Guarde o nojo, o cansaço. Podemos estar testemunhando o expurgo da bandidagem
O ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, condenado pelo juiz Sergio Moro na Operação Lava-Jato,
escancarou pela primeira vez a troca de favores, o pagamento de
benesses e os detalhes da conta clandestina que abastecia o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O depoimento desta quinta-feira complica ainda mais a vida do petista e
faz crescer as apostas sobre a possibilidade de prisão de Lula,
atualmente réu em cinco processos da Operação Lava-Jato. Leia mais em VEJA desta semana: Acabou: delação é pá de cal para Lula
Confira abaixo os principais pontos do interrogatório do empreiteiro, conduzido pelo juiz Sergio Moro:
“O apartamento era do Lula”
Léo Pinheiro confirmou aquilo que o ex-presidente sempre tentou negar: o
petista é, sim, dono do tríplex no Guarujá (SP). “O apartamento era do
presidente Lula desde o dia que me passaram para estudar os
empreendimentos da Bancoop [cooperativa habitacional dos bancários]. Já
foi me dito que era do presidente Lula e de sua família. Que eu não
comercializasse”
Reforma do tríplex foi abatida de conta da propina do PT
O executivo revelou a existência de uma conta mantida entre o partido e a
empreiteira: “O Vaccari me retornou, dizendo que estava tudo ok, que
poderíamos adotar o sistema de encontro de contas entre créditos e
débitos que nós tínhamos com ele (…) no tríplex, no sítio e nos outros
empreendimentos. A soma total disso me parece que era em torno de 15
milhões de reais”, disse Léo Pinheiro.
Dinheiro saiu de desvios na Petrobras
Léo Pinheiro afirmou que os gastos da OAS com o tríplex do Guarujá
saíram de uma “contabilidade informal” da empreiteira – e que as
despesas eram abatidas dos saldos de propina da Petrobras que o PT
mantinha junto à OAS. “(Havia) uma contabilidade informal no que diz
respeito a despesas efetuadas no tríplex que eram lançadas no
empreendimento Solaris (o condomínio onde está o apartamento reservado
para Lula) e, na verdade, essas despesas eram parte do encontro de
contas de pagamento de propina na Petrobras”, disse Pinheiro.
Lula pediu para destruir provas que pudessem incriminá-lo
Ao juiz Sergio Moro, o empreiteiro relatou um diálogo que manteve com o
ex-presidente Lula já no curso das investigações da Lava-Jato.
Preocupado, o petista quis saber se havia registros de algum “encontro
de contas” entre ele e João Vaccari, ex-tesoureiro do PT. E foi
enfático: “ Se tiver, destrua”.
DOIS ANOS – VEJA revelou em abril de 2015 os favores de Léo Pinheiro para Lula no Sítio de Atibaia (VEJA/VEJA)
Lula e Dona Marisa comandaram reforma do tríplex
Segundo o empreiteiro, mudanças no projeto original do tríplex
foram feitas por ordem do ex-presidente Lula e da ex-primeira-dama
Marisa Letícia. Léo Pinheiro descreveu encontros com o casal – o último
foi no apartamento de Lula, no ABC Paulista. “O presidente e a dona
Marisa estiveram no tríplex em fevereiro de 2014, pouco tempo depois eu
fui ao sítio [de Atibaia, também alvo da Lava-Jato por ter sido
reformado pelas empreiteiras]. Me encontrei com ele e ele já estava no
sítio. A aprovação [do projeto] foi posterior. Eu me encontrei com ele e
me parece que foi no apartamento do presidente em São Bernardo do
Campo”, disse Léo Pinheiro. “Todas as modificações ocorreram. A
solicitação (se deu) no dia que eu fui com o presidente e a
ex-primeira-dama no tríplex. Isso foi fruto da nossa visita.” Ele conta
que, feitas as alterações no projeto, dona Marisa ainda pediu uma outra
modificação: que a sauna fosse convertida em um depósito.
