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quarta-feira, 12 de junho de 2019

A revolta dos perus

“Houve entendimento entre governistas e oposição quanto aos termos do acordo, mesmo assim, há resistências nas bancadas dos respectivos estados para aprovar a reforma da Previdência, apesar do acordo de governadores”


Não vai ser nada fácil convencer os deputados federais a aprovarem a inclusão de estados e municípios na reforma da Previdência, apesar da grande mobilização dos governadores para que a reforma seja única. Ontem, no Congresso, além de chegarem a um consenso sobre os pontos que devem ser excluídos da reforma, 25 dos 27 governadores fizeram corpo a corpo no Congresso com as bancadas de seus estados, mas não adiantou muito. Os deputados estão refugando, como perus convidados para a ceia de Natal. O acordo dos governadores exclui do texto o regime de capitalização proposto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Também propõe a manutenção das regras atuais da aposentaria rural e de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e a deficientes carentes.

Apenas os governadores do Maranhão e do Amazonas não participaram do encontro. O relator da reforma da Câmara, deputado Samuel Moreira(PSDB-SAP); o presidente da Comissão Especial, deputado Marcelo Ramos (PL-AM); o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); e a líder do governo Bolsonaro no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), participaram da reunião, da qual foram porta-vozes os governadores do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB); de São Paulo, João Dória (PSDB); e do Piauí, Wellington Dias (PT). Houve entendimento entre governistas e oposição quanto aos termos do acordo, mesmo assim, há resistências nas bancadas dos respectivos estados.
“Esse acordo não passa na Câmara. Na bancada de Minas, por exemplo, somente oito dos 53 deputados aceitam incluir estados e municípios”, dispara o deputado Fábio Ramalho(MDB-MG). “Quero ver o governador do meu estado convencer a Assembleia de Minas a aprovar a reforma”, desafia. Ramalho é porta-voz do chamado baixo clero da Câmara, que costuma jogar duro nas negociações.  Em contrapartida, seu colega Domingos Sávio (PSDB-MG) foi à tribuna, durante votação dos créditos suplementares para o governo federal pelo Congresso, para comemorar o fato de seu partido ter fechado questão a favor da reforma da Previdência. Ele é um dos oito mineiros que, até agora, defendem a reforma unificada.

Matou no peito
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), matou no peito a proposta de CPI para investigar a Lava-Jato. Já avisou que, se for apresentado o requerimento, vai engavetar o pedido, da mesma forma como fez com a CPI do Judiciário, por ser inconstitucional. Durante sessão do Congresso, Alcolumbre anunciou que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, comparecerá ao Senado para dar esclarecimentos sobre suas conversas com os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, vazadas no domingo pelo site Intercept.

Na contra-ofensiva, o Palácio do Planalto se antecipou à eventual convocação do ministro, depois de uma negociação entre a presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Simone Tebet (MDB-MS), e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE). Quando era juiz da 13ª. Vara Federal de Curitiba, responsável pela Lava-Jato, Moro orientou ações e cobrou novas operações dos procuradores que atuam na Lava-Jato, por meio do aplicativo de mensagens Telegram.  Os bastidores da Lava-Jato foram um dos temas mais discutidos no Congresso ontem, mas o governo reagiu em linha em defesa do ministro da Justiça, para neutralizar as críticas da oposição. Até o general Eduardo Villas Boas, assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), saiu em defesa do ex-juiz. O ex-comandante do Exército disse que “a insensatez e o oportunismo” ameaçam a Lava-Jato e manifestou “respeito e confiança” no ministro da Justiça. A Polícia Federal investiga os vazamentos, que o Palácio do Planalto considera uma “ação orquestrada”.

Moro também foi blindado pela decisão do corregedor do Conselho Nacional de Justiça, Humberto Martins, que arquivou o pedido de que fosse investigado. “A adoção da tese de que seria possível se aplicar penalidade a juiz exonerado criaria uma situação no mínimo inusitada: o juiz pediria exoneração, cortando seu vínculo com a administração, e a instância administrativa instauraria um procedimento que, se ao final concluísse pela aplicação da penalidade, anularia a exoneração e aplicaria ao juiz a aposentadoria compulsória com proventos proporcionais.

No Supremo Tribunal federal (STF), os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello criticaram a postura de Moro e dos procuradores da Lava-Jato, revelada pelas mensagens, mas o ministro Luís Barroso saiu em defesa dos integrantes da força-tarefa e do ministro. Nos bastidores da Corte, o assunto é muito quente, por causa do julgamento do pedido de liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela Segunda Turma do STF, marcado para o próximo dia 25, em razão de o ministro Gilmar Mendes, que havia pedido vista, ter liberado o processo para votação. Trata-se de habeas corpus apresentado no ano passado, no qual a defesa de Lula questiona a atuação de Moro durante o processo que condenou o ex-presidente.

Correio Braziliense


 

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Quem vai pagar a capitalização

Uma geração inteira de aposentadorias precisará de dinheiro tirado de algum lugar

A reforma da Previdência proposta por Paulo Guedes tem pontos muito positivos, mas tem coisa que tem que cair. A progressividade das alíquotas é uma ótima ideia, e espero que a mesma lógica impere quando chegar a hora da reforma tributária. A idade mínima é necessária à sustentabilidade do sistema. Há também pontos obviamente ruins, mas eles devem ser alterados pelo Congresso. O Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos pobres, não pode ser concedido só aos 70 anos, mesmo que desde os 60 se pague R$ 400 a esses brasileiros. O Congresso deve derrubar essa mudança, ou aproveitar a proposta de fazer o benefício ir subindo entre os 60 e os 70 anos até chegar ao salário mínimo.
A mutreta para incluir a redução do quórum para revogar a PEC da bengala na reforma também deve cair. Pensem bem: que outra coisa nesse projeto facilita que funcionário público rico se aposente mais cedo? Os bolsonaristas querem derrubar a PEC da bengala para encher o STF de puxa-sacos. É a mesma picaretagem que os governos autoritários da Polônia e da Hungria (e o chavismo) fizeram em seus países.
[apesar de ser apenas um entendimento do articulista de que a ideia de revogar a PEC da Bengala seja uma forma dos bolsonaristas encher o STF de puxa-sacos, nos permitimos mostrar e perguntar:
- a PEC da Bengala se estendeu para todos os funcionários públicos (no caso, só neste caso,  os funcionários públicos passaram a ter direitos iguais aos dos MEMBROS dos Três Poderes e do Ministério Público) o que inclui,  por óbvio,  a isenção de contribuir para a Previdência no período entre a data que passaram a fazer jus a aposentadoria até a da efetiva aposentadoria;
 
- o que é melhor para o Brasil: ter no STF supostos puxa-sacos ou permanecer na Corte Suprema alguns dos atuais ministros que apenas e tão somente semeiam a INSEGURANÇA JURÍDICA - entre outros absurdos?] 

Mas além das coisas boas e das coisas ruins que o Congresso certamente vai mudar, há um ponto que foi muito mal esclarecido até agora, e que pode ser mais importante do que todo o resto: a passagem para o regime de capitalização. No regime atual, nós que estamos na ativa pagamos quem está aposentado. No regime de capitalização, cada um paga a sua própria aposentadoria. Ao longo da sua vida, você vai colocando parte de seu salário em um fundo de Previdência, que depois paga sua aposentadoria quando você estiver mais velho.
A proposta de Guedes estabelece a possibilidade de adesão ao regime de capitalização para quem entrar no mercado de trabalho agora, mas deixa para Lei Complementar a regulamentação do sistema. Isso é muito ruim. Primeiro, porque os detalhes da proposta são importantíssimos. Mas não é só isso. O economista Nelson Barbosa notou algo importante. Se, como se espera, a contribuição patronal for menor no caso de empregados que adotarem a capitalização, a adesão vai deixar de ser opcional: quem não aceitar a capitalização não vai conseguir emprego.
E, mesmo se você achar que as regras da capitalização serão excelentes (ainda não sabemos se serão), surge um problemão: quem vai pagar a aposentadoria dos atuais aposentados se os jovens só pagarem a própria? A transição do regime atual para a capitalização é caríssima. Pense bem: é uma geração inteira de aposentadorias que precisará ser paga com dinheiro tirado de algum outro lugar. As estimativas desse custo nunca são menores do que algumas centenas de bilhões de reais. Se for isso, a transição come rapidinho boa parte da economia de um trilhão que a reforma atual pretende conseguir. [um lembrete de algo que parece estar sendo esquecido, propositadamente: os atuais aposentados contribuíram para a Previdência durante todo o período de atividade - contribuição sobre o total do salário (não apenas sobre o teto, conforme ocorre com os aposentados do Regime Geral.)

Não estão recebendo aposentadoria por generosidade do governo - aliás, grande parte dos servidores públicos (os 'privilegiados') ainda hoje, apesar de aposentados ainda pagam a Previdência sobre o valor que recebem acima do teto.]
A promessa da reforma é que ela vai liberar dinheiro para gastar com coisa boa: escola, hospital, redução de impostos. Se for tudo gasto na mudança do modelo de Previdência, não vai ter nada disso. Até que apareça alguém com um projeto de lei sobre capitalização bem explicado e uma planilha que mostre de onde sairá o dinheiro para a transição entre os regimes, proponho que a capitalização seja retirada da proposta de reforma da Previdência.
 
Celso Rocha de Barros - Folha de S. Paulo