A decisão do
Supremo Tribunal Federal que abriu as portas da cadeia para condenados
em duas instâncias virou o jogo para os maganos apanhados na Lava-Jato.
Até então, com advogados caros e paciência, os réus podiam ficar em
liberdade, ganhando tempo com recursos judiciais. Agora esperarão
trancados.
Tomem-se dois exemplos:
Ricardo Pessoa, o homem da UTC, foi preso em novembro 2014, começou negando quase tudo e, meses depois, o Supremo soltou-o. Desmentindo a patranha segundo a qual os acusados colaboram para sair da tranca, Pessoa negociou sua colaboração em liberdade. Aceitou pagar uma multa de R$ 51 milhões e, em troca, recebeu a garantia de que não será condenado a mais de 18 anos de prisão. Não cumprirá tempo de cadeia. Durante até três anos poderá trabalhar, obrigando-se a ficar em casa à noite e nos fins de semana. Daí em diante, terá liberdade condicional.
Em geral os réus da Lava-Jato são abonados senhores que já passaram dos 50 anos. Com a colaboração que deram à Viúva, permitindo à Lava-Jato chegar onde chegou, habilitam-se a viver numa boa casa em Angra do Reis, ou numa zona de conforto semelhante, passando algum tempo al mare ou numa quadra de tênis. É a Bolsa Angra, usufruída por Pedro Barusco e Julio Camargo.
“Léo” Pinheiro, o presidente da OAS, foi preso no mesmo arrastão em que entrou Pessoa. Como ele, foi libertado pelo STF. Preferiu o silêncio. Em agosto foi condenado pelo juiz Sérgio Moro a 16 anos de prisão. Se o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmar a sentença, ele irá para a penitenciária. Lá os presos devem andar de cabeça baixa, com as mãos para trás. Assim deverá esperar o julgamento de seus recursos. Não é a toa que ressurgiram os murmúrios que negociará sua colaboração.
No mesmo caso entra o engenheiro Zwi Skornicki, castelão de uma boa casa na Barra da Tijuca, outra em Itaipava, onde guardava uma coleção de brinquedos. (Pelo menos oito automóveis, entre eles um Porsche.) Sua terceira casa, em Angra, é cinematográfica. Tem três níveis e duas alas, uma para os caseiros. Elas ligam-se por uma pérgula coberta. Nada mal.
Um americano reconta o Império
O professor William Summerhill, da Universidade da Califórnia, é um bruxo da pesquisa econômica. Em 1998 ele publicou um artigo sobre a construção de ferrovias até os primeiros anos da República e virou de cabeça para baixo a sabedoria convencional que envolvia o assunto. Elas foram um operação bem-sucedida, fator de grande progresso. Summerhill está de novo nas livrarias americanas com “Inglorious revolution” (em tradução livre, “Uma revolução inglória — Instituições políticas, dívida soberana e subdesenvolvimento financeiro no Brasil imperial”).
Trabalho prodigioso de pesquisa, lida com um paradoxo: a teoria ensina que os países que honram suas dívidas progridem. Durante todo o Império, o Brasil honrou suas dívidas interna e externa e não progrediu. O crédito do Império em Londres era tão sólido que resistiu até a um rompimento de relações com a Inglaterra.
Entre os muitos fatores do atraso, um está aí até hoje. O sistema de crédito era controlado pelo governo, mas a banca, concentrada e com poderosas conexões, controlava o governo. Os grandes fazendeiros do café conseguiam dinheiro a 8% ao ano. Na Bahia, a 12%. Em Minas e Pernambuco, até a 30%.
O artigo das ferrovias, bem como “Order against progress” (“Ordem contra o progresso”), o livro que resultou de sua expansão, publicado em 2003, não foram traduzidos para o português. Olavo Bilac tinha razão, o português, a última flor do Lácio, é esplendor e sepultura.
A prisão de Lula
Quem conhece os movimentos da Operação Lava-Jato assegura:
O time vestiu o uniforme, calçou as chuteiras e quer entrar em campo para buscar a prisão de Lula.
Para que isso aconteça são necessárias algumas condições:
1ª - Que o juiz Sérgio Moro aceite o pedido.
2ª - Que a acusação tenha força suficiente para não ser derrubada no Superior Tribunal de Justiça. Isso, entendendo-se que se Moro conceder o pedido é improvável que a medida seja revogada no Tribunal Federal da 4ª Região.
3ª - Ultrapassados esses dois obstáculos, restará um julgamento no Supremo Tribunal.
Ninguém pode saber qual será o desfecho de cada uma dessas situações. De qualquer forma, fica uma certeza: a infantaria da Lava-Jato jogaria numa só mão de carta todas as fichas que acumulou ao logo de dois anos de trabalho. Ganhando, quebra a banca. Perdendo, fica sem uma perna.
