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sábado, 21 de outubro de 2017

Traição é o teu nome: a sabotagem, de Maia

Como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, arquitetou a divulgação, por meio do site oficial da Casa, dos depoimentos em vídeo de Lúcio Funaro, o que está por trás do gesto político arrojado e o que ele ainda prepara para tentar amealhar ainda mais poder

Por mais que tente negar as aparências e disfarçar as evidências, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não consegue esconder: primeiro nome na linha de sucessão, ele foi mordido pela mosca azul – aquela que, segundo reza o anedotário político, inocula em seu alvo o veneno do desejo irrefreável de alcançar a Presidência, ilusão que acaba comprometendo sua sanidade e seu senso de realidade. Para tanto, Maia passou a jogar com a possibilidade de o presidente Michel Temer ser derrotado no plenário da Câmara na votação da segunda denúncia nesta quarta-feira 25. A hipótese é remota. Seriam necessários 342 votos contra Temer. Mas, se isso acontecer, Maia assumiria a Presidência da República. O que, segundo ele, é um sonho de todo político. “Quem está na política e não pensa em presidir o Brasil está no lugar errado”, afirma. Não, necessariamente. Mas, entre outras épocas, vale lembrar, muita gente também sonhava em ser Napoleão.

Foi movido por esse espírito que Maia saiu a campo a fim de tentar sabotar o governo. A palavra sabotagem vem do francês sabot, que significa ‘tamanco’. Surgiu quando trabalhadoras revoltadas, durante a revolução industrial, jogavam seus tamancos nas máquinas a fim de paralisá-las. Na sabotagem de Maia deu-se o inverso. Ele fez a máquina andar. Mais precisamente tornou público, por meio do site oficial da Câmara, os vídeos da delação premiada de Lúcio Funaro, em que o doleiro faz graves acusações a Michel Temer. 

Tratou-se de um gesto estritamente pessoal: conforme apurou ISTOÉ foi o próprio Maia, na noite de sexta-feira 29 de setembro, quem pediu a um servidor da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara que disponibilizasse os depoimentos de Funaro. Coube ao funcionário entrar em contato com os responsáveis pelo site da Câmara. Eram 19h30 quando Maia emitiu a ordem. Uma hora depois estava tudo pronto para o conteúdo bombástico entrar no ar. Maia acompanhou tudo de perto. Só descansou depois que o “enter” foi pressionado. 

Os ofícios do Supremo Tribunal Federal com arquivos digitais anexos e que continham mais de um terabyte de informações chegaram à Câmara dos Deputados no dia 21 de setembro. Entre os dias 22 e 28 de setembro, o presidente da Câmara consultou aliados, entre eles o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) em pelo menos duas reuniões na residência oficial. Nos encontros, avaliou os riscos da exposição. Pesados pós e contras, mandou “tocar adiante”. “Maia sabia dos riscos o tempo todo. E, óbvio, agiu de modo a constranger o governo”, afirmou uma das pessoas envolvidas na operação. Somente na sexta-feira 13, ou seja quase 20 dias depois, é que a imprensa se deu conta da existência do material e o trouxe à luz. A dica teria partido do próprio gabinete de Maia. O problema é que os documentos divulgados pertenciam a inquérito que corre em segredo de Justiça no Supremo Tribunal Federal. E, segundo o ministro Edson Fachin, foram entregues à presidência da Câmara sob esta mesma condição. Ou seja, foi cometido um crime de violação de sigilo. Não só deste como de mais três inquéritos: contra Renan Calheiros (PMDB-AL), Romero Jucá (PMDB-RR) e o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

 A liberação dos vídeos causou espanto (e pronta reação) do advogado de Temer, Eduardo Carnelós. Carnelós, em nota, considerou o vazamento “criminoso”, com o intuito de “causar estardalhaço” às véspera da votação da segunda denúncia. Maia sentiu o golpe, ameaçou processar Carnelós e o chamou de “incompetente e irresponsável”. Em seguida, reconheceu que foi o responsável pela divulgação dos vídeos da delação de Funaro, mas garantiu que manteve reunião com o ministro Fachin e a presidente do STF, Cármen Lúcia, e não ouviu deles nenhuma restrição de acesso a qualquer parte da documentação. Fachin, no entanto, derrubou a inverossímil versão: insistiu em que tudo que se refere à colaboração premiada continuava e continua sob sigilo.

O armistício durou pouco
O gesto de Maia é uma prova contundente de sua agenda negativa. Michel Temer preferiu não alimentar a polêmica e desautorizou as críticas de seu advogado. O presidente tem feito todo o possível para reconquistar o apoio de Rodrigo. Depois do bate-boca de Maia com Carnelós, Temer pediu que Antônio Imbassahy, ministro-chefe da Secretaria de Governo, procurasse o presidente da Câmara e tentasse acalmá-lo. Imbassahy encontrou-se com Maia na noite do domingo 15 e também no café da manhã da segunda. Ofereceu-lhe a presidência do BNDES, em nome do governo. Como sinal de paz, Maia suspendeu a viagem que faria ao Chile exatamente durante a votação da CCJ, que deu ganho de causa a Temer. “Não poderia abandonar a Câmara num momento em que se votava sobre um assunto tão grave”, justificou-se. Na conversa com Imbassahy, foi agendada a audiência de Maia com Temer, pois os dois não se encontravam há quase um mês. Mas o clima de reconciliação, como se viu, durou muito pouco.

Em sua busca incessante de razões para se afastar de Temer, Maia criou um novo atrito na noite da quarta-feira 18. Após o encontro de uma hora que manteve com o presidente no Palácio do Planalto, de 4h30 às 5h30 da tarde, foi divulgada a informação de que se discutiu na reunião o rito de votação da denúncia contra o presidente. Foi o bastante para Rodrigo Maia virar uma arara. Emitiu uma nota oficial esclarecendo que a versão era falsa. E acusou o Palácio de disseminar “intrigas”. Ainda na nota, disse que “não havia sentido algum tratar de rito processual de votação de um Poder da República com o presidente de outro Poder, muito menos quando é um deles que está sendo processado e julgado com seus ministros”. Quer dizer, apesar das promessas de bandeira branca, tudo permaneceu como estava.

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