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quinta-feira, 26 de maio de 2016

Desespero petista

É patética a tentativa de petistas e cúmplices de transformar as conversas gravadas pelo ex-senador Sérgio Machado em provas de que o impeachment da presidente Dilma é parte de um complô para acabar com a Operação Lava-Jato.  Não seria preciso tanto maquiavelismo, pois a própria presidente afastada e seu criador, Lula, estavam empenhados nesse objetivo. Os dois estão sendo investigados por obstrução da Justiça, ela, por denúncias de que tentou interferir nas investigações a favor de empreiteiros presos.

E há gravações em que Lula diz em alto e bom som que era o único capaz de pôr os "meninos" da Polícia Federal e do Ministério Público "nos devidos lugares" . Tanto que o presidente do Senado, Renan Calheiros, chega a sugerir na conversa gravada por Machado que a solução seria nomear Lula para o Ministério, para neutralizar Dilma, que já estava politicamente inviabilizada.

Não seria preciso, portanto, ser tão maquiavélico, bastando apoiar o governo Dilma com Lula de primeiro-ministro. E por que não foi possível essa manobra? Por que os dois foram apanhados com a boca na botija, tentando obstruir a Justiça. O que as conversas gravadas revelam é que todo o mundo político está mobilizado para, de uma maneira ou de outra, tentar controlar o juiz Sérgio Moro, a Polícia Federal e o Ministério Público.

A proposta de Renan de aprovar uma lei restringindo a delação premiada aos acusados que estiverem soltos foi materializada pelo deputado petista w. d, muito próximo de Lula.  O Supremo, por óbvio, virou o alvo preferencial dos ataques, aproveitando citações laterais, ou de bravatas como as do ex-senador Delcídio do Amaral.  Tanto Romero Jucá quanto Renan se referiram de maneira genérica a "ministros do Supremo", enquanto Delcídio citou nomes, e acabou preso.

O fato é que o Supremo, com 8 dos seus 11 ministros nomeados ou por Lula ou por Dilma, tem sido a garantia institucional do processo de impeachment, o que o torna um alvo dos petistas relutantes, que precisam desmoralizá-lo para dar ares de verdade à conspiração que inventaram para justificar a perda do poder central. Diante desse quadro distorcido por interesses partidários, acabou se mostrando providencial a interferência do ministro Luís Roberto Barroso- criticado por mim na ocasião - no rito aprovado pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Embora considere que o regimento interno da Câmara lhe dava o direito de definir como a comissão do impeachment deveria funcionar, hoje entendo que, ao impor rito mais restrito, com base no processo de 1992, o STF protegeu-se da acusação, que certamente viria, de que colaborou com Cunha para impor um rito desfavorável a Dilma no julgamento na Câmara.  Teori Zavascki, por exemplo, é volta e meia acusado por petistas de ter deixado Eduardo Cunha agir livremente até que o impeachment fosse aprovado na Câmara, para só depois apeá-lo do poder.

O que Zavascki fez, no entanto, foi esperar, até onde o bom senso permitiu, que a Câmara tomasse uma atitude, para que o STF não fosse acusado de interferência em outro Poder.  É o mesmo Zavascki a quem Romero Jucá admite não ter acesso, por ser "muito fechado" Então o juiz que estaria envolvido no "golpe" é o mesmo a quem não se tem acesso?

Tudo não passa de uma desesperada tentativa de retroceder um processo que não tem mais volta, pois a presidente afastada, além dos crimes de responsabilidade específicos pelos quais está sendo julgada por uma interpretação legal restritiva, que lhe é favorável, imposta pelo próprio STF pelo procurador-geral da República, tem muitos outros crimes a serem investigados, cometidos no seu primeiro mandato.

Diversos delatores já revelaram a ação de seus ministros e assessores em busca de dinheiro desviado da Petrobras para financiamento de sua campanha. Há indicações "muito claras" nos autos do processo que trata da compra da refinaria de Pasadena de que ela tinha perfeito conhecimento do que estava acontecendo, como presidente do Conselho da estatal.

A coisa é tão sem pé nem cabeça que, ao mesmo tempo em que descobrem "provas" do golpe, revela-se que, na véspera da votação do impeachment, emissário do futuro presidente teve conversas com procuradores de Curitiba para garantir inteiro apoio à Lava-Jato. Se Temer estava chegando ao governo numa conspirata para controlar as investigações, por que faria um acordo com os investigadores dias antes de assumir?


Fonte: Merval Pereira - O Globo
 

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Verdadeiro, falso e ficticio



O título deste artigo é o subtítulo de um belo livro de ensaios do italiano Carlo Ginzburg (O Fio e os Traços), cativante homenagem àqueles que “têm como ofício alguma coisa que é parte da vida de todos: destrinchar o entrelaçamento do verdadeiro, falso e fictício que é a trama de nosso estar no mundo”. O excelente e oportuno artigo de André Lara Resende Corrupção e Capital Cívico (no Valor de 31/7) merece leitura e reflexão por parte de todos os que estamos envolvidos pelo espesso nevoeiro de uma crise que é, a um só tempo, política, econômica e de valores – a trama de nosso viver no Brasil e no mundo de 2015. Mas a urdidura desta trama que nos trouxe ao nevoeiro atual não surgiu de repente, como uma surpresa de origens exógenas. Pelo contrário, a trama foi sendo construída aqui mesmo, por ações e omissões muito nossas, brasileiras, ao longo de muitos anos. É verdade que é sempre possível (por vezes necessário) voltar no tempo para identificar em distantes passados as origens maiores de nossos males e atrasos. Ou para dar o devido valor a nossos avanços.

