O “fatiamento” da Controladoria-Geral da União (CGU),
anunciado como consequência da reforma ministerial que o governo pretende fazer
para tentar garantir sua base de apoio no Congresso em troca de cargos, pode
ter uma consequência mais grave para a Operação Lava-Jato do que o “fatiamento”
dos processos decididos pelo Supremo Tribunal Federal.
Um dos efeitos imediatos mais deletérios da decisão seria a extinção de todos
os processos administrativos de responsabilização, que hoje se encontram em
adiantado estágio de instrução, instaurados contra as empreiteiras envolvidas
no maior caso de corrupção da história brasileira. Faltaria competência legal ao que sobrar da CGU para aplicação das sanções
previstas na Lei anticorrupção e na Lei de licitações, a exemplo da declaração
de inidoneidade. Como atualmente a competência para instaurar e julgar os
processos administrativos é do ministro da CGU, a extinção do órgão, cujas
funções seriam redistribuídas por outros ministérios, especialmente o Gabinete
Civil, faria com que tais procedimentos fossem extintos, ou encaminhados à
própria PETROBRAS para prosseguimento.
Nesses grandes casos de corrupção, a CGU perderia a competência para avocar
processos em curso em outros ministérios, muitos deles sujeitos a interferências
de ordem política. A alteração proposta pelo Governo Federal impediria esse
tipo de atuação da CGU, que ocorreu em várias ocasiões, levando à decretação de
inidoneidade da empreiteira Delta, por exemplo. Cada ministério passaria a ser
responsável pela apuração das respectivas irregularidades, o que seria um
retrocesso.
Outros efeitos danosos também seriam verificados em algumas das legislações que
permitiram profundas alterações na cultura da Administração Pública brasileira,
como a Lei de Acesso à Informação. Hoje, por exemplo, a CGU fiscaliza o
cumprimento de prazos dos pedidos de informações feitos a qualquer órgão ou
entidade do executivo federal, funcionando, inclusive, com instância recursal,
quando os demais ministérios não fornecem devidamente as informações ao cidadão
ou órgão solicitante.
Com a extinção da estatura ministerial, não seria mais possível esse controle e
supervisão. O fim da CGU contraria tudo o que a presidente Dilma disse
recentemente na ONU a respeito do combate à corrupção no país, e durante sua
campanha, pois sempre citou o ministério como exemplo de como os governos
petistas melhoraram uma estrutura que receberam dos governos do PSDB, quando
foi criada a Corregedoria-Geral da União, sem status de ministério e sem a
abrangência da Controladoria-Geral.
O advento da Lei Anticorrupção é exemplo emblemático da importância da CGU, que
pressionou por sua promulgação, e, ao mesmo tempo do pouco caso que a
presidente Dilma dá a esse tema na prática. Durante o primeiro mandato de
Dilma, o projeto de lei anticorrupção ficou engavetado, inexplicavelmente. Ele
foi aprovado por força das manifestações populares em junho de 2013, e não por
conta dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil muitos anos antes.
Mesmo assim, Dilma demorou mais de um ano após a promulgação da Lei para
regulamentá-la, o que fez apenas em março de 2015. O anterior ministro-chefe da
CGU, Jorge Hage, saiu em dezembro de 2014 reclamando da falta de iniciativa do
Governo quanto à regulamentação da Lei Anticorrupção. Mas, sobretudo, criticou
a falta de verbas: “Nós representamos um peso ínfimo no orçamento federal,
sobretudo se comparado com o que se evita em desperdício e desvios. Então o que
sustento é que é preciso, numa nova fase, no futuro, elevar o nível de investimento
nos órgãos de controle e ampliar o sistema de controle", afirmou, para
irritação do Palácio do Planalto.
O jurista Fábio Medina Osório defende, ao contrário dos cortes e fatiamentos
que o governo pretende, que a CGU se transforme numa agência reguladora
independente, com titular detentor de mandato fixo, nomeado com consenso
político, valorizando-se as carreiras dos técnicos. "É necessário fortalecer a cultura das autoridades administrativas
independentes, tal como ocorre nos países de cultura anglo-saxã, pois o
segmento da probidade empresarial deve ser regulado com viés técnico e autônomo
relativamente às instâncias políticas. A CGU já conta com uma cultura técnica e
de independência, mas poderia se consolidar como agência reguladora a partir de
normatização específica", sugere o jurista, para quem eventual proposta de
politização da CGU seria um retrocesso histórico e institucional muito forte.
Fonte: Merval Pereira - O Globo