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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Editorial do Estadão: Um país exausto




O fato é que o Brasil dos servidores públicos está exaurindo o Brasil dos trabalhadores comuns

O vaivém nos últimos dias a respeito do reajuste salarial do funcionalismo, defendido com obstinação pelas corporações malgrado o estado crítico das contas públicas, [sempre oportuno lembrar que SERVIDOR PÚBLICO é uma coisa e MEMBRO DO PODER JUDICIÁRIO é outra totalmente diferente; 

o aumento não contempla os servidores públicos, ao contrário, a turma do Poder Executivo que esperava receber a última parcela de um reajuste pago a conta-gotas, teve esse pagamento suspenso;

Conveniente esclarecer que o reajuste dos MEMBROS do  Poder Judiciário vai ser estendido a todos os membros do Congresso Nacional e pelo efeito cascata se estende aos membros dos Poderes Judiciário e Legislativo dos Estados; 

por uma vinculação que só eles entendem o tal aumento vai se estender também aos membros do MINISTÉRIO PÚBLICO - apesar dos integrantes do MP não serem membros de nenhum dos 3 Poderes da República.
Caso o prezado leitor não recorde a diferença entre SERVIDOR PÚBLICO e MEMBRO de um PODER, por favor clique aqui.]   

serviu para lembrar a existência de dois países chamados Brasil: o Brasil real, no qual a maioria dos trabalhadores, se der sorte de arranjar emprego, recebe salários determinados pelas duras condições de mercado, pode ser demitida a qualquer momento e tem escassa capacidade de mobilização política;
e o Brasil dos servidores públicos, onde grande parte de seus felizes habitantes conta com estabilidade no emprego, ganha muito acima da média do mercado, aposenta-se em condições privilegiadas e dispõe de imenso poder de convencimento em Brasília.

O fato é que o Brasil dos servidores públicos está exaurindo o Brasil dos trabalhadores comuns, de cujo rendimento saem os impostos que sustentarão os proventos dos cidadãos daquele outro país. E isso fica claro não apenas quando se comparam as discrepantes condições de trabalho e de aposentadoria de uns e de outros, [quanto as chamadas discrepâncias de aposentadoria, para recordar as razões, por favor, clique aqui.] das quais se destacam os muitos penduricalhos e benefícios de que usufruem várias categorias de servidores públicos, a maioria dos quais jamais seria obtida no setor privado. 

A exaustão do Brasil real se dá especialmente porque uma parte considerável de suas agruras fiscais se deve à sempre crescente demanda de recursos por parte do país dos servidores públicos – invariavelmente, é claro, movido pelas melhores intenções. Um exemplo caricato desse discurso se deu quando o ministro Ricardo Lewandowski defendeu para ele e seus colegas de Supremo Tribunal Federal um reajuste salarial de 16,38%, com impacto na folha de todo o Judiciário e, por tabela, de todo o resto do funcionalismo. 

Lewandowski sugeriu que aquele porcentual era quase nada perto dos “milhões e milhões de reais que os juízes federais e estaduais recuperam para os cofres públicos” em processos contra corruptos – como se os juízes estivessem fazendo um favor a seus vizinhos do Brasil real ao punir corruptos, razão pela qual a majoração salarial seria uma justa comissão de sucesso.  Mas o problema é que a mentalidade que alimenta esse Estado a caminho da inanição graças à voracidade cada vez maior das corporações vai muito além de raciocínios quase anedóticos – mas sem a menor graça – como esse do ministro Lewandowski. Predomina há muito tempo no País a visão segundo a qual é preciso garantir uma série de direitos sociais para a população em geral, especialmente os mais pobres, e isso só seria possível com a manutenção de um Estado forte, bem estruturado e, claro, com uma elite bem remunerada. O problema é que, quanto mais direitos se criam – e a Constituição atual mostra que não há limites para essa criatividade -, maior tem de ser a máquina supostamente dedicada a atender-lhes.

Na prática, portanto, o resultado é o exato oposto do pretendido: quanto maior o Estado, quanto mais prebendas aufere a elite dos servidores públicos, quanto mais recursos são dragados, menor é a capacidade dessa máquina estatal de atender às necessidades do Brasil real.  Os indicadores sociais, por exemplo, só fazem piorar. Dados divulgados em julho mostram que a mortalidade infantil avançou 4,8% em 2016 em relação a 2015, o primeiro aumento desde 1990. Em grande medida, esse desempenho lamentável é fruto de outro vergonhoso déficit, o de saneamento básico – apenas metade dos brasileiros tem acesso a coleta de esgoto. Ademais, os mais recentes dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) mostram que 70% dos alunos que terminam o ensino médio têm nível considerado insuficiente em matemática e português. 