Mas também é verdade que temos um mesmo governo há mais de 12 anos e sete meses, e este tem responsabilidades, das quais não se pode eximir, pelas críticas situações econômica, política e de valores em que nos encontramos. Pode ser doloroso o processo de destrinchar o entrelaçamento a que se refere Ginzburg.  O fato de uma situação ser muito difícil não significa que não existam opções e escolhas, ainda que difíceis, a serem feitas. E, por paradoxal que possa parecer, a crise poderia, talvez, estimular a busca das convergências e das cooperações possíveis para a adoção de medidas voltadas a uma necessária recuperação gradual da confiança ao longo dos próximos meses e anos.

Parece haver um elusivo quase consenso sobre esta imperiosa necessidade de maior confiança, mas uma miríade de visões sobre as maneiras mais eficazes de alcançá-la. Não é que não se tenha ideia do que fazer. O que as pessoas parecem não saber é como se pode viabilizar politicamente aquilo que precisa ser feito. “O recurso mais escasso não é dinheiro, mas coordenação”, disse um arquiteto chileno de passagem pelo Brasil. Ele se referia especificamente a “intervenções urbanas”. Mas os problemas de falta de coordenação valem para tudo: é preciso coordenação na área política, coordenação na área econômica, coordenação entre as duas áreas e coordenação entre o Executivo e o Legislativo. Estamos com carências em todas essas dimensões – exatamente no momento em que mais são necessárias.

Vale lembrar que em seu discurso de posse, em janeiro de 2011, a presidente Dilma, eleita para seu primeiro mandato, afirmou: “O Brasil optou, ao longo de sua história, por construir um Estado provedor de serviços básicos e de previdência social pública. Isso significa custos elevados para toda a sociedade”. Preço a pagar, disse ela, pela “garantia do alento da aposentadoria para todos, e de serviços de saúde e educação universais”. No mesmo discurso, a presidente deu a entender que não se recusaria a enfrentar nossas flagrantes realidades e irrealidades fiscais, ao prometer fazer mais – e melhor – com os recursos existentes, controlar a velocidade de crescimento dos gastos governamentais e mudar sua composição em favor do investimento.

Quatro anos e meio depois, seu novo ministro da Fazenda volta ao tema, agora com renovado e apropriado sentido de urgência, em artigo publicado na Folha na última semana: “Manter estes mecanismos (de transferência de recursos do Tesouro através da folha do setor público, da Previdência e de inúmeros outros programas) exigirá avaliação permanente de sua sustentabilidade e dos resultados obtidos. Dada a atual carga tributária, é urgente reforçar a avaliação da qualidade do gasto, inclusive o obrigatório, cujo volume reduz a latitude dos governos federal, estadual e municipal para investir na infraestrutura”.  Neste contexto, as crescentes demandas por maiores gastos públicos para a promoção do desenvolvimento econômico e social com frequência excedem a capacidade do Estado em tributar e se endividar, para atendê-las. Desejos não configuram políticas e nem tudo é possível porque desejável. E, como bem notou Rogoff anos atrás, “nenhum fator de risco é mais perigoso para uma moeda que a recusa de lideranças políticas em enfrentar realidades fiscais”.

Este enfrentamento não se pode restringir à área fiscal ou mesmo à área macroeconômica, em que a percepção de estabilidade e consistência intertemporal é condição necessária, embora não suficiente para o crescimento econômico. Como vem afirmando Mario Draghi desde que assumiu a presidência do Banco Central Europeu, “é mais fácil manter a confiança no curto prazo se há uma âncora no futuro”. O sequenciamento das ações de curto, médio e longo prazo é facilitado pela existência de um claro e crível objetivo futuro. A confiança, diz ele, “funciona do futuro para o presente”.

Volto ao tema do brilhante artigo de André Lara Resende, esperando que o significado da expressão “capital cívico” possa assumir relevância crescente no debate sobre nossa situação – e nosso futuro. Capital cívico é o estoque de crenças e valores que estimulam a confiança e a propensão a cooperar e a coordenar as atividades entre as pessoas de uma sociedade. Estas são traços culturais, forjadas ao longo da história, reforçadas pela experiência de cooperação bem-sucedida. A forma como a população avalia o Estado e suas instituições é uma boa aproximação do capital cívico. Onde este é alto, o Estado é visto como aliado confiável. Onde o capital cívico é baixo, o Estado é percebido como um criador de dificuldades para todos e de vantagens para seus ocupantes, funcionando como poderoso fator de erosão do capital cívico. As boas instituições são imprescindíveis para sua preservação. Como o Brasil está aprendendo, ao tentar distinguir verdadeiro, falso e fictício.

Fonte: O Estado de São Paulo
Pedro S. Malan – Economista, foi ministro da Fazenda no Governo FHC