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segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Porta aberta à corrupção

A prevenção contra desvios é correto, mas nada justifica uma burocracia impenetrável. Dificuldades excessivas induzem a criação de balcões de venda de facilidades. São recorrentes as críticas à burocracia, em especial a que atravanca a contratação de obras. E os entraves existentes na máquina pública costumam ser justificados pela necessidade de controles, para defender os interesses de quem paga as contas do Estado, os contribuintes.

O objetivo da prevenção contra desvios é correto, mas nada justifica uma burocracia impenetrável. Mesmo porque dificuldades excessivas induzem a criação de balcões de venda de facilidades. Há tempos, debate-se a Lei 8.666, de 93, a chamada Lei de Licitações. Inclusive no Congresso. Sempre com o objetivo de torná-la um instrumento de maior agilidade na contratação de obras pelo poder público, e por um preço justo.

Mas existe o risco da excessiva simplificação desse processo para economizar tempo. Como cumprir cronograma não é um ponto forte do Estado, na preparação da Copa chegou-se a um ponto que se instituiu o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), para substituir de forma excepcional a Lei de Licitações. Obras puderam ser contratadas por uma via rápida.

Seria um excesso de maledicência insinuar que interessados em criar um facilitário para empreiteiras aproveitaram os atrasos para a Copa e tiraram do bolso o projeto do RDC. Seja como for, a lentidão também na execução do projeto das Olimpíadas de 2016, no Rio, foi aproveitada para se estender aos Jogos a mesma via rápida. Desta vez, pôs-se em prática o plano ardiloso de contrabandear para a MP do Regime Diferenciado de Contratações visando aos Jogos uma emenda sem qualquer relação direta com as Olimpíadas, um “jabuti”, portanto, estendendo o RDC para a grande maioria de obras públicas. Na prática, revogou-se a Lei de Licitações por MP.

Está embutido no RDC o conceito de “contratação integrada”, pelo qual o poder público contrata a empreiteira com vendas nos olhos: sem conhecer especificações da obra que deseja, porque não faz, nem encomenda a terceiros, os projetos básico e executivo do empreendimento. A contratada também fica responsável por eles.  Isso significa que o poder público não tem qualquer base técnica para discutir preços apresentados pela empreiteira. É fácil concluir que o risco de se multiplicarem superfaturamentos nas obras públicas país afora é absoluto.

Ao perder o monopólio do Petróleo, no governo FH, a Petrobras, a fim de competir em igualdade de condições com o setor privado, recebeu autorização, pelo decreto 2.745/98, para contratar obras e adquirir equipamentos pelo mesmo método. Tinha lógica. Porém, a facilidade criada para a estatal ser ágil foi usada pelo lulopetismo no assalto à empresa via o esquema do petrolão, investigado na Operação Lava-Jato. Apenas em um balanço, a estatal deu baixa em R$ 6,2 bilhões correspondentes  às falcatruas. E agora o RDC pôs o facilitário ao alcance da maioria dos projetos públicos, da União, estados e municípios. Grande farra no bolso do contribuinte.

Fonte: Editorial – O Globo