Presidente de El Salvador já brigou com Supremo, Congresso, imprensa e coronavírus, alcançando índices de popularidade arrasadores
Nayib Bukele não usou gravata nem na própria posse – no máximo, um lencinho no bolso do paletó, às vezes combinando com as meias, o figurino exibido ao ser recebido por Donald Trump na Casa Branca no ano passado. Quando discursou na Assembleia Geral da ONU, mandou uma selfie. Aos 39 anos, certamente não vai mudar o estilo, que inclui, no dia a dia, jaqueta de couro e boné invertido, quando comemorar o resultado da eleição para o Congresso: seu partido, saído do nada, tem 64% das preferências.
Os dois partidos até agora dominantes, refletindo ainda os alinhamentos da brutal guerra civil dos anos 80, a Arena, direita pura e dura, e a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, a guerrilha esquerdista convertida às delícias do poder, têm, respectivamente, 5% e 6% das preferências. No meio da pandemia, brutal num país onde o principal produto de exportação são os imigrantes clandestinos que buscam uma vida melhor nos Estados Unidos, a popularidade de Bukele atinge inacreditáveis 90%. Isso com um encolhimento econômico 8,6%. “Seria menos difícil explicar os altíssimos índices de aprovação se Bukele pudesse apresentar indicadores econômicos e sociais destacados ou sequer aceitáveis. Não tem”, suspirou no Washington Post o escritor Roberto Valencia.
O escritor alinha três motivos para o fenômeno Bukele. Merecem ser conhecidos por aspirantes a reproduzi-lo. Primeiro, domínio da “máquina propagandística-comunicativa”. Segundo, habilidade para “impor a agenda nacional e neutralizar os que considera seus inimigos nos âmbitos político, jornalístico e de ativismo”. Os tais inimigos “respondem com soberbia”, criticando Bukele, publicitário por profissão, não ter terminado a faculdade e seus seguidores – mais de um milhão – pelos erros de ortografia. As elites são iguais em toda parte.
É difícil dizer se Nayib (grafia castelhana para Najib) é de esquerda ou de direita. Tendo começado na FMLN, pela qual se elegeu prefeito de San Salvador, ele foi se descolando da esquerda, embora tenha mantido como modelo de combate à corrupção o mexicano Andrés Manuel López Obrador. Assim que assumiu, acabou com o alinhamento com a Venezuela promovida pelos dois presidentes anteriores, da FMLN, incluindo Mauricio Funes, exilado na Nicarágua para fugir aos processos por corrupção.
Eleito presidente no primeiro turno, em junho de 2019, como uma espécie de versão latino-americana de Emmanuel Macron – cara nova, partido criado do nada, o Ideias Novas, inconformismo do eleitorado com os políticos tradicionais, campanha por redes sociais -, ele quase deu um autogolpe em fevereiro do ano passado. Entrou no Congresso com soldados e policiais armados para forçar a aprovação de um projeto de lei prevendo a compra de cem milhões de dólares em equipamentos de segurança. “Poderia ter dado um golpe”, jactou-se.
Poderia mesmo. Um presidente com 90% de aprovação pode praticamente tudo, como já se viu abaixo da linha do Equador. El Salvador é um país pequeno, de apenas 21 mil quilômetros quadrados e sete milhões de habitantes, saído quase diretamente da violência da época da guerrilha para a criminalidade organizada nas gangues que fazem os similares brasileiros parecerem estadistas. Bukele é acusado de ter feito um acordo com a MS-13 (Mara Salvatrucha, a maior das facções) para diminuir em 60% o mais alto índice de homicídios do planeta – no ápice, o país bateu em 106 homicídios por 100 mil habitantes. Policiais e militares nas ruas, parte do “plano estratégico de controle territorial”, dão algum respiro a uma população refém dos criminosos.
Quando assumiu, Bukele – descendente de palestinos cristãos por parte de pai – consagrou uma palavra conhecida: “Enviando”. Assim se comunicava, pelo celular, com os ministros, determinando a demissão de apaniguados dos governos anteriores. Quando a ministra do Desenvolvimento lamentou que a falta de uma ponte num local distante do país havia causado a morte de 18 crianças, ele foi rápido: “Seu pedido foi atendido pela equipe multidisciplinar do governo. A ponte começará a ser construída em 72 horas”.
A aprovação em massa que medidas assim provocam levou Bukele a brincar com a própria popularidade. “Oficialmente, sou o presidente mais cool do mundo”, orgulhou-se. “O que ele está fazendo é um ato de transparência populista que faz com que pareça um justiceiro que vela pelo povo, mas que na realidade está violando o Estado de Direito, o ordenamento jurídico e os mecanismos de desligamento de cada instituição”, queixou-se ao El País o cientista político Rafael Molina, falando sobre as demissões via Twitter.
Populismo é assim mesmo. Quando dá certo, mesmo que por alguns períodos, o povo gosta. E retribui com 90% de aprovação.
Blog Mundialista - Vilma Gryzinski - VEJA