Quando a Polícia Federal informou que “o possível envolvimento do ex-presidente da República em práticas criminosas deve ser tratado com parcimônia”, estava dizendo mais que isso. Afinal, se o problema fosse de parcimônia, não precisava ter dito nada.
Campeões
Nosso Guia e a doutora venderam a ideia de que os “campeões nacionais” fortaleceriam o Brasil como exportador de serviços.
Conseguiram exportar muita coisa, inclusive corrupção.
Angola e Venezuela eram pedras cantadas há anos. Um conhecedor da vida angolana desde o tempo em que o MPLA era virgem, dizia que “lá, você só pode botar a mão no fogo pelo escritor Pepetela”. José Eduardo dos Santos governa o país desde 1979, e sua filha é a mulher mais rica d’África.
Pontualidade
Pérola encontrada no depoimento do empresário Milton Pascowitch ao Ministério Público da Lava-Jato:
MP: “Com qual periodicidade que eles retiravam esse dinheiro?”
Pascowitch: “Ah, rezavam para chegar no final do mês.”
MP: “Mensalmente?”
Pascowitch: “Mensalmente.”
Frigideira
No final de janeiro a dona de uma loja de materiais de construção de Atibaia disse ao repórter Flávio Ferreira que a Odebrecht pagava as contas das obras na propriedade. Coisa de R$ 500 mil, em dinheiro vivo. Quem cuidava do trabalho era o engenheiro Frederico Barbosa, da Odebrecht.
A empreiteira disse que não sabia de nada, e Barbosa informou que fazia esse serviço nas férias. Seria o jogo jogado se não houvesse o risco de estar obstruindo a investigação.
Passaram-se quatro dias e a Odebrecht reconheceu que Barbosa trabalhava na obra a pedido de um de seus chefes na empresa. Do jeito que estava a coisa, numa transação que envolvia o lazer de um ex-presidente e a maior empreiteira do país, quem iria para a frigideira seria um engenheiro.
Zelotes
Chamando o presidente da Gerdau para se explicar, a Operação Zelotes mostra que recuperou seu foco inicial: o propinoduto de grandes empresas e bancos, azeitando decisões no Conselho de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda.
É lá que mora um dragão.
Curitiba
Pode ter sido coincidência, mas numa época de contração do mercado de voos comerciais, a Avianca anunciou que começará a operar um novo voo diário (o quarto), de São Paulo para Curitiba.
Fonte: O Globo - Elio Gaspari, jornalista
Tomem-se dois exemplos:
Ricardo Pessoa, o homem da UTC, foi preso em novembro 2014, começou negando quase tudo e, meses depois, o Supremo soltou-o. Desmentindo a patranha segundo a qual os acusados colaboram para sair da tranca, Pessoa negociou sua colaboração em liberdade. Aceitou pagar uma multa de R$ 51 milhões e, em troca, recebeu a garantia de que não será condenado a mais de 18 anos de prisão. Não cumprirá tempo de cadeia. Durante até três anos poderá trabalhar, obrigando-se a ficar em casa à noite e nos fins de semana. Daí em diante, terá liberdade condicional.
Em geral os réus da Lava-Jato são abonados senhores que já passaram dos 50 anos. Com a colaboração que deram à Viúva, permitindo à Lava-Jato chegar onde chegou, habilitam-se a viver numa boa casa em Angra do Reis, ou numa zona de conforto semelhante, passando algum tempo al mare ou numa quadra de tênis. É a Bolsa Angra, usufruída por Pedro Barusco e Julio Camargo.
“Léo” Pinheiro, o presidente da OAS, foi preso no mesmo arrastão em que entrou Pessoa. Como ele, foi libertado pelo STF. Preferiu o silêncio. Em agosto foi condenado pelo juiz Sérgio Moro a 16 anos de prisão. Se o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmar a sentença, ele irá para a penitenciária. Lá os presos devem andar de cabeça baixa, com as mãos para trás. Assim deverá esperar o julgamento de seus recursos. Não é a toa que ressurgiram os murmúrios que negociará sua colaboração.
No mesmo caso entra o engenheiro Zwi Skornicki, castelão de uma boa casa na Barra da Tijuca, outra em Itaipava, onde guardava uma coleção de brinquedos. (Pelo menos oito automóveis, entre eles um Porsche.) Sua terceira casa, em Angra, é cinematográfica. Tem três níveis e duas alas, uma para os caseiros. Elas ligam-se por uma pérgula coberta. Nada mal.