O “Brahma”
“A explicação que me foi dada na época é que já estava acordado entre o
João Vaccari e o presidente que ele (Lula) ficaria com o tríplex’, disse
Léo Pinheiro. Ele disse mais: “A orientação que foi dada nesse caso do
tríplex, as despesas eram lançadas no empreendimento Solaris. Mas tinha
que ter um centro de custo, por isso o nome Zeca Pagodinho, que se
refere ao apelido que se tinha do presidente que a gente tem nas
mensagens, de Brahma. Então, o Zeca Pagodinho fazia a propaganda da
Brahma. Sítio é o sítio de Atibaia. Praia é o apartamento do Guarujá”.
OAS foi instada a assumir obras de prédio no Guarujá
“Quando ele [João Vaccari] me mostrou os dois prédios do Guarujá, eu fiz
uma ressalva a ele que a empresa só atuaria em grandes capitais. Os
nossos alvos eram Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Porto
Alegre. Falei que não tinha interesse. Ele me disse: ‘Aqui temos uma
coisa diferente. Existe um empreendimento que pertence à família do
presidente Lula. Diante do seu relacionamento com o presidente, o
relacionamento da empresa, nós estamos lhe convidando para participar
disso e por causa do grau de confiança que nós depositamos na sua
empresa e na sua pessoa.”
Braço-direito de Lula pediu favor milionário
Foi Paulo Okamotto, segundo Léo Pinheiro, quem pediu que fosse
contratada a empresa Granero para guardar o acervo presidencial que Lula
levou de Brasília para São Paulo quando deixou o Palácio do Planalto.
Okamotto, braço-direito de Lula há décadas, é hoje o presidente do
instituto mantido pelo ex-presidente. Só com esse favor a Lula, Léo
Pinheiro gastou 1,2 milhão de reais – valor que o empreiteiro disse ter
tirado do próprio bolso.
A tentativa da defesa de Lula de desqualificar o ex-amigo empreiteiro
Se até pouco tempo Lula e Pinheiro eram diletos amigos, agora a relação
azedou de vez. No interrogatório do empreiteiro, os advogados do
ex-presidente partiram para o ataque contra o ex-amigo do petista. Um
dos defensores de Lula, Cristiano Zanin Martins quis saber de Pinheiro
por que ele está contando só agora o que nunca falou em outros
depoimentos prestados à Lava-Jato. A estratégia era clara: insinuar que o
empreiteiro só resolveu acusar Lula agora porque recebeu a promessa do
Ministério Público de ter a pena reduzida – Pinheiro admitiu que está
negociando um acordo de delação premiada com os investigadores. O
ex-presidente da OAS reagiu: disse que não está mudando versão e que,
nos depoimentos anteriores, apenas optou por ficar em silêncio. “Eu não
respondi, eu fiquei em silêncio.”
Mais um embate com Moro
Ante a insistência dos advogados de Lula para que Léo Pinheiro admitisse
que resolveu falar em troca da redução de pena, Moro interferiu. Disse
que, em um interrogatório anterior, Léo Pinheiro foi indagado sobre
outros temas – e que nunca havia sido perguntado sobre o tríplex. “Ele
está fazendo agora uma afirmação que não fez (antes)”, queixou-se
Cristiano Zanin. “Acho que o senhor não leu então o interrogatório
(anterior) dele”, rebateu o juiz. Cristiano Zanin reagiu: “A afirmação
de vossa excelência não me parece compatível com a educação que deve
zelar, ou que deve ser mantida, entre aqueles que estão participando de
uma audiência”. Qual é a contradição desse depoimento (anterior) com o
que ele está prestando agora?”, insistiu o magistrado. O advogado, mais
uma vez, estrilou. “O senhor vai me interrogar agora?”, perguntou. “Acho
que o doutor está equivocado”, afirmou Moro, encerrando o embate.
Fonte: Isto É