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quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Denúncia contra Renan apresentada pelo Ministério Público há quase quatro anos, só agora será julgada pelo Supremo

Mesmo se STF aceitar denúncia hoje, prescrição pode beneficiar Renan

Ainda que fosse condenado, presidente do Senado não poderia ser punido

Caso chegou ao tribunal em 2007. E só agora a denúncia, apresentada pelo Ministério Público há quase quatro anos, será julgada pelo Supremo

A denúncia contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), vai a julgamento hoje no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) com grande possibilidade de frustração dos investigadores. Mesmo que a denúncia seja aceita e Renan seja transformado em réu, é grande a probabilidade de haver prescrição dos crimes quando a ação penal for concluída. Nesse caso, mesmo se for condenado, o parlamentar não poderia ser punido. A situação é fruto da lentidão com a qual foi conduzido o processo judicial. Os crimes teriam ocorrido a partir de 2004. O caso chegou ao tribunal em 2007. E só agora a denúncia, apresentada pelo Ministério Público há quase quatro anos, será julgada.

Dos três crimes pelos quais Renan foi denunciado, um já prescreveu por conta da demora na tramitação no processo. A Procuradoria-Geral da República já afirmou que não há mais como punir o parlamentar por falsidade ideológica de documento particular. Sobrariam peculato e falsidade ideológica de documento público – dois crimes que, se forem punidos com penas baixas, o que deve ocorrer, já estariam prescritos ao fim da ação penal. Se a denúncia da PGR for aceita pelo STF, o inquérito será transformado em ação penal. A nova fase processual deve levar ao menos outros dois anos para ser concluída.

O julgamento de hoje não deve ser unânime, havendo possibilidade de arquivamento do inquérito sem transformá-lo em ação penal. Isso porque existem ministros na corte que afirmam que houve falha técnica na denúncia da PGR, que não teria conseguido descrever com precisão os supostos atos criminosos cometidos por Renan. O processo apura se a empreiteira Mendes Junior pagou pensão alimentícia à jornalista Mônica Veloso, com quem o parlamentar tem uma filha. Além desse inquérito, o peemedebista responde a outros onze no STF, sendo oito da Lava-Jato.

Mesmo que seja transformado em réu hoje, Renan deve permanecer na linha sucessória da Presidência da República. Pela Constituição Federal, na ausência do presidente da República, assume a cadeira o vice. Na sequência, os substitutos são o presidente da Câmara, o do Senado e o do STF. A Rede entrou com ação no tribunal pedindo que réus em ações penais sejam impedidos de permanecer em cargo que conste da linha sucessória.

O STF começou a julgar a ação sobre a linha sucessória no mês passado, mas a discussão foi interrompida por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. O caso não voltará ao plenário antes de fevereiro, por conta do recesso do tribunal. Até lá, Renan já não será mais presidente do Senado – e, portanto, não será enquadrado na eventual nova regra se for transformado em réu.

Em maio deste ano, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já demonstrava preocupação com a prescrição dos crimes do inquérito que será examinado hoje no plenário do STF. Ele enviou ofício ao relator do processo, ministro Edson Fachin, pedindo urgência no julgamento do caso para tentar driblar o risco de impossibilidade de punição de Renan ao fim das investigações. O crime de falsidade ideológica de documento particular prescreveu em junho de 2015. Na ocasião, Fachin negou o pedido. Explicou que os outros crimes só prescreveriam em 2019, e o STF não demoraria tanto para incluir o processo na pauta.

O caso Monica Veloso eclodiu em 2007 e, na época, levou à renúncia de Renan da presidência do Senado. As investigações feitas até agora revelaram que o parlamentar não tinha dinheiro suficiente para pagar a pensão. Segundo a denúncia, Renan apresentou documentos falsos para comprovar que tinha condições de arcar com a despesa. Mas as quebras de sigilo bancário mostraram o contrário. A pensão era de R$ 16,5 mil. Mas os peritos da PF destacaram que, em 2002, o denunciado e seus dependentes tiveram renda anual de R$ 27,9 mil, ou R$ 2,3 mil mensais. Em 2004, a renda anual teria sido de R$ 102,2 mil, ou R$ 8,5 mil mensais.

