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quinta-feira, 13 de julho de 2017

Pode isso, Arnaldo?

Às vésperas de deixar a chefia do Ministério Público Federal, o procurador-geral Rodrigo Janot usa de deboche, partidariza declarações e adota um comportamento incompatível com o cargo



O BAMBU E A FLECHA Janot (à esq.) está afinado com Fachin, que mantém em seu gabinete um juiz auxiliar que é casado com uma funcionária do procurador-geral (Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress) Por sua vez, uma filha de Fachin é nora do gerente-geral do frigorífico Mataboi que pertende ao grupo dos Irmãos Batista
 
A mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta. A frase guarda relação com um escândalo em Roma, por volta de 60 a. C., envolvendo o homem mais poderoso do mundo, sua mulher e um nobre pretendente. Não raro, passou a ser usada para balizar o comportamento de figuras públicas em evidência, como o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Mas ele parece não se importar muito com as aparências, muito menos com a liturgia do cargo. No sábado 1, o Brasil viu um lado da personalidade do procurador incondizente com a postura de alguém que ocupa um posto de tamanha importância na hierarquia do Ministério Público Federal (MPF). Principalmente, neste período em que ele figura como peça principal na Operação Lava Jato, que tem mirado em figurões renomados da política, como o próprio presidente Michel Temer, denunciado por ele na semana passada por corrupção passiva.

Sem a habitual gravata e despojado, o grão-mestre do MPF fez ameaças veladas a Temer de que vai continuar disparando petardos contra ele até o último dia de seu mandato, no próximo dia 17 de setembro. “Enquanto houver bambu, lá vai flecha”, disse um Janot aparentemente descompromissado com a apresentação de denúncias sérias e bem fundamentadas. Durante quase toda a sua apresentação no Auditório da Universidade Anhembi Morumbi, campus da Vila Olímpia, em São Paulo, em meio ao 12º Congresso Internacional da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Janot mostrou uma faceta debochada.

O procurador usou e abusou de frases de efeito. Fez trocadilhos com termos jurídicos e até brincou com assuntos que deveriam ser tratados com seriedade: “Se o Ministério Público não puder oferecer redução de pena, vai oferecer o quê? Não adianta eu chegar num colaborador, meu amigo Joesley…”, iniciou a frase. Depois se corrigiu: “Cidadão Joesley, vou lhe propor aqui um acordo de delação. Beleza? Mas em troca vou lhe oferecer uma caixa de bombons Garoto, pão de mel, cachaça e torresmo?”, disse ele, enquanto tentava explicar a benevolência com o dono da JBS. Nesse momento, arrancou gargalhadas da platéia, basicamente formada por estudantes de jornalismo.

Stand up comedy
Janot – sim, o procurador-geral da República mais parecia uma estrela de uma dessas peças de comédias de “Stand Up” que viraram moda no País. À paisana, agiu como quem já tivesse deixado o posto, para o qual foi alçado em 2013. A transmissão do cargo para sua substituta, Raquel Dodge, só vai acontecer daqui a dois meses. Enquanto esse dia não chega, ao procurador caberia uma postura de equilíbrio e retidão, ao menos para “parecer honesto”, como a mulher de Cesar. Afinal, entre os alvos de suas “flechas” está nada menos do que o presidente da República. E não discute-se aqui se o mandatário do País deve ou não ser investigado e, se for o caso, processado. Mas a maneira como Janot tem conduzido as apurações, desde a controversa delação dos donos da JBS, enseja dúvidas sobre o que de fato o move. Se as boas práticas jurídicas ou as conveniências políticas e pessoais estas inconfessáveis.


Apesar de alguns juristas contestarem a dimensão que o MPF tem dado à prova, o procurador diz acreditar que a gravação e as imagens do ex-assessor Rocha Loures carregando a mala abarrotada de dinheiro são suficientes para incriminar o presidente. “Não é possível que para eu pegar um picareta, tenha que tirar uma fotografia dele pegando a carteira do bolso de outro”, desdenhou Janot. Num trocadilho inoportuno, Janot disse que uma prova dessa natureza é “satânica”. Ou seja, aquela impossível de conseguir. Queria dizer “prova diabólica”, mas preferiu fazer a piada para aludir a um boato – até onde se sabe infundado – envolvendo o presidente da República. À mulher de Cesar não basta ser honesta, mas o procurador-geral parece não ligar por deixar transparecer partidarismo em suas declarações. Embora negue que tenha pretensão de se candidatar em 2018 para qualquer cargo eletivo, a política corre em suas veias, escapa de seus poros. Comenta-se que Janot acalenta o sonho de ser candidato ao governo de Minas Gerais. No Estado, mantém ligações com integrantes do PT – o que ele não admite nem nunca vai admitir abertamente.

Conflito de interesses?
Como a Procuradoria-Geral da República está sob os holofotes, tudo vira polêmica. Advogados com clientes encrencados na Lava Jato questionam sobre um possível conflito de interesses que ocorreria sob as barbas de Janot. É que a promotora de Justiça do Estado de Santa Catarina Vanessa Wendhausen Cavallazzi, nomeada para atuar como membro auxiliar do procurador-geral da República, no período de 9 de janeiro a 17 de setembro de 2017, é casada com o juiz Paulo Marcos de Farias, que trabalha desde fevereiro no gabinete do ministro Edson Fachin, o relator da Lava Jato. Ou seja, o marido estaria julgando o que a mulher investiga. Como se sabe, tanto a PGR quanto o gabinete de Fachin tratam dos casos escabrosos da Lava Jato. As duas instituições foram procuradas pela reportagem e responderam que desde o primeiro dia de trabalho na Procuradoria, Vanessa foi destacada para assessorar o vice-procurador-geral da República, José Bonifácio Andrada. Nesse caso, a atuação dela seria limitada a processos em tramitação no Superior Tribunal de Justiça, não no STF. Melhor assim.


Um procurador boquirroto Frases do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no 12º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), no sábado 1/7
“Enquanto houver bambu, lá vai flecha”
“Não é possível que para eu pegar um picareta, tenha que tirar uma fotografia dele pegando a carteira do bolso de outro”
“Isso é um tipo de prova satânica, quase impossível”
“Não poderia deixar o crime em curso, cometido por altas autoridades. Não posso fingir que não vi”
“Se o MPF não pode oferecer imunidade ou redução de pena, vai oferecer o que? Chamar os irmãos Batista e oferecer uma caixa de bombons Garoto, pão de mel, cachaça e torresmo?”
“Temer eu não temo pela minha segurança, mas trato a coisa profissionalmente e passei a andar com seguranças”

 Fonte: Revista Isto É