Por que juízes e procuradores deveriam receber 4 mil e tantos a mais por mês, se pela Constituição todos os cidadãos brasileiros são iguais perante a lei?
Juízes contra a justiça - Magistrados em frente ao STF: as causas incluem a defesa de privilégios
(André Dusek/Estadão Conteúdo)
Não são muitos ─ mas falam, decidem e agem por todos. O resultado, de qualquer jeito, é que temos aí mais uma agressão aberta à democracia no Brasil. Não há um regime democrático em funcionamento normal quando juízes de direito dão a si próprios direitos diferentes e maiores que os do cidadão comum ─ no caso, colocando-se acima da lei numa greve para obrigar o Supremo Tribunal Federal a decidir uma causa em seu favor. Ou o STF faz o que eles querem, segundo ameaçam, ou então a Justiça não vai funcionar. Isso, obviamente, não existe em democracia nenhuma do mundo. O STF não pode ser obrigado por nenhum grupo particular, e muito menos por magistrados, a agir assim ou assado. Mas aqui, hoje, está valendo tudo.
Numa situação mais ou menos normal, o juiz que fizesse greve para pressionar publicamente os seus superiores na hierarquia, e isso para arrancar um privilégio pessoal, deveria ser simplesmente demitido do cargo e ir fazer outra coisa na vida. Acontece que o Brasil não vive, já há muito tempo, uma situação normal no Poder Judiciário. O motivo da anomalia é que se transformou num hábito, no sistema de Justiça brasileiro, ignorar a lei e a Constituição Federal em benefício dos interesses materiais e ideológicos dos que têm um emprego ali dentro. Nada poderia comprovar isso de forma tão clara como a “greve” do momento.
Ela já é um disparate em si mesma, por ser escandalosamente ilegal, mas o motivo pelo qual foi convocada é muito pior ainda ─ na verdade, é o próprio sintoma da falência geral de órgãos que envenena atualmente o corpo da máquina judiciária nacional. Os grevistas não exigem o cumprimento de nenhum preceito virtuoso, como o direito de julgarem em liberdade e de acordo com as próprias consciências. O que querem, mesmo, é garantir miseráveis interesses financeiros pessoais ─ mais exatamente, o pagamento de 4.300 reais por mês como “auxílio moradia”, inclusive para quem já mora na própria moradia. São cerca de 30.000 juízes a procuradores no Brasil inteiro. Multiplique por 4.300 por mês ─ e veja aí o custo dessa brincadeira. Desde que o ministro Luiz Fux, do STF, inventou em 2014 que todos os magistrados brasileiros, sem exceção, deveriam ganhar o “auxílio” hoje contestado, a despesa pública com ele aumentou vinte vezes.
Quer dizer: é um desses casos onde se soma o insulto à injúria. A greve, por si só, já é uma ofensa à ordem; o motivo da greve é uma ofensa à moralidade. De fato, que sentido pode fazer uma aberração como esse “auxílio-moradia”? Os cidadãos brasileiros não têm direito a receber dinheiro do governo para pagar seu aluguel mensal, e muito menos para reforçar seu bolso quando já têm a própria casa. Por que, então, juízes, incluindo os “do trabalho”, e procuradores, deveriam receber aqueles 4 mil e tantos a mais por mês, se pela Constituição todos os cidadãos brasileiros são iguais perante a lei? Fica oficializado, com esse desatino, que não são iguais ─ se o Estado quer tirar dinheiro dos impostos para pagar a moradia de uns, deveria pagar então a moradia de todos. A respeito deste ponto, a propósito, desvenda-se a hipocrisia sem limites da “luta pelo direito à moradia”, que é como os sindicatos apresentam sua exigência.
Ela é descrita como se o dinheiro gasto com o “auxilio” pertencesse ao “Estado” ─ ou, numa mentira mais grosseira ainda, “ao governo Temer”, ou ao “Supremo”. Então por que não dizem, logo de uma vez, que a verba vem do Tesouro de Marte? A verdade, como em 100% dos “gastos do governo”, é que o “governo” não gasta nada, nunca. Quem está pagando cada centavo do “auxílio moradia” é você mesmo, ninguém mais; é o público, que mete a mão no bolso para pagar imposto a cada vez que recebe o seu salário ou acende a luz de casa. Não seria mais “republicano” se os nossos magistrados exigissem da população, que de fato é quem lhes paga, o que exigem do STF? Fica aí a ideia.