“Em síntese, apurou-se que Renan Calheiros não possuía recursos disponíveis para custear os pagamentos feitos a Mônica Veloso no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2006, e que inseriu e fez inserir em documentos públicos e particulares informações diversas das que deveriam ser escritas sobre seus ganhos com atividade rural, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja, sua capacidade financeira”, escreveu na denúncia o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel. A hipótese é de que as despesas eram pagas pela empreiteira Mendes Junior.

A Polícia Federal elaborou laudos em 2009 e em 2010 comprovando que os rendimentos de Renan eram incompatíveis com os depósitos que realizou em favor da jornalista. “O investigado não apresentou, com base nos documentos analisados, capacidade financeira que permitisse efetuar, em determinados períodos, os pagamentos em favor de Mônica Canto Freitas Veloso”, afirmou a PF.

Para se defender perante o Conselho de Ética do Senado, Renan apresentou notas referentes à venda de bois para comprovar que ele mesmo tinha feito os pagamentos. O material continha demonstrativos de saques em dinheiro, receitas de atividade rural, declarações de imposto de renda e extratos bancários. Segundo laudo da PF, os documentos eram falsos. “Diante das inconsistências e precariedade dos documentos analisados, a documentação enviada a exame não comprova, de forma inequívoca, a venda de gado bovino nas quantidades e valores das notas fiscais e recibos, nos anos-calendário de 2004 a 2006, do produtor José Renan Vasconcelos Calheiros”, concluiu a polícia.

Também para comprovar sua capacidade financeira, em 2005 Renan apresentou contratos de empréstimos firmados com a empresa Costa Dourada Veículos no valor de R$ 178 mil. Segundo os documentos apresentados pela defesa, o senador teria recebido 78,8 mil da empresa em 2004, enquanto os sócios receberam apenas R$ 22 mil de ‘pro-labore’ e R$ 100 mil de dividendos. Em 2005, o senador teria recebido R$ 99,3 mil, mas o lucro da empresa tivesse sido de R$ 71,5 mil no mesmo ano.

No mesmo inquérito, foi investigado também o desvio de dinheiro público. Segundo a denúncia da PGR, de janeiro a julho de 2005, Renan “desviou, em proveito próprio e alheio, recursos públicos do Senado Federal da chamada verba indenizatória destinada ao pagamento de despesas relacionadas ao exercício do mandato parlamentar”. Laudo da PF elaborado em 2009 constatou que parte das despesas de Renan custeada com a verba indenizatória foi comprovada com notas fiscais de serviços emitidas pela empresa Costa Dourada Veículos. Foram gastos R$ 6,4 mil mensais com a locação de veículos.

“Nas contas bancárias do Senador e da empresa não há registro de pagamento e recebimento dos valores expressos nas referidas notas fiscais, o que demonstra que a prestação de serviços não ocorreu”, concluiu a PGR. A denúncia relata que Ildefonso Antônio Tito Uchoa Lopes, sócio da Costa Dourada Veículos teria sido intermediário de Renan na aquisição de empresas de comunicação e também teria ocupado cargo no gabinete do senador. “Na verdade, os serviços de locação de veículos não foram prestados, servindo apenas para desviar os recursos da verba indenizatória paga pelo Senado Federal”, conclui a denúncia.

O caso chegou ao STF em 2007. Lewandowski foi sorteado relator do inquérito e autorizou a quebra de sigilo bancário e fiscal do senador, conforme havia pedido a PGR. Em seguida, determinou o sigilo do inquérito, para preservar as informações confidenciais referentes às finanças do parlamentar. Em 2015, Fachin herdou o caso, porque Lewandowski havia assumido a presidência do tribunal.

Fonte: O Globo