Um americano reconta o Império
O professor William Summerhill, da Universidade da Califórnia, é um bruxo da pesquisa econômica. Em 1998 ele publicou um artigo sobre a construção de ferrovias até os primeiros anos da República e virou de cabeça para baixo a sabedoria convencional que envolvia o assunto. Elas foram um operação bem-sucedida, fator de grande progresso. Summerhill está de novo nas livrarias americanas com “Inglorious revolution” (em tradução livre, “Uma revolução inglória — Instituições políticas, dívida soberana e subdesenvolvimento financeiro no Brasil imperial”).
Trabalho prodigioso de pesquisa, lida com um paradoxo: a teoria ensina que os países que honram suas dívidas progridem. Durante todo o Império, o Brasil honrou suas dívidas interna e externa e não progrediu. O crédito do Império em Londres era tão sólido que resistiu até a um rompimento de relações com a Inglaterra.
Entre os muitos fatores do atraso, um está aí até hoje. O sistema de crédito era controlado pelo governo, mas a banca, concentrada e com poderosas conexões, controlava o governo. Os grandes fazendeiros do café conseguiam dinheiro a 8% ao ano. Na Bahia, a 12%. Em Minas e Pernambuco, até a 30%.
O artigo das ferrovias, bem como “Order against progress” (“Ordem contra o progresso”), o livro que resultou de sua expansão, publicado em 2003, não foram traduzidos para o português. Olavo Bilac tinha razão, o português, a última flor do Lácio, é esplendor e sepultura.
A prisão de Lula
Quem conhece os movimentos da Operação Lava-Jato assegura:
O time vestiu o uniforme, calçou as chuteiras e quer entrar em campo para buscar a prisão de Lula.
Para que isso aconteça são necessárias algumas condições:
1ª - Que o juiz Sérgio Moro aceite o pedido.
2ª - Que a acusação tenha força suficiente para não ser derrubada no Superior Tribunal de Justiça. Isso, entendendo-se que se Moro conceder o pedido é improvável que a medida seja revogada no Tribunal Federal da 4ª Região.
3ª - Ultrapassados esses dois obstáculos, restará um julgamento no Supremo Tribunal.
Ninguém pode saber qual será o desfecho de cada uma dessas situações. De qualquer forma, fica uma certeza: a infantaria da Lava-Jato jogaria numa só mão de carta todas as fichas que acumulou ao logo de dois anos de trabalho. Ganhando, quebra a banca. Perdendo, fica sem uma perna.
Quando a Polícia Federal informou que “o possível envolvimento do ex-presidente da República em práticas criminosas deve ser tratado com parcimônia”, estava dizendo mais que isso. Afinal, se o problema fosse de parcimônia, não precisava ter dito nada.
Campeões
Nosso Guia e a doutora venderam a ideia de que os “campeões nacionais” fortaleceriam o Brasil como exportador de serviços.
Conseguiram exportar muita coisa, inclusive corrupção.
Angola e Venezuela eram pedras cantadas há anos. Um conhecedor da vida angolana desde o tempo em que o MPLA era virgem, dizia que “lá, você só pode botar a mão no fogo pelo escritor Pepetela”. José Eduardo dos Santos governa o país desde 1979, e sua filha é a mulher mais rica d’África.
Pontualidade
Pérola encontrada no depoimento do empresário Milton Pascowitch ao Ministério Público da Lava-Jato:
MP: “Com qual periodicidade que eles retiravam esse dinheiro?”
Pascowitch: “Ah, rezavam para chegar no final do mês.”
MP: “Mensalmente?”
Pascowitch: “Mensalmente.”
Frigideira
No final de janeiro a dona de uma loja de materiais de construção de Atibaia disse ao repórter Flávio Ferreira que a Odebrecht pagava as contas das obras na propriedade. Coisa de R$ 500 mil, em dinheiro vivo. Quem cuidava do trabalho era o engenheiro Frederico Barbosa, da Odebrecht.
A empreiteira disse que não sabia de nada, e Barbosa informou que fazia esse serviço nas férias. Seria o jogo jogado se não houvesse o risco de estar obstruindo a investigação.
Passaram-se quatro dias e a Odebrecht reconheceu que Barbosa trabalhava na obra a pedido de um de seus chefes na empresa. Do jeito que estava a coisa, numa transação que envolvia o lazer de um ex-presidente e a maior empreiteira do país, quem iria para a frigideira seria um engenheiro.
Zelotes
Chamando o presidente da Gerdau para se explicar, a Operação Zelotes mostra que recuperou seu foco inicial: o propinoduto de grandes empresas e bancos, azeitando decisões no Conselho de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda.
É lá que mora um dragão.
Curitiba
Pode ter sido coincidência, mas numa época de contração do mercado de voos comerciais, a Avianca anunciou que começará a operar um novo voo diário (o quarto), de São Paulo para Curitiba.
Fonte: O Globo - Elio Gaspari, jornalista