afirmação muito parecida com a minha, mas desta vez ele se referia não à corrupção, mas ao narcotráfico. Disse o procurador, ao ser ouvido pela Gazeta:  “Hoje, o Supremo Tribunal Federal atende a todas as demandas do tráfico de drogas. É isso o que o Supremo faz objetivamente. Eu não estou dizendo que eles atendem porque eles querem atender, porque eles estão em conluio com o tráfico. 
Eles podem ter as melhores intenções – aí eu já não sei, não posso ler a mente dos ministros. 
Mas o que eu estou dizendo é que, do ponto de vista objetivo – não da intenção deles, mas do ponto de vista objetivo –, o Supremo atende a todas as demandas do crime organizado, em especial do tráfico”.

As semelhanças entre minha fala e a do procurador são assombrosas, e ainda mais surpreendente é o fato de que ambas se referem às consequências de decisões do STF sobre o combate ao crime. Há algo de podre no reino da Dinamarca quando a Justiça serve o interesse dos criminosos e não o da população - e certamente há algo mais podre ainda quando decisões beneficiam poderosos - diga-se, por exemplo, um presidente da Câmara - e são incoerentes com a própria jurisprudência do tribunal.

Quando narcotraficantes e líderes de organizações criminosas recebem um tratamento brando da Justiça, sua atividade ilícita, já bastante abrangente no Brasil, é incentivada
Os brasileiros passam a temer que o país, seguindo o caminho de outros da América Latina, torne-se um narcoestado. 
Este já existe, aliás, em certos territórios controlados pelo crime organizado no Brasil, em que autoridades como policiais, promotores e juízes não entram sem autorização do tráfico, salvo se for ministro da Justiça de Lula, pelo menos segundo a incrível versão que ele mesmo sustenta. [além do atual ministro da Justiça, há também uma ministra do atual governo - não lembro qual sua pasta, afinal são tantas, recordo que se tornou ministra por ser irmã de uma vereadora assassinado no Rio - que circula livremente pela favela da Maré,   na garupa de uma moto, ela e o motociclista sem capacete, equipamento de proteção de uso obrigatório no Brasil - será a favela da Maré território soberano do crime organizado, um enclave no território brasileiro? ]

O termo narcoestado,
na definição do Fundo Monetário Internacional, refere-se a um país em que todas as instituições legítimas estão penetradas pelo poder e pelo dinheiro de narcotraficantes. 
O termo se aplica, ainda, a países onde o “governo, mas também o Legislativo, o Judiciário e as forças armadas são infiltrados por cartéis ou organizações de crime transnacional que têm como atividade básica o narcotráfico”.

    Quando narcotraficantes e líderes de organizações criminosas recebem um tratamento brando da Justiça, sua atividade ilícita, já bastante abrangente no Brasil, é incentivada

Organizações criminosas já controlam áreas extensas em favelas e subúrbios brasileiros,
vitimando seus moradores, e há notícias de que o PCC tem financiado candidatos e tenta se infiltrar na Polícia, Ministério Público e Judiciário. [saber mais, leia: PCC forma advogados e tenta se infiltrar no ... ] Essa atividade merece uma resposta firme do Estado. Contudo, temos visto o contrário: decisões que fortalecem o crime organizado, como as seguintes, proferidas recentemente pelas mais altas Cortes do país.

 A partir de junho de 2020, o STF passou a proferir decisões limitando a atuação da polícia em favelas, por exemplo, proibindo operações nas comunidades na pandemia e vedando o uso de helicópteros;
Em maio de 2022, o STJ, argumentando que se deve combater o “racismo estrutural”, decidiu que é ilegal a busca pessoal (revista) de suspeitos justificadas por denúncias anônimas ou atitudes “suspeitas”;
Em fevereiro de 2023, o STJ concedeu liberdade a um homem preso com 66 kg de maconha na sua casa. Após a polícia abordá-lo na rua e encontrar com ele 42 gramas de maconha, ele autorizou os policiais a adentrarem sua casa. Ali foram encontradas drogas, balança de precisão e material para embalar os entorpecentes. Contudo, o STJ entendeu que a autorização foi dada em uma “situação claramente desfavorável” e era, portanto, insuficiente para justificar o ingresso;
 
Em março de 2023, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul absolveu uma pessoa com 2 toneladas de drogas, aplicando o entendimento de que uma denúncia anônima não é suficiente para que esteja satisfeito o requisito de fundada suspeita exigido para o ingresso da polícia na residência do suspeito sem mandado judicial;
Em abril de 2023, o STJ devolveu os bens de luxo do narcotraficante internacional foragido André do Rap: um helicóptero avaliado em R$ 7,2 milhões, uma embarcação de 60 pés, avaliada em R$ 5,2 milhões, dois imóveis de luxo em Angra dos Reis (RJ), um Porsche Macan ano 2016, quatro jet-skis, quatro computadores e 33 telefones celulares, por entender que decisão que determina a prisão preventiva não autoriza a busca e apreensão no local da prisão. As provas do caso foram todas anuladas;
 
 Em maio de 2023, o STJ absolveu traficantes que confessaram ter 257 pinos de cocaína, por entender que a confissão ocorreu sob “estresse policial” e por isso seria ilegal, sem que houvesse nenhum registro ou alegação de tortura ou maus-tratos;
Em junho de 2023, o STF anulou a apreensão de 696 kg de cocaína feita com base numa denúncia anônima, mais uma vez aplicando o entendimento de que a busca e apreensão só poderia ocorrer com mandado. Os traficantes foram inocentados;
Também em junho de 2023, o STJ inocentou um chefão do tráfico do PCC, que havia sido condenado a 10 anos de prisão, porque a abordagem policial em que foram encontrados 2 kg de cocaína teria sido “invasiva” e sem o devido fundamento. Ocorre que o traficante, notando a polícia, chegou a subir com sua moto na calçada e, demonstrando nervosismo, quebrou seu celular para evitar que a polícia visse suas mensagens;
Na semana passada, a 2ª Turma do STF, em um caso que também envolvia narcotraficantes, autorizou a participação de réus foragidos em audiência de instrução por videoconferência, estendendo um tapete para quem lhe estapeia a face - que criminoso respeitará uma Justiça assim?

Há muitos outros casos e decisões que poderiam ser mencionados.
 
E se os precedentes dos tribunais aplicados para colarinhos brancos forem estendidos a narcotraficantes e chefes de facções, as portas da cadeia serão escancaradas. 
Por exemplo, se a duração da prisão preventiva estabelecida pelo Supremo na Lava Jato for estendida aos demais réus, dificilmente algum narcotraficante permanecerá preso.

Investigados e réus devem ter seus direitos garantidos na mesma dimensão em que são protegidos nos demais países democráticos
O “garantismo” é legítimo. Contudo, o “garantismo à brasileira” expande a proteção dos direitos de um modo que se passa a perguntar se é o Direito que serve à sociedade, ou a sociedade que está servindo a um Direito que a coloca de joelhos diante do crime organizado. 
O direito à ampla defesa e ao devido processo não devem significar um direito à impunidade. 
É esse “direito” que é dado aos criminosos de colarinho branco pelo “garantismo de ocasião” de certos advogados e julgadores, customizado para atender os interesses do poder.

Deltan Dallagnol,  colunista - Gazeta do Povo - VOZES