De forma oculta ao público, o Tribunal de Justiça de São Paulo
tem usado uma verba reservada a situações urgentes e imprevisíveis para
comprar petiscos e outras regalias aos seus 360 desembargadores.
Segundo documentos obtidos pela Folha, a corte
paulista se vale da chamada "verba de adiantamento" para fazer compras
que incluem produtos como queijo maasdam holandês (R$ 67,90 o quilo) e
salame hamburguês Di Callani (R$ 60,25 o quilo), além de frutas como
kiwi gold (R$ 59,99 o quilo).
Essas regalias são exclusivas aos desembargadores. Não têm direito a solicitar esses petiscos sofisticados os juízes de primeira instância, que são os magistrados estaduais que não foram promovidos a desembargadores ou não trabalham como substitutos de desembargadores.
Essas regalias são exclusivas aos desembargadores. Não têm direito a solicitar esses petiscos sofisticados os juízes de primeira instância, que são os magistrados estaduais que não foram promovidos a desembargadores ou não trabalham como substitutos de desembargadores.
“A nosso ver, essas despesas não possuem caráter excepcional, emergencial e muito menos são despesas miúdas, podendo subordinar-se ao processo normal de realização, fato que não ocorreu, devido à atuação não planejada da administração”, afirmam os técnicos do TCE no relatório.
No documento, é citado que, após uma alteração de fornecedor em maio de 2019, os valores mensais dos produtos tiveram um aumento de 17%. Isso aconteceu, por exemplo, com a alface americana (subiu de R$ 2,91 para R$ 4,49), cebola (de R$ 3,60 para R$ 4,99), melão (de R$ 7 para 8,99) e tomate (de R$ 4,40 para R$ 8,99). “Ficam prejudicados os princípios da competitividade e da vantajosidade da contratação, eis que, a nosso ver, haveria a possibilidade de uma licitação e não foi dada aos possíveis proponentes a oportunidade de demonstrar a melhor oferta”, dizem os fiscais.
Os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo têm direito a um auxílio-alimentação cujo valor varia mês a mês, mas que em média é de aproximadamente R$ 800, que é adicionado aos R$ 35.462,22 de salário e aos outros penduricalhos. Outros gastos pagos com verba de adiantamento também são questionados pela fiscalização do Tribunal de Contas. Por exemplo, as compras com galões de água (que custaram R$ 37 mil no ano passado) e com as chamadas “despesas miúdas”, como toalhas e produtos de limpeza, que custaram R$ 58 mil. O órgão viu essas despesas como "potencial ofensa à competitividade e à vantajosidade da contratação".“Em razão dos valores despendidos por mês (média) e pela frequência dessas despesas, a nosso ver, a utilização da plataforma Bolsa Eletrônica de Compras, dispensa de licitação, proporcionaria transparência do gasto público, consequentemente atrairia mais preponentes, estimulando maior competitividade na contratação”, dizem os fiscais do órgão.
A fiscalização do TCE integra o processo que analisará as contas do TJ de 2019, que tem como relator o conselheiro Dimas Ramalho. Ainda não há uma data para o julgamento do órgão de contas. Embora tenha um orçamento de aproximadamente R$ 12 bilhões (aproximadamente o PIB de Roraima) previsto para este ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo enfrenta dificuldades financeiras, sobretudo por causa dos gastos com pessoal. Maior do Brasil, o TJ-SP tem aproximadamente 40 mil servidores e 2,6 mil magistrados.
No início da pandemia, o presidente da corte lançou um plano de contingenciamento que prevê corte de custos como contratos, diárias e luz, além de ter lançado estudo para extinguir comarcas.
[no Supremo a turma também se cuida - curtem lagosta, vinhos, vitela assada, carrê de cordeiros e outras iguarias.
A gente paga.]
Lanche é necessário para acelerar sessões, diz tribunal
Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo informou em nota que os desembargadores "se fazem presentes no Palácio da Justiça para integrar e participar das sessões de julgamento, que ocorrem de segunda a sexta, a partir das 9h, com pausas distintas e que chegam a perdurar durante todo dia e, em algumas sessões, parte do período da noite".
"O fornecimento de lanches aos desembargadores se mostra necessário para imprimir mais celeridade, eficiência e economicidade de tempo das sessões, pois os breves intervalos conferem dinâmica ao julgamento, o que não ocorreria nas hipóteses de interrupção por longo lapso para refeições", diz a nota. [impossível resistir: os desembargadores moram na periferia da periferia, acordam de madrugada, mal alimentados e enfrentam um trem e um ônibus na ida para o trabalho e outro para o retorno para casa.]
"De se ressaltar que o Palácio da Justiça é imóvel tombado, sem local adequado para instalação de lanchonete e local de armazenamento de produtos perecíveis, o que também impede a aquisição quinzenal ou mensal de produtos", afirma.
Os documentos aos quais a Folha teve acesso, no entanto, apontam que a compra de lanches não é só para o Palácio da Justiça, mas para cinco prédios onde trabalham desembargadores, como os anexos onde ficam os gabinetes e o Fórum João Mendes. O TJ-SP ainda diz que, "visando garantir a economicidade das aquisições" dos lanches, "faz pesquisa de preço com diversos fornecedores para, somente depois, adquirir pelo menor valor apurado".
"Para a verificação da conformidade das compras com a legislação em vigor, o responsável pela aquisição desses bens alimentícios apresenta, mensalmente, uma prestação de contas à Secretaria de Orçamento e Finanças do TJ-SP, local em que contadores analisam detalhadamente todos os procedimentos realizados, inclusive se houve a pesquisa de preços", afirma o órgão.
"Além do controle realizado pela Secretaria de Orçamento e Finanças, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo também realiza a fiscalização dos adiantamentos, o que bem evidencia a transparência do TJ-SP e a conformidade de suas aquisições", diz.
360
desembargadores
2.600
magistrados
41 mil
servidores
R$ 12 bilhões
orçamento previsto para 2020
Gastos com petiscos sem licitação em 2019
R$ 221 mil
Na despesa "mercado", que inclui queijos, embutidos e outras comidas
R$ 81 mil
Na despesa "frutaria"
Poder - Folha de S. Paulo