A indecorosa lista de falhas desse Estado balofo inclui ainda o colapso da segurança pública, o estado tenebroso da infraestrutura e as carências extremas do sistema público de saúde. Enquanto isso, como noticiou recentemente o Estado, a empresa estatal criada em 2011 pelo governo de Dilma Rousseff para tocar o megalomaníaco projeto do trem-bala continua a funcionar, com 146 servidores, vários dos quais com salários acima de R$ 20 mil. Como se sabe, o trem-bala não saiu do papel, mas, no Brasil da fantasia, isso não tem a menor importância. Os alicerces do Estado só se abalam quando os caprichos das elites corporativas são negados.

Editorial - O Estado de S. Paulo

 

domingo, 5 de novembro de 2017

Universo paralelo

Vivendo em uma espécie de universo paralelo, muitos servidores públicos parecem não entender que os recursos que bancam a máquina estatal não brotam da terra

Já era esperada a reação dos sindicatos de servidores públicos federais à medida provisória editada pelo governo que adia o reajuste salarial do funcionalismo de 2018 para 2019 e eleva a contribuição previdenciária da categoria, de 11% para 14%, para quem ganha acima de R$ 5 mil. [devido a independência entre os Poderes da República o adiamento do reajuste salarial só alcança os servidores do Poder Executivo.] O anúncio de que haverá greves e protestos, além de ações judiciais contra a medida, condiz com o comportamento de quem não pretende abrir mão de nenhum de seus privilégios em relação aos trabalhadores do setor privado, nem mesmo diante da evidente asfixia do Orçamento federal.

Vivendo em uma espécie de universo paralelo, muitos servidores públicos parecem não entender que os recursos que bancam o funcionamento da máquina estatal não brotam da terra, por geração espontânea, e sim resultam de impostos e contribuições pagos pelos brasileiros, que, em contrapartida, são maltratados pela burocracia e pela precariedade do serviço que ajudam a financiar. Como se o dinheiro destinado ao funcionalismo fosse farto ou mesmo infinito, avolumam-se reivindicações das mais variadas espécies, em geral divorciadas da realidade. Há exemplos que ultrapassam a barreira do patético, como o da ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, que recentemente pleiteou o direito de receber acima do teto salarial do funcionalismo público, de R$ 33,7 mil, pois sua situação atual, “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo”. Desembargadora aposentada, que aufere todo santo mês R$ 30.471,10, Luislinda Valois quer receber também o salário integral de ministra, de R$ 33,7 mil, e não os R$ 3,3 mil que ganha em razão do teto salarial.

A ministra e muitos de seus colegas de serviço público – particularmente no Judiciário, de onde ela é oriunda – não se mostram preocupados com a situação do País, como se não lhes dissesse respeito e como se uma parte considerável do buraco nas contas públicas não tivesse sido criada justamente pela imensa generosidade do Estado para com seus funcionários, ignorando os limites da lei. Se alguém ainda tem alguma dúvida sobre os estragos causados por essa conduta, basta observar a falência de vários Estados, particularmente o Rio de Janeiro, cujo governo se entregou durante anos à mais desbragada demagogia ao beneficiar seus funcionários com reajustes salariais irreais, que agora, é claro, não consegue honrar. [a VERDADE impõe que seja destacado que os servidores da iniciativa privada contribuem para o INSS com no máximo pouco mais de R$ 5.000 - mesmo os que ganham mais de R$ 20 mil, assim, nada  mais justo que recebam valores condizentes com o que pagaram.]

Tem-se, portanto, uma situação em que as exigências de servidores indiferentes ao estado das contas públicas encontram políticos e autoridades sem disposição para enfrentá-los. Ao contrário: em muitos casos, o que se tem é o casamento perfeito entre um funcionalismo muito bem articulado em torno de seus interesses privados e dirigentes interessados em ter o apoio desses servidores para controlar a máquina pública. É a união da fome com a vontade de comer, ao arrepio da Lei de Responsabilidade Fiscal. “Não tem como, não cabe na conta do Orçamento”, disse o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, a respeito dos reajustes agora suspensos e da necessidade de cobrar uma alíquota previdenciária mais alta dos funcionários federais. Para o ministro, “as categorias deveriam levar em consideração esses fatores, a situação do País, a quantidade de desempregados”.

Mas é evidente que isso seria pedir demais. Embora “a média de salário dessa turma seja de R$ 13 mil por mês”, como afirmou Dyogo Oliveira – que lembrou ainda que a União concedeu reajuste de 6% em média para esses funcionários neste ano, contra uma inflação de 2,5% no período –, os sindicalistas prometem “partir para cima”, como anunciou o presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado, Rudinei Marques.

O grande trunfo dos sindicalistas é, como sempre, a indisposição de parte da base aliada no Congresso de trabalhar em favor dos interesses gerais do País, o que a obrigaria a encarar o barulhento lobby dos servidores. “O momento não aconselha decidir sobre matérias desse nível”, avisou o líder do PR na Câmara, José Rocha (BA). Se o momento não é este, qual seria?
 
 Fonte: O Estado de S. Paulo