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sábado, 10 de outubro de 2020

História de uma histeria - Percival Puggina

O Parlamento Europeu aprovou, no dia 7 de outubro, uma emenda opondo-se à ratificação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. Votava-se na ocasião um relatório sobre a política comercial comum entre os dois blocos relativamente ao ano de 2018. A votação abriu uma janela para o plenário fazer coro ao desejo dos produtores rurais europeus que jamais concordaram com a presença de produtos da nossa região no mercado que querem ter cativo para si.

 Essa é uma história antiga, que vai contra a conveniência dos consumidores e dos governos europeus, interessados respectivamente em gastar menos com alimentos e com subsídios. De onde surge essa mobilização, estribada em alegadas razões ambientais, contra o acordo comercial com o Mercosul? Quem é brasileiro sabe que apenas nos últimos dois anos “queimadas” e “desmatamento” no Brasil passaram a arrancar rugidos de indignação nos países do Atlântico Norte.

É inequívoco que esse escarcéu faz parte dos objetivos buscados pela operação de desgaste desencadeada após a vitória eleitoral de Bolsonaro na eleição presidencial de 2018. A nação tem acompanhado o sistemático ataque da mídia militante local contra o novo governo e tem observado a aparentemente bem intencionada defesa que essa mídia faz do meio ambiente. E percebe o quanto ela serve à formação de um ruidoso consenso mundial sobre ser, o Brasil, um grande e fumacento fogão a espantar girafas e coelhos.

O viés político e ideológico dessa histeria se esclarece perante fatos que a história e a memória registram: nem queimadas nem desmatamentos são novidades aqui ou alhures. Nunca antes foram transformados em arma política contra os governos anteriores e, menos ainda, serviram para instigar reações de nossos parceiros comerciais. Jamais antes algum brasileiro foi tão impatriota quanto Paulo Coelho para pedir boicote europeu aos produtos brasileiros. Os primeiros passos nessa direção foram dados já no processo de impeachment de Dilma Rousseff com as persistentes coletivas aos parceiros da mídia militante do exterior e apelos a folclóricos tribunais internacionais. Na etapa seguinte, estudantes nossos no exterior passaram a engrossar as manifestações contra seu próprio país e líderes políticos brasileiros a insuflar lá a animosidade internacional contra o governo daqui, pondo foco na questão ambiental e, a despeito de sua chocante docilidade, numa suposta tirania do novo governo brasileiro.

São duas atitudes diferentes, antagônicas. De um lado estão aqueles que querem do governo ações repressivas e preventivas contra crimes ambientais, como a operação Verde Brasil 2 que o Exército empreende na Amazônia. De outro, aqueles que sequer as mencionam, ou pior, tratam de questioná-las junto ao sempre disponível STF. A democracia exige atuação oposicionista, mas não creio que o bem do povo brasileiro possa ser sequestrado como parte desse jogo.


Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros.Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.

 

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Bolsonaro defende uso de força para impedir ocupações



Candidato faz comício no interior de SP organizado pela União Democrática Ruralista 

[Bolsonaro está certo: o direito à propriedade é garantido pela Constituição Federal e legislação infraconstitucional.

É também considerado sagrado, sendo até argumento a ser utilizado na defesa em processo penal de quem abate um invasor, um ladrão.]

O candidato Jair Bolsonaro (PSL) defendeu na manhã desta sexta-feira, em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, que os donos de terras usem a força para impedir tentativas de ocupações em suas propriedades e não sejam processados por isso. O presidenciável afirmou que a sua proposta de excludente de ilicitude para policiais, popularmente conhecida como "licença para matar em serviço", seja ampliada para os produtores rurais.
Queremos proteger o trabalhador rural das invasões do MST. A invasão de propriedade, quer seja rural ou urbana, tem que ser repelida com o uso da força — disse Bolsonaro, durante comício para uma público formado principalmente por produtores rurais e jovens.

Bolsonaro afirmou ainda que os "cidadãos de bem" que reagirem para defender suas propriedades ou vidas sejam "condecorados pela atitude de bravura". Ao longo da campanha, o presidenciável tem prometido classificar como terrorismo as invasões de terra:  — Vamos buscar retaguarda jurídica não só para nossos policiais civis e militares, mas também para os cidadãos de bem poderem reagir à tentativa de alguém surrupiar seu patrimônio ou atentar contra sua vida. Ele poderá reagir e não será processado, muito pelo contrário, será condecorado pela sua atitude de bravura.

No mesmo evento, o candidato voltou a falar em unificar o Ministério da Agricultura e do Meio Ambiente. Ao buscar aproximação com os ruralistas, Bolsonaro tem defendido a flexibilização dos licenciamentos ambientais em favor do agronegócio. — Vamos fundir a agricultura e o Meio Ambiente para que nenhuma ONG internacional continue fazendo ativismo junto ao Ministério do Meio Ambiente — afirma.

Desde quarta-feira, Bolsonaro vem fazendo um giro pelas cidades do Oeste paulista para reforçar a aproximação com ruralistas e cativar o eleitorado na região, tradicional reduto do PSDB do candidato Geraldo Alckmin. A caravana é organizada por Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista.  Após o comício, o candidato fez uma carreata e uma caminhada no Centro da cidade. Antes de chegar a São José do Rio Preto, Bolsonaro fez uma parada em José Bonifácio, onde andou a cavalo. Neste sábado, ele estará na Festa de Peão Boiadeiro e prometeu repetir a cena.


 

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Irresponsabilidade eleitoreira




A manobra tramada na comissão que analisa a MP 842, que perdoa R$ 17,1 bilhões devidos por produtores rurais, é prova clara do escárnio com a severa crise fiscal



Conceder perdão à dívida de produtores rurais implica a necessidade de cortes de valores em áreas que dependem de recursos públicos para atender a população


A manobra relâmpago tramada na comissão mista que analisa a Medida Provisória (MP) n.º 842, com o objetivo de restabelecer o perdão de R$ 17,1 bilhões devidos por produtores rurais, é uma prova clara do descarado escárnio com que certos congressistas tratam a severa crise fiscal que tolhe as ações do governo, gera insegurança entre os agentes econômicos e retarda ou até impede a retomada do crescimento seguro da economia. Além de reinstituir um benefício que havia sido vetado pelo presidente da República, a manobra constitui um claro convite para o calote fiscal, ao permitir que o desconto da dívida seja estendido a compromissos que vencem até 31 de dezembro deste ano. Impor ao Tesouro Nacional despesas ou renúncias fiscais dessa grandeza, num momento em que estão evidentes as dificuldades para o cumprimento da meta de déficit primário e do teto para os gastos públicos, é um grave sinal de alheamento de parte dos parlamentares ou de pura esperteza política típica de ano eleitoral. Qualquer que seja o motivo, esse ato irresponsável, caso prospere e persista, imporá um custo exorbitante ao País.

A concessão desse perdão, que implica a necessidade de cortes de valor correspondente de outras despesas, inclusive em áreas que dependem criticamente de recursos públicos para atender a população, foi aprovada pelo Congresso no ano passado. Mas a medida foi vetada em janeiro pelo presidente Michel Temer “por contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade”, entre outras razões. A área técnica do governo também observou que os benefícios aprovados pelo Congresso, entre os quais a dispensa de exigência para o pagamento dos tributos em dia, “desrespeita os mutuário do crédito rural adimplentes com a União e com os agentes financeiros, podendo representar estímulo indevido ao risco moral”.

O veto, no entanto, foi derrubado em abril, por 360 votos a 2 na Câmara e 50 votos a 1 no Senado, resultado que não deixa dúvida sobre a percepção predominante no Congresso a respeito dos problemas financeiros do setor público. Passou, assim, a vigorar a Lei n.º 13.606, de 9 de janeiro de 2018, com benefícios aos produtores rurais, como remissão de dívida e concessão de rebates (descontos) para a liquidação em condições muito favorecidas de dívidas do crédito rural.

Para evitar o impacto dessa lei nas contas públicas, o que colocaria em sério risco o cumprimento da meta fiscal, e também para atender os agricultores familiares do Nordeste e da Amazônia, o governo baixou a MP 842, cujo efeito fiscal é estimado em R$ 1,6 bilhão.

Tudo o que o Executivo pretendia fazer foi, porém, atropelado pelo relator da MP na comissão mista do Congresso, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Apresentado no momento em que a atenção do público em geral, e do meio político em particular, estava concentrada na proposta de reajuste dos ministros do Supremo Tribunal Federal ─ e, por extensão, de todo o Poder Judiciário e de outras carreiras públicas ─, o relatório deverá ser examinado pela comissão mista na próxima terça-feira. 

Votações recentes, sobretudo a da derrubada do veto presidencial em abril, sugerem que a proposta do relator terá tramitação fácil não apenas na comissão mista, mas no plenário das duas Casas. Até lá, disse o relator, “vai se tentar um acordo” com os Ministérios da área econômica. Na exposição de motivos da MP 842, bem como nas razões do veto da proposta aprovada no ano passado pelo Congresso, a área técnica do Executivo mostrou que “não há espaço fiscal” para a concessão de benefícios tão extensos para os produtores rurais.

Mas nada disso parece suficiente para instilar um mínimo de senso de responsabilidade fiscal em parte dos parlamentares. Entre os benefícios propostos pelo relator da MP 842 estão descontos que podem chegar a 95% das multas. Mas o pior é a inclusão, pelo relator, de um dispositivo no projeto de conversão da MP 842 que abre a possibilidade de renegociação, com grandes benefícios, de compromissos não pagos com vencimento até 31 de dezembro. É um estímulo ao não pagamento dos tributos em dia.