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segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Corrupção, contas públicas e crescimento

Previdência, déficit em 2017: R$ 268,7 BI - Ou o Brasil combate as fraudes contra a Previdência ou a bomba explode - as fraudes são tanto na arrecadação quanto no pagamento de benefícios

Há a percepção de que uma forte queda da corrupção fará aparecer no caixa do Tesouro Nacional algo como R$ 200 bilhões. Esse número fatídico tem sido divulgado sem que haja nenhuma referência a algum estudo sistemático que o origine. Três motivos principais sugerem que as coisas não são tão simples.

O primeiro motivo é que o combate à corrupção tem um custo.
Ou seja, para saber quanto aparecerá no caixa do Tesouro, é necessário calcular números líquidos do custo do combate à corrupção.  Erros como esse são comuns em estatísticas dessa natureza. Com frequência divulgam-se na imprensa números sobre desperdício de alimentos. O subtexto é que a sociedade poderia ser muito mais rica se não houvesse o desperdício. O problema é que não se consideram os investimentos necessários para reduzir as perdas. O ganho para a sociedade será o resultado líquido.

Ou ainda com as perdas da Sabesp na distribuição de água nos domicílios. As perdas precisam ser computadas de forma líquida (sem trocadilho) dos custos de reduzi-las. O segundo motivo a sugerir que o custo fiscal da corrupção é bem menor do que se imagina é que muitas vezes consideramos como corrupção a incompetência pura e simples e problemas de gestão do Estado. Ambos são problemas seríssimos, mas de natureza distinta da corrupção.

Por exemplo, a maior parcela dos prejuízos da Petrobras com a construção da refinaria de Abreu e Lima (PE) e do Comperj (RJ) deveu-se a problemas de projeto e de execução das obras. A corrupção, muito elevada, respondeu por R$ 6 bilhões, ante perdas de R$ 44 bilhões no balanço da empresa de 2014 - ou seja, a corrupção respondeu por 14% das perdas patrimoniais contabilizadas.

Um terceiro motivo é que algumas vezes a corrupção reduz a ineficiência da economia
pois funciona como um lubrificante que diminui o atrito do sistema: é comum termos regulação complexa e excessiva e, nesses casos, a corrupção, apesar de imoral, pode aumentar a eficiência do sistema e, portanto, provavelmente ocorrerá em uma economia de mercado.  Não se trata, obviamente, neste último caso, de defender a corrupção. Muito melhor do que o lubrificante mencionado é ter regras simples e bem desenhadas. E, mesmo que não seja assim, a lei tem que ser cumprida, independentemente da questão da eficiência. Mas, se o assunto é custo da corrupção, não se pode deixar de mencionar esse fator numa análise objetiva da realidade.

A moral da história é que o combate à corrupção não é a panaceia para nossos problemas fiscais, embora possa ajudar.  Por exemplo, no último ano houve queda apreciável de gastos com o programa auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez a partir de um pente-fino promovido pelo Ministério da Ação Social. Pessoas não elegíveis aos programas recebiam os benefícios. Evidentemente, como discuti na coluna de 2/4/2017, o combate à corrupção nesses programas tem o custo de, em alguns casos, levar à recusa do benefício a pessoas que são de fato elegíveis. A razão é que não há sistema de filtros que seja perfeito. [as fraudes na Previdência ocorrem tanto na arrecadação das contribuições - patrões descontam dos empregados mas só recolhem aos cofres da Previdência parte; funcionários ganham X, mas, oficialmente ganham menos do que X e é sobre esse valor que a contribuição é calculada e várias outros tipos de fraudes que somadas geram déficit gigantesco ao INSS;


existem fraudes também na concessão de benefícios, auxílios aos que não são elegíveis, aposentadorias e pensões fraudadas, aposentados por invalidez que gozam de perfeita saúde.
As fraudes são as mais diversas e como incidem sobre milhões logo geram déficit bilionário. 
Tem que passar o pente fino nas Bolsas de todos os tipos.

Se o Governo decidisse partir para uma caça aos fraudadores, um pente fino implacável, teria um custo elevado mas reduziria em muito esses R$ 268,7 BI - déficit total em 2017.
Com a redução do déficit alguns ajustes via reforma da Previdência se teria mais uns trinta anos de Previdência garantida e tal 'trégua' poderia ser usada para aperfeiçoar mecanismos tornando a Previdência mais justa - uma Previdência mais justa não é nivelar os benefícios por baixo = distribuir a miséria - e sim elevar os benefícios menores, reduzindo os maiores até ocorrer um encontro tornando a vida de todos mais justa.

Mas, o Governo faz um arremedo de campanha de combate as fraudes, reduz um pouco os valores desviados e parte para uma reforma baseada em reduzir 'privilégios', esquecendo que a primeira consequência da redução dos chamados 'privilégios' é reduzir a arrecadação, haja vista que os servidores públicos que hoje contribuem sobre a totalidade dos salários, 11% seja sobre R$ 5.000, seja sobre R$ 20.000, passarão a contribuir TODOS sobre no máximo o teto do INSS que não alcança sequer R$ 6.000.

A queda na arrecadação acontece no dia seguinte ao da entrada em vigor da Reforma, enquanto a redução dos benefícios será gradativa, ocorrendo com as aposentadorias e esta por alguns anos permanecerão em valores superiores aos do TETO ÚNICO de contribuição - haja vista o período de transição, também o  tempo que grande parte dos servidores levará para se aposentar e passarão a contribuir menos, mas receberão (devido contribuições recolhidas sobre teto máximo) aposentadorias em valores superiores ao do TETO ÚNICO.
Ou o Governo combate as fraudes e faz uma reforma menor, mas, que com a redução das fraudes terá efeitos de uma grande reforma, ou a Previdência Social acaba.]

O combate à corrupção é uma agenda complexa e permanente. O combate à corrupção pela repressão policial e pela ação direta da Justiça é só um dos elementos dessa agenda.  Mudanças legislativas que reduzam as oportunidades e aumentem e deem mais eficácia aos instrumentos de investigação –principalmente quando se trata de crimes de colarinhos branco, que não deixam rastros– são igualmente importantes. Se é verdade que o combate à corrupção não fará aparecer R$ 200 bilhões no caixa do Tesouro Nacional, é provável que a construção de um marco legal que desestimule fortemente a corrupção produza fortes impactos sobre o crescimento de longo prazo do país.

Ou seja, provavelmente a ligação entre corrupção e caixa do Tesouro Nacional existe, mas o grosso dela se dá de forma indireta, mediada pelo crescimento econômico. Não há dúvida de que o combate à corrupção é uma importante bandeira, mas devemos entender de forma realista os ganhos que ela pode trazer. E não a usar para tapar o sol com a peneira em relação à necessidade imperiosa de fazer o ajuste fiscal.


Samuel Pessôa - Folha de S. Paulo