Faltou a verdade
A desconexão entre as palavras e os fatos é uma constante nos pronunciamentos da presidente Dilma Rousseff. Raramente surpreende nesse quesito, mas, ontem, no discurso de posse no Congresso Nacional, ela superou-se em vários momentos. Em
especial quando anunciou em tom solene o lema do segundo mandato:
"Brasil, pátria educadora", significando que o governo dará à educação
total prioridade nos próximos quatro anos.
Fosse
real, essa primazia deveria necessariamente corresponder à escolha de
alguém de reconhecido saber na área para comandar o ministério da
Educação. A
realidade, no entanto, faz daquele emblema um mero slogan: o ministro é
o ex-governador do Ceará, Cid Gomes, nomeado para contemplar o PROS (11
votos na Câmara) e recompensá-lo pela saída do PSB quando o partido
deixou a base do governo.
Na
fase de especulação de seu nome, Cid Gomes chegou a dizer que não
queria a pasta e, depois, quando já confirmado, sua única manifestação
sobre o setor foi a ideia de alterar o currículo do ensino médio. A respeito da "expertise" do novo ministro para conduzir o País à condição de "pátria educadora" nada se sabe. Assim
como não se ouviu de nenhum dos outros escolhidos para ocupar os
"lotes" da Esplanada dos Ministérios uma palavra sequer sobre as
políticas que pretendem executar nas respectivas áreas ou do mérito de
cada um para as tarefas.
O critério foi exclusivamente partidário e a distribuição feita de acordo com o número de votos de cada legenda no Parlamento. Nesse
aspecto, outro ponto do discurso da presidente em que as palavras não
correspondem aos fatos: Dilma Rousseff prometeu se empenhar em prol de
uma reforma política que permita a adoção de "práticas mais modernas e
éticas".
Isso tendo acabado de montar um Ministério com base em práticas obsoletas e antiéticas. As promessas feitas pela presidente não correspondem à formação do Ministério. Para o bem e para o mal. Na economia, a equipe assume com a missão de cortar gastos, ajustar, equilibrar as contas e conter a inflação. Dilma,
no entanto, em seu discurso desenhou um cenário condizente com tempos
de bonança total com grandes investimentos, nível de emprego crescente,
salário mínimo em valorização, verbas para Estados e municípios
investirem em transportes coletivos, muito dinheiro para saúde e
educação. Enfim, o melhor dos mundos onde não existem as dificuldades de que dão notícias as próprias medidas tomadas pelo governo.
Sobre
corrupção e Petrobrás, Dilma Rousseff continuou na mesma toada da
campanha eleitoral invertendo a realidade: não foi nos governos do PT
que o esquema de corrupção na estatal cresceu e levou à situação que a
Operação Lava Jato agora desvenda. Na versão dela, foi graças aos governos do PT que "malfeitos de alguns funcionários" foram descobertos. A
desvalorização da companhia, pela narrativa da presidente, não é
resultado dos desmandos, mas produto de "um cerco especulativo".
Dificilmente
Dilma poderá fazer frente aos compromissos firmados nesse discurso. Com
destaque para aqueles que dependem de votação no Congresso. Como a
emenda constitucional que anunciou para permitir à União atuar na
segurança pública nos Estados, hoje prerrogativa dos governadores. O
loteamento de ministérios não garante votos no Parlamento - até porque o
nomeado fica satisfeito, mas os não contemplados formam um grupo maior
de insatisfeitos - assim como determinados discursos não têm o poder de
transformar fábulas em realidade.
Com a desvantagem de afetar gravemente a credibilidade do autor. Ou autora. Nesse
momento de início do 2.º mandato, era de se esperar que a presidente
Dilma Rousseff se dirigisse ao País justamente no sentido oposto:
Falando a verdade.
Fonte: Dora Kramer é colunista do